Terça, 21 de Outubro de 2025
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Terça, 21 Outubro 2025 17:53

As velas que iluminam a coragem e amedrontam o poder.

A noite de Luanda, que deveria ser iluminada por velas em memória e solidariedade, acabou coberta pelo peso das botas policiais. Jovens pacíficos, de t-shirts pretas com a inscrição “Vozes Livres, Presos Políticos Livres”, foram retirados à força do Jardim São Domingos, onde a sociedade civil pretendia realizar uma vigília pela libertação dos presos políticos em Angola.

O cenário foi marcado por um aparato policial desproporcional, com agentes uniformizados e à paisana espalhados pelas redondezas. A activista Laura Macedo, uma das organizadoras, relatou que ao chegar ao local encontrou “um ambiente de intimidação”, com viaturas policiais e ordens para “desmobilizar”. Segundo ela, os agentes exibiram “uma carta fictícia” para justificar a proibição da vigília, uma carta que ninguém viu, ninguém leu, e que simplesmente serviu como instrumento de censura.

“Eu não preciso de autorização para fazer uma actividade pacífica. Estávamos apenas em concentração, nem tínhamos iniciado a vigília. O Governo da Província insiste em não cumprir a lei e usa a polícia para fazer o trabalho sujo”, afirmou a activista, indignada.

De acordo com testemunhos no local, cerca de 15 jovens foram detidos, entre eles alguns transeuntes que nada tinham a ver com o protesto, mas que acabaram confundidos com manifestantes. O objetivo da vigília era simples e legítimo: exigir a libertação de todos os presos políticos e o respeito pelos direitos fundamentais.

A reação do Estado, contudo, foi uma demonstração clara de que o medo da liberdade é maior do que o respeito pela Constituição. Em vez de proteger o direito à manifestação pacífica, previsto na Lei e em tratados internacionais ratificados por Angola, a polícia agiu como guardiã de uma ordem política assustada com a voz do povo.

“Será que o Presidente João Lourenço tem medo de mim?”, questionou Laura Macedo, simbolizando a perplexidade de milhares de angolanos diante de um governo que reprime velas e detém consciências.

Os organizadores recordam que as autoridades angolanas mantêm mais de uma dezena de cidadãos presos por exercerem direitos constitucionais, acusados de crimes como “rebelião” ou “instigação pública ao crime” rótulos usados para justificar o silenciamento de dissidências e o controle do pensamento crítico.

O episódio no Jardim São Domingos é mais do que uma violação da lei: é um sintoma de um governo alérgico à cidadania e à liberdade. Quando o Estado teme as velas de uma vigília, revela que as sombras que realmente o ameaçam estão dentro dele próprio nas suas práticas autoritárias, na negação da diferença e na perseguição da esperança.

Enquanto isso, as velas que não puderam ser acesas naquela noite continuam a arder no coração dos que acreditam que a liberdade não precisa de autorização.

Por Rafael Morais

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