Segundo Manuel Victor, jornalista da Rádio Soyo, essa tarefa é da responsabilidade dos filhos e sobrinhos, filhos da irmã do idoso, como sucede na maioria dos casos.
Na tradição Bacongo, explicou, Manuel Victor, os mais velhos, com idade avançada, devem permanecer em casas onde o filho, netos e sobrinhos lhes têm como pai ou mãe, devem estar presentes no aposento do mesmo, levando ou confeccionando os alimentos ali e prestarem ajuda na higiene pessoal.
Para que o ancião se desloque à residência de um outro familiar, adiantou, deve haver uma reunião para se chegar a uma decisão.
O jornalista da Rádio Soyo acrescentou que muitos filhos Bakongo do Soyo ainda continuam a preservar essa tradição de não deixar os seus patriarcas à sua sorte ou levá-los aos lares de idosos.
Isabel Matadi vive no município do Soyo, no bairro Kintambi. Tem 35 anos. Sobre o assunto, disse que aprendeu a cuidar dos avós, porque não faz parte da cultura dos Bakongo deixar os seus pais e avós à sua sorte.
Para Isabel Matadi, os idosos sempre foram fonte oral de conhecimentos e experiência de vida para os seus descendentes, assim como da comunidade onde estão inseridos.
Os Bakongo da região do Soyo, pontualizou Isabel Matadi, cuidam bem dos seus idosos e junto deles absorvem sabedoria e conhecimentos para não deixar desaparecer a rica cultura tradicional desse povo.
“Enquanto estudante do Ensino Médio aqui no Soyo, aprendi, assim como no seio familiar, a estima pelos mais velhos, por ser uma forma de manter a ligação entre gerações”, disse.
Juliana Tomas, 32 anos, é outra jovem que a reportagem do Jornal de Angola ouviu sobre os cuidados que se deve observar as pessoas idosas. Reconheceu que não é cultura dos Bakongo deixar os seus idosos abandonados, como encaminhá-los aos lares de terceira idade.
Manuel Victor , jornalista da Rádio Soyo, assim como Nsimba Afonsina corroboram da mesma opinião.
Os três reprovam e repudiam todos aqueles que abandonam ou desprezam os mais-velhos.
Município sem Lar de Idoso
Por questões culturais, o município do Soyo não possui nenhuma instituição de Terceira Idade.
Isabel Margarida Artur, directora municipal da Acção Social, Família e Igualdade do Género, disse ao Jornal de Angola que, os Bakongo, por natureza, são povos acolhedores.
A directora, há mais de 15 anos nesse departamento ministerial, acrescentou que no Soyo os Bakongos são muitos unidos pelos laços sanguíneos, logo, como se diz na gíria dos Musseques da província de Luanda, “Sangue não fatiga sangue”.
Para que isso esteja assente, avançou, as igrejas têm desempenhado um papel preponderante, que consiste na sensibilização da população para cuidar dos mais-velhos, sendo familiares directos ou não.
Isabel Margarida Artur disse que estão sob controlo da direcção municipal da Acção Social, Família e Igualdade do Género mais de 20 idosos em situação de vulnerabilidade. “Apesar das dificuldades, esses idosos estão no seio familiar”, disse.
Jornalista e investigador cultural fala sobre a tradição
O jornalista da Rádio Soyo e Investigador cultural, Estevão Amélia, disse que, na tradição Bakongo, os idosos são acarinhados pelos familiares mais próximos, e não só, dado a sua experiência de vida, que passou por várias vicissitudes e soube ultrapassar sem espezinhado quem quer que seja.
Essa experiência de vida, adiantou Estevão Amélia, nos tempos de hoje, é, tristemente, menosprezada por muitos familiares, principalmente por jovens que buscam culturas europeias.
A inexistência de Lar para Terceira Idade no Soyo vem demonstrar como os familiares cuidam e acarinham os seus mais velhos, muitos dos quais trisavôs.
Sobre a acusação de que muitos idosos são imputados ou rotulados como feiticeiros, Estevão Amélia preferiu remeter o assunto às autoridades tradicionais.
Quando surgem acusações desse tipo, disse, o caso é resolvido pelos mais velhos, com base na tradição Bakongo.
Estevão Amélia realçou que, para um bom trabalho de investigação sobre a cultura Bakongo, em todos os seus aspectos, tem contado com as bibliotecas vivas do Soyo, das quais umas com mais de 90 anos.
Aos mais jovens, principalmente os estudantes do Ensino Médio e Superior, além dos manuais, devem sentar-se diante dos idosos que têm muito para narrar e explicar sobre o desenvolvimento das comunidades, as causas de muitos deixarem a zona, bem como a proveniência dos outros povos ao Soyo.
“É História. Mais do que os manuais, os nossos idosos conhecem melhor como o município está a desenvolver e o porquê que em determinado tempo estagnou. Deve-se acarinhar os idosos para a preservação da nossa cultura, e não só", precisou Estevão Amélia.
Breve perfil
Os Kongo (também denominado Bakongo, plural. Mukongo ou M'kongo; em Kikongo: BisiKongo, EsiKongo, singular: MusiKongo) são um povo Bantu definido principalmente como os falantes do Kikongo. Subgrupos incluem os Beembes, Bwendes, Bavili, Sundi, Yombe, Dondo, Laari e outros. Para os Bakongo, o conceito de família não é como o do mundo ocidental. A família, para os Bakongo, é algo ampla e sagrada que abrange a família do lado materno, chamado “kanda” e a família do lado paterno, chamado “kise”.
Por sua vez, os pais também pertencem a uma kanda e a mãe a outra kanda, e esses pertenceram as kandas que lhes nasceram, dando lugar a parte dos avôs paternos e dos avôs maternos. Nesta lógica hierárquica, a família Bakongo é formada por três núcleos que são: kise, kanda e kinkayi.
Na família Bakongo, o conceito de tio paterno não existe, mesmo que seja mulher, irmã do pai, não é tia, é pai. Mas é necessário designar pai feminino (em kikongo tata nkento). Enquanto o conceito do tio se emprega para os irmãos da mãe, mas as irmãs da mãe não são tias, mas sim mães. O kise engloba todos aqueles que fazem parte da família paterna.
O kanda engloba todos aqueles que fazem parte da família materna. O kinkayi engloba todos os avôs paternos e maternos.
Entre tanto, é de salientar que, para os Bakongo, kanda engloba todos os tios, mães e os filhos das mães. Isso é muito importante para a sucessão de poderes na hierarquia familiar.