Domingo, 19 de Outubro de 2025
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Domingo, 19 Outubro 2025 15:10

Independências: Lutas de libertação trazem sonhos lindos, o pior é a realidade – nacionalista angolano

O nacionalista angolano e membro do conselho de honra do MPLA (poder) Amadeu Amorim disse que não foi esta a Angola sonhada pelos independentistas, lamentando que o país ainda dependa de importações apesar dos “abundantes” recursos naturais e humanos.

“Não, claro que não [temos hoje a Angola sonhada pelos nacionalistas]. Mas, reparemos que as lutas de libertação trazem sonhos bonitos, mas o pior é a realidade”, disse o nacionalista angolano à Lusa, referindo que Angola chegou à independência “com um povo guerrilheiro, porém 90% analfabeto ou iletrado”.

“E como Salazar havia mandado esvaziar tudo, [os angolanos] ficaram sem economia, sem saúde, sem educação e, sobretudo, sem quadros para fazer o trabalho que eles não sabiam. Houve que arregaçar as mangas e começar uma nova luta que desconhecíamos, logo de difícil execução”, argumentou.

Amadeu Amorim, de 88 anos, que foi preso em 1959 na vaga de prisões da então polícia política portuguesa PIDE, no que ficou conhecido como “Processo dos 50”, considerou, contudo, que embora esta não seja a Angola sonhada, tudo indica que este é o caminho certo “para um amanhã melhor”.

Defendeu que este caminho para uma Angola melhor se faz caminhando: “Temos de ser nós mesmos a manter Angola de pé, com todas as dificuldades, ombreando, mesmo assim, com os interesses estrangeiros, enquanto eles forem donos do conhecimento”.

Recordando as sevícias por que passou na cadeia do Tarrafal (vila cabo-verdiana onde eram presos opositores à ditadura salazarista), onde foi desterrado durante dez anos, o nacionalista e militante do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) saudou, no entanto, a independência de Angola, alcançada há 50 anos, enaltecendo os Capitães de Abril. Para os angolanos, “como para qualquer povo, “a independência, a liberdade, é um bem maior a almejar. Ninguém é feliz acorrentado”, comentou.

Em meio século de independência, o histórico nacionalista angolano defendeu que a juventude do país precisa de ser incentivada para correr atrás dos sonhos e estudar para colocar o país no patamar de grandes potências, como os EUA, Inglaterra ou a Coreia do Sul.

Apontou a necessidade de o país “saltar” da agricultura familiar para a industrializada, destacando as ações do Governo nessa direção e referindo que a próxima geração deve ser capaz de desenvolver o país.

“Esta Angola que ontem foi, infelizmente, de luta armada, hoje precisamos de fazer uma luta sobretudo económica e financeira.

E então, para isso, precisamos de estudar e estudar o mais depressa possível”, defendeu. Quanto às queixas e críticas sobre a fome e a miséria que subsistem em Angola passados 50 anos de independência, o nacionalista octogenário disse que estas “têm razão de ser”, mas, notou, “o homem é um eterno desconhecido e quer sempre cada vez mais”.

O também ex-deputado do MPLA considerou que a luta económica comanda atualmente o mundo, referindo que os jovens que reclamam da fome “não entendem porque é que o país depende de importações”.

“Estamos cheios de terras, com um mar de todo o tamanho. Somos, em África, quase o país com melhores condições de água e gente, mas ainda vivemos da importação”, descreveu, acrescentando que o país tem petróleo, mas não consegue explorar porque não tem tecnologia.

Frisando que quem comanda o preço do petróleo no mercado internacional “não são os países africanos”, salientou que “Angola só vive do petróleo”, cuja volatilidade dos preços também tem impacto na importação dos bens de consumo.

Quanto aos protestos registados em julho passado, na sequência da paralisação dos taxistas sobre a subida dos combustíveis, para Amadeu Amorim “têm razão de ser”, mas as pilhagens são condenáveis, pois as reivindicações “têm regras e limites e não podem ser transformadas num direito de roubar outrem”.

Instou igualmente as autoridades a criarem condições internas para se acabar com a fome e a não dependerem exclusivamente de importações: “É preciso que [o combate à fome] não dependa daqueles que estão de fora para nos dar de comer, temos de ser nós próprios, o nosso Governo, a olhar para as condições”, apontou.

Feliz por ter sido condecorado em abril passado com a “medalha da independência” pelo Presidente angolano, João Lourenço, classificou o gesto como um “incentivo que está a reunir a família angolana”, respeitando, no entanto, as personalidades que recusaram a condecoração.

“Penso que aqueles que estão a condecorar viram que uns merecem e outros não.

É preciso lembrar que Angola viveu trinta anos de guerra, uns lutaram pela independência e outros lutaram pelo poder”, declarou, defendendo, porém, a condecoração de Holden Roberto – líder fundador da FNLA e um dos signatários, juntamente com Jonas Savimbi (UNITA) e Agostinho Neto (MPLA), do Acordo de Alvor.

Amadeu Amorim, também músico e cofundador do agrupamento musical Ngola Ritmos, considerado primeiro grupo de música popular urbana angolana, formado em 1947 em Luanda, assegurou que a música também foi um instrumento de luta pela libertação.

“Apenas por via da música era possível levarmos a mensagem ao povo.

Angola estava ocupada e não se podia falar para a rádio e nem escrever nos jornais”, recordou, exemplificando com a interpretação do excerto da canção “mbiri-mbiri” em “kimbundu” (língua angolana).

Quanto às perspetivas do país nos próximos 50 anos, o sobrevivente do “Processo dos 50” sinalizou: “É preciso que Angola seja uma nação respeitada a nível mundial (…).

Ser um país capaz de se industrializar, transformar localmente as suas riquezas e pagar, nem que seja a peso de ouro, profissionais e professores capazes de nos trazer saúde e bem-estar ao seu povo”.

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