Ontem, o Presidente da República dirigiu-se à Nação com um discurso repleto de promessas, dados e conquistas. Disse-nos que desde 2019 foram atribuídas 37 concessões petrolíferas, que os diamantes angolanos passarão a ser lapidados internamente, e que em breve entrará em funcionamento a refinaria de ouro de Luanda. Palavras bonitas, polidas como as pedras preciosas que ele promete ver brilhar dentro das nossas fronteiras.
Mas, qual é o impacto positivo real que o povo angolano sente no bolso, na mesa e na alma?
Acho que o nosso empregado devia pensar e refletir como está o estado de saude do seu patrão. O povo
O chefe de Estado afirmou que o setor dos recursos minerais, petróleo e gás continua a ser um dos pilares estruturantes da economia nacional, contribuindo para a consolidação das finanças públicas e o crescimento económico.
Mas as perguntas persistem, do lado de cá, onde o povo vive. Consolidou para quem? Cresceu para quem?
Porque nas ruas, nas comunidades, maiorias das escolas sem carteiras e nos hospitais sem medicamentos, o que se consolida é o desespero. Cresce, sim, mas cresce a pobreza, cresce a fome, cresce o desencanto com promessas que já não alimentam.
Angola assinala este ano 50 anos de independência. Cinco décadas de soberania sobre os nossos recursos naturais. O Presidente lembrou isso com orgulho. E nós também lembramos, mas com dor. Cinquenta anos a gerir a riqueza, e cinquenta anos a aprofundar a desigualdade.
A verdade nua, senhoras e senhores, é que nunca fomos tão ricos em concessões e tão pobres em condições.
Trinta e sete novas concessões petrolíferas e trinta e sete novas razões para o povo perguntar ao seu empregado. Onde está o resultado disso na sua vida cotidiana?
O Presidente fala em “relançar a actividade de exploração”. Nós, patrões deste país, falamos em “sobreviver à exploração”.
É esta a contradição que o discurso traz: enquanto o poder se orgulha dos números, o povo contabiliza as carências. Enquanto se anunciam refinarias de ouro, as famílias continuam sem refinar a própria dignidade.
O discurso oficial fala de progresso.
O nosso reflexão fala de um país onde a riqueza é subterrânea e a pobreza, visível à superfície.
A pergunta que não se cala é:
“Se temos petróleo, diamantes e ouro, por que é que a panela continua vazia?” Entre a abundância dos discursos bonitos numa sala cheio de gravatas e a miséria das ruas, ficamos onde sempre estivemos — no meio da promessa e do esquecimento.
Mau servidor
Por Rafael Morais

