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Terça, 05 Agosto 2025 13:48

PR e Comandante-geral da Polícia são responsáveis pelas mortes em tumulto - Sociedade Civil

Quatro organizações da sociedade civil angolana pediram investigações independentes às 30 mortes nos tumultos e não descartam o recurso à PGR. E defendem que João Lourenço e o Comandante-Geral da Polícia Nacional podem ser responsabilizados.

Nem o Palácio presidencial pode escapar à responsabilização se se provar que as ordens para matar durante os tumultos que abalaram Luanda, Icolo e Bengo, Huambo e Malanje na semana passada, vieram de cima, avisou esta terça-feira, Serra Bango da organização não governamental Angola, Justiça, Paz e Democracia (AJPD).

O ativista respondia a perguntas numa conferência de imprensa de quatro associações da sociedade civil que esta terça-feira expressaram “profunda preocupação e indignação” com a “onda de violência e distúrbios” que ocorreu durante os três dias de paralisação dos taxistas culminando “em execuções sumárias alegadamente perpetradas por agentes da polícia”, resultando em 30 mortes, números oficiais, incluindo dois polícias, cerca de 200 feridos e 1.214 detenções.

A possibilidade de João Lourenço e do comandante-geral da polícia virem a ser responsabilizados pelas mortes não consta explicitamente na nota que Celestino Epalanga, da Comissão Episcopal de Justiça e Paz e Integridade da Criação, leu em nome do grupo que inclui a Pro Bono Angola, a AJPD e a Friends of Angola (FoA). O comunicado refere, logo na primeira exigência pública ao executivo angolano, a realização de “investigações imparciais e independentes com rigor e transparência” com a participação da “sociedade civil, organismos especializados e parceiros internacionais com vista ao apuramento integral dos factos e responsabilização dos autores materiais e morais dos atos praticados”.

Mas a ideia é depois melhor clarificada perante as perguntas dos jornalistas na conferência de imprensa transmitida em direto no Facebook. O chefe de Estado angolano e o comandante-geral da polícia “podem ser responsabilizados, porque são autores morais”, explicou o secretário-geral da Comissão de Justiça e Paz da CEAST – Conferência Episcopal de Angola e São Tomé . “O poder em Angola é unipessoal e certamente por esta razão o Presidente da República pode ser responsabilizado e o comandante-geral da Polícia por causa dos seus pronunciamentos, onde vem justificar uma execução pública de uma senhora indefesa e de tantos outros”, referiu o padre Celestino Epalanga.

O líder católico recorda que num dos casos, em que houve oito vítimas mortais, “seis foram mortas à queima-roupa, uma foi atropelada pelo carro da polícia e uma foi linchada na confusão de pedras e paus” para sublinhar que “isto é inadmissível” e pedir o fim “da cultura da morte”. Esta “cultura da violência, perpetrada pelo Estado, é uma mancha muito grande no momento em que se celebram os 50 anos de independência de Angola e 23 de paz”, criticou o padre. “Se o governo estivesse comprometido com a paz e com o respeito pelos direitos humanos, teria criado as condições” para não se chegar ao cenário vivido no final de julho.

Em última análise, o “Executivo é responsável pelas mortes ocorridas já que é sua função preservar o direito à vida, proteção dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos”, defendem as quatro organizações no seu comunicado à imprensa.

“A responsabilidade é individual no plano criminal e cada um, de acordo com a sua culpa, a sua ação, deverá ser responsabilizado. Se se perceber que essas ordens vieram do palácio, do Presidente da República, claro que a responsabilidade tem que subir até lá, sobre isso não pode haver dúvidas”, disse, por seu turno, o presidente da AJPD. Serra Bango sublinhou que o pico das mortes coincidiu com o regresso a Angola do Presidente da República, depois de uma visita oficial a Portugal e chamou a atenção de que algumas das execuções sumárias parecem ter partido de agentes “altamente preparados”.

E se é verdade que “pela primeira vez na história da independência”, o governo assumiu a responsabilidade pela morte de uma mulher num bairro em Viana, baleada nas costas enquanto fugia, como recorda Serra Bango, o discurso de João Lourenço não foi um bom indicador, alertam Bartolomeu Milton, da Pro Bono e Florindo Chiviukute da FOA:”O Presidente felicitou a polícia nacional, por isso não nos parece que abrirá uma investigação independente” às mortes.

De qualquer forma, se o Governo não abrir um inquérito para apurar quem são os responsáveis, como as quatro organizações exigem, elas mesmas ponderam avançar nesse sentido. “Decorrido um certo lapso de tempo [sem resposta] poderemos enveredar por uma exigência formal junto da Procuradoria-Geral da República”, adiantou Bartolomeu Milton.

Um processo que poderá não ser apenas interno mas internacional, acrescentou Serra Bango, mencionando a possibilidade do recurso ao Tribunal dos Direitos Africanos e ao Tribunal Penal Internacional, caso a justiça nacional não responda.

“Famílias angolanas estão mais empobrecidas do que há uma década”

Para lá das “investigações independentes e imparciais”, as quatro organizações têm outras exigências, como a “a suspensão preventiva dos agentes da polícia diretamente implicados ou envolvidos nas execuções sumárias bem como dos responsáveis hierárquicos que por omissão ou ação permitiram ou incentivaram tais práticas”. E também a “responsabilização dos agentes da polícia”, “um pedido de desculpas público”, formação contínua dos polícias e “indemnização às vítimas”.

Florindo Chiviukute frisou mesmo a importância de o Executivo apoiar as empresas afetadas pelas pilhagens mas apontou a necessidade de se apoiar as famílias das vítimas, chamando a atenção para as consequências negativas futuras, com a banalização da morte de pessoas.

As quatro organizações repudiaram os saques a estabelecimentos comerciais mas insurgiram-se contra a “brutalidade dos factos que vitimaram cidadãos indefesos à luz do dia”. O padre Celestino Epalanga, que leu a nota à imprensa, sublinhou que a greve dos taxistas foi uma “forma legítima de protesto contra a insustentabilidade do custo de vida e a perda acelerada do poder de compra das famílias, sobretudo dos cidadãos que dependem do sistema de transportes informal conhecido como candongueiro, principal meio de locomoção de parte significativa da população”.

Antes, o padre já tinha traçado o “contexto de agravamento da crise económica e social caraterizado com o aumento acentuado nos preços dos combustíveis, nos bens essenciais e nos serviços públicos básicos como transportes, energia elétrica e água, propinas e alguns bens alimentares”. Factos que levam ” os setores mais vulneráveis da população a enfrentar dificuldades crescentes na satisfação das suas necessidades básicas, sobretudo alimentar”, leu.

Segundo o padre, há “dados que mostram que as famílias angolanas estão hoje substancialmente mais empobrecidas do que há uma década”. E se a ação dos taxistas “foi desvirtuada pelas pilhagens e saques que se seguiram, nada justifica a resposta policial violenta e desproporcional, marcada por abusos de autoridade e uso excessivo da força”.

Celestino Epalanga recordou as “as imagens nas redes sociais em que se observa agentes da polícia a dispararem indiscriminadamente contra a população” e frisou que, “a serem verdade esses registos, essa conduta levanta sérias dúvidas sobre a legalidade das ordens recebidas”. Isto porque “a atuação da polícia, ao invés de proteger a ordem pública com proporcionalidade, respeito à lei e à dignidade humana, resultou em derramamento de sangue, execuções sumárias e arbitrárias, condutas que violam princípios da constituição, leis ordinárias e instrumentos internacionais”.

“Ainda há mortes a ocorrer nesta altura porque há pessoas desaparecidas”

Respondendo a uma questão sobre a detenção do vice-presidente da ANATA, Associação Nacional de Taxistas de Angola, Serra Bango assumiu “algum receio fundado de que esteja a acontecer uma purga em Angola para ameaçar vários cidadãos”, o que “não é bom”.

Aliás, o ativista revelou que ” as mortes ainda estão a decorrer nesta altura, porque há pessoas desaparecidas”.

As quatro organizações destacaram ainda a “fragilidade institucional” revelada pela forma como o Estado reagiu aos protestos e tumultos.

“O uso desproporcional da força é um sintoma de fragilidade estrutural na gestão de conflitos sociais, evidenciando ausência de mecanismos eficazes para canalizar o descontentamento popular por vias pacíficas e institucionalizadas”, sustentaram. “Se não for corrigida, essa fragilidade contribuirá para a erosão do capital democrático abrindo espaço para futuras crises sociais, com potenciais repercussões na estabilidade política e no desenvolvimento sustentável do país”, salientaram.

“Os homicídios perpetrados por agentes da polícia nacional sob pretexto de conter a desordem social são uma grave violação dos direitos fundamentais na Constituição e nos instrumentos internacionais ratificados por Angola e revelam uma crise profunda no exercício da autoridade pública e na gestão democrática dos conflitos sociais“, lamentaram.

Mais. “Compromete a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado e fragiliza a legitimidade do poder público, rompendo o pacto democrático que rege as relações entre governados e governantes. Ao recorrer a execuções sumárias como mecanismo de controle social, o Estado fomenta um ambiente de impunidade entre os seus agentes perpetuando práticas incompatíveis com os princípios de um Estado democrático e de direito”, acusaram, antes de deixarem um alerta:

“A prevalência da lógica securitária em detrimento do diálogo institucional e da escuta democrática acentua o distanciamento entre o executivo e a sociedade civil, dificultando a construção de uma cultura de participação, inclusão e coesão social”.

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Last modified on Terça, 05 Agosto 2025 23:55