Penso que não há muitas dúvidas de que se um chinês, um russo ou mesmo um brasileiro for visto a fazer compras na Av. da Liberdade esse facto não merecerá grandes comentários, mas se for um angolano tudo mudará de figura. Se um grupo chinês compra a EDP ninguém questiona a honestidade do dinheiro, mas se um grupo angolano adquire outro símbolo português cai o Carmo e a Trindade e é logo dito que o dinheiro é suspeito, ou ainda pior.
Quando o SOL foi comprado por empresários angolanos, há perto de cinco anos, passei a ir com frequência a Angola, primeiro, e depois a Moçambique onde lançámos as versões 'solares' desses dois países. Quando aterrei a primeira vez em Luanda e cheguei ao hotel, depois de passar por alguns bairros assustadores, tive a primeira surpresa: a seis mil quilómetros de distância eu estava a tomar um pequeno-almoço onde os produtos portugueses estavam em clara maioria.
Ao almoço e ao jantar a presença portuguesa manteve-se e até aumentou. Dos tremoços (!) à manteiga, ao azeite, passando pela carne e terminando no vinho, quase tudo dizia 'made in Portugal'. Nas ruas, as empresas de construção civil lusitanas eram responsáveis por grandes obras. Milhares de portugueses trabalhavam e viviam em Angola, mas o que justificava um grande alarido eram os negócios suspeitos dos angolanos em Lisboa e arredores.
Hoje tudo mudou, no que às preocupações diz respeito. O vinho, as manteigas, as cervejas, as carnes ou o peixe continuam a chegar a Luanda, em menor volume desde a crise do preço do petróleo, e milhares de expatriados - e muitas empresas - receiam ser obrigados a regressar a Portugal.
E é esse facto que tem merecido as capas de revistas e tempo de antena alargado nos telejornais. Mas dando uma volta por Luanda, de onde escrevo esta crónica, percebe-se que muitos não pensam sair daqui e que esperam que a crise passe tranquilamente.
Enquanto janto e almoço em restaurantes muito diversos, do mais barato de rua ao mais caro, vejo e ouço muitos angolanos a falarem de Portugal com um brilho nos olhos. Desperdiçar uma vida em comum onde a língua permanece e cresce parece-me um disparate total. Seja em Angola, Moçambique, Brasil ou qualquer país que fale a língua de Camões.
Por Vitor Rainho
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