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Terça, 27 Agosto 2019 18:28

Fundação 27 de maio não concorda com memorial único para vítimas do conflito pós-independência

A Fundação 27 de maio, que representa as vítimas da alegada tentativa de golpe de Estado em 1977 em Angola, manifestou-se hoje contra a construção de um monumento único para todas as vítimas do conflito político no período pós-independência.

A edificação do monumento será o culminar da implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos angolano, que foi hoje apresentado em Luanda.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Fundação 27 de maio, Silva Mateus, disse que já manifestou a recusa à Comissão para a Implementação do plano, coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz.

“Temos uma certa apreensão, porque parece-nos que o Estado quer construir um monumento único para todas as vítimas, o que nós já dissemos que não devia ser assim e não aceitamos, mas é uma questão a discutir”, referiu.

Silva Mateus disse que este plano é fruto de pressões internas e externas, conduzidas pelos sobreviventes do 27 de maio de 1977, data considerada em Angola como uma das mais sangrentas e, até 2018, considerada tabu.

“Devemos lembrar que há um processo na ONU e o Governo de Angola, por duas vezes, na Comissão dos Direitos Humanos, foi questionado sobre o processo do 27 de maio. E podemos dizer mesmo que foi uma espécie de pressão, não só interna como externa, para a resolução, não só dos problemas atinentes à guerra, mas também em especial as questões do 27 de maio”, referiu.

O sobrevivente do 27 de maio sublinhou ainda que o Despacho presidencial que criou a comissão de implementação “fala dos conflitos, com especial atenção à questão da tentativa de golpe de Estado”.

Segundo Silva Mateus, há 18 anos que a fundação se debate sobre este problema do 27 de maio e no conselho consultivo alargado que realizou este ano, fora recompiladas as propostas recolhidas por todo o país, para a resolução do conflito de 27 de maio.

Estas propostas foram já entregues à comissão que hoje deu início ao plano, prosseguiu Silva Mateus, destacando entre elas o debate nacional, o enterro às vitimas, o komba e a construção do monumento.

Entretanto, o presidente da fundação chama atenção para aspetos culturais que devem ser acautelados, no sentido de que o processo vingue.

“Quando se fala do komba , é um ato que dá por terminado um óbito, para dar por terminado o óbito é preciso enterrar o morto, se o morto não está enterrado não vamos fazer o komba, já discutimos isso com o ministro, mas é uma questão que está em aberto e vamos continuar a discutir até encontramos o consenso nacional para resolvermos esse problema”, frisou.

De acordo com Silva Mateus, há algumas questões que não podem ser resolvidas sem que antes se resolvam outras, designadamente a existência de cadáveres para haver um monumento.

Questionado sobre a facilidade passados vários anos do cumprimento destas preocupações, Silva Mateus disse não ver dificuldades, considerando que o processo “vai conhecer um desfecho salutar”.

“Nós falamos em 80 mil homens, que morreram no 27 de maio, mas o Governo especificamente fala em 11 mil, que foram julgados, condenados e fuzilados. Ora, se foram fuzilados é porque os seus restos mortais estão guardados em algum sítio e nós conhecemos onde os seus restos mortais estão guardados. Os comandantes estão ali no Museu das Forças Armadas, na Fortaleza de São Miguel, (…) conhecemos os sítios, só que o regime anterior não quis aceitar”, referiu.

Na sua intervenção, o ministro da Justiça e dos Direitos humanos angolano disse que no dia da inauguração do monumento, será marcado “o varrer das cinzas do passado e o acender de um fogo novo” nos corações dos angolanos.

“O fogo do perdão e da paz de espírito, dando expressão cultural à nossa tradição, com o sentir profundo de um komba nacional”, disse.

Igrejas cristãs propõem que partidos históricos assumam erros antes e depois da independência

O Conselho das Igrejas Cristãs em Angola (CICA) propôs hoje, em Luanda, que os partidos políticos históricos reconheçam e assumam publicamente a responsabilidade dos erros cometidos antes e depois da independência nacional.

O pedido foi hoje feito ma cerimónia de lançamento do Plano de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos, no período entre 11 de novembro de 1975 e 04 de Abril de 2002.

Entre várias propostas, a secretária-geral do CICA, Deolinda Tecas, pediu também que haja um diálogo sincero e inclusivo de todos os angolanos, que pode ser liderado pelos partidos políticos históricos – Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).

O CICA propôs também a criação de um fundo memorial de consolação das vítimas do conflito nacional, que não necessariamente tenha uma base financeira material, além do levantamento e registo de dados históricos sobre o passado e a caminhada para o actual momento, com vista a uma “recriação da verdade das memórias históricas da nação” que agora se almeja.

“Também achamos que seria bom a concessão, em culto público nacional, de perdão à nação, pelos respectivos erros e danos do passado, para uma destraumatização nacional”, frisou a secretária-geral do CICA, sublinhando o propósito de se prevenir “futuros focos de insatisfação”.

Para o CICA, a visão sobre a reconciliação vem num momento certo e deverá contribuir “para a cura de almas e mentes, lidando com os traumas das vítimas, sobreviventes e descendentes”.

Sobre o plano, a vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, disse que foi já conquistada a paz, “com a ausência das armas”, sendo agora o novo desafio a conquista da espiritual, para o desenvolvimento do país.

Luísa Damião disse que o MPLA deu o seu contributo para este plano, por demonstra consistência e que os angolanos querem verdadeiramente cimentar a unidade, coesão, reconciliação nacional, para que se unam as inteligências, valências para se oferecer às novas gerações um bom país para se viver.

Questionada sobre a facilidade de implementação do plano, a política realçou que “nada é fácil”, mas é possível com o empenho de todos, se estiverem imbuídos no espírito de perdão.

Por sua vez, o líder da bancada parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, considerou importante o ato, que o seu partido “há muito gostaria de ver materializado”.

Adalberto Costa Júnior lembrou que foi membro do Mecanismo Bilateral para a Paz e Reconciliação Nacional e há mais de dez anos a UNITA promoveu internamente um programa direccionado ao perdão.

“A UNITA foi capaz de pedir perdão pelas vítimas da guerra, na altura não foi possível que conseguíssemos fazer o momento abrangente no plano nacional, mas vamos saudar, chegou esta altura. Era difícil continuar a justificar por exemplo que um assunto como o 27 de maio continuasse sem respostas”, considerou o político.

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