Quarta, 13 de Agosto de 2025
Follow Us

Quarta, 13 Agosto 2025 14:27

O verdadeiro perigo de calar a voz de um povo cansado

Ler os sinais do tempo é uma habilidade essencial para qualquer liderança seja dentro de uma família, de uma instituição, de um grupo organizado ou de um governo. É parte da rotina de balanços, de análises de crise e de prevenção de rupturas. Quando essa leitura falha, abre-se espaço para tensões que poderiam ser evitadas com diálogo e inteligência.

O descontentamento de um povo não nasce de um dia para o outro; ele é resultado de frustrações acumuladas, promessas não cumpridas e a sensação generalizada de injustiça. Diante disso, a reação mais sábia não é encontrar um bode expiatório, mas compreender as verdadeiras causas. Porém, infelizmente, temos assistido a uma tendência perigosa de culpar tudo e todos, menos a nós mesmos.

Hoje está na moda responsabilizar as redes sociais, os opositores, os críticos e até cidadãos comuns por qualquer abalo à imagem do poder. Mas antes de acusarmos o termómetro social de estar quebrado, é preciso perguntarmos qual foi a nossa temperatura antes da febre subir? Estamos ouvindo as vozes que clamam ou apenas tentando silenciá-las?

Muitas vezes, quem está de fora enxerga melhor como estamos conduzindo a nossa viatura. Os sinais de alerta sempre existiram. O problema é que, ao ignorá-los, criamos condições para algo maior e incontrolável. Ouvir, às vezes, salva mais do que reprimir. Ignorar essa lógica nos leva ao famoso arrependimento tardio, expresso na frase “Se eu soubesse…”. Mas, como sempre, esse pensamento vem depois da tempestade e nunca antes.

Vejamos a realidade contemporânea. Em vários países africanos, incluindo Angola, manifestações pacíficas têm sido tratadas como ameaças à segurança nacional, quando, na verdade, são um grito por dignidade. Recentemente, vimos protestos de taxistas e cidadãos comuns transformarem-se em episódios de tensão justamente porque o governo preferiu a repressão à escuta. O aumento do custo de vida, a escassez de oportunidades e a desigualdade não podem ser resolvidos com silêncio imposto.

Fora da África, a América Latina nos oferece lições recentes. No Chile, o aumento da tarifa do transporte público em 2019 acendeu uma revolta que revelou algo muito maior, a crise social enraizada no sistema econômico. A resposta inicial foi repressão, mas o resultado foi um movimento tão forte que levou a um processo constituinte.

A história é um testemunho incontornável. Nos anos 80, as revoltas populares que derrubaram ditaduras na América Latina e no Leste Europeu nasceram de um sentimento semelhante ao atual um povo cansado de ser ignorado. O regime do Apartheid, na África do Sul, tentou calar vozes durante décadas, mas, no fim, o silêncio imposto custou caro.

Até os grandes impérios caíram pelo mesmo erro, subestimar o poder da insatisfação coletiva. O Império Romano sucumbiu não apenas a invasões externas, mas à incapacidade de responder às crises internas, ignorando sinais claros de exaustão social.

 

Exstem elementos que concorrem para evitar essa armadilha

1 - Escuta ativa e diálogo permanente

Não basta falar com o povo só em tempos de crise; é necessário ouvir antes que a crise se instale. Fóruns de escuta comunitária e consultas públicas devem ser práticas rotineiras, não emergenciais.

2 - Transparência na comunicação

A falta de informações alimenta rumores e aumenta a desconfiança. Quando o governo não fala, alguém falará por ele e nem sempre com a verdade. Comunicar com honestidade é prevenir caos.

3 - Políticas de alívio imediato

Nem todos os problemas estruturais têm solução rápida, mas gestos simbólicos e medidas temporárias podem acalmar ânimos. Reconhecer dificuldades é melhor do que negar evidências.

4 - Reforma antes da revolta

A história mostra que governos que antecipam mudanças evitam rupturas violentas. Investir em políticas sociais, educação, emprego e combate à corrupção é um antídoto poderoso contra crises.

5 - Desmilitarização da resposta

O uso da força como primeira solução é um erro estratégico e moral. Forças policiais devem proteger cidadãos, não transformá-los em inimigos. A repressão gera mártires, e mártires geram movimentos.

6 - Ler os sinais do tempo com humildade

O maior erro de qualquer liderança é acreditar que a insatisfação é apenas ruído. Em política, o silêncio forçado é apenas o prelúdio do estrondo.

Rentenham que quando um governo insiste em calar a voz do povo cansado, não elimina o problema; apenas adia o inevitável. A repressão não é um antídoto para a crise é o seu combustível. O verdadeiro ato de liderança é enfrentar o desconforto da escuta, corrigir rumos e aceitar que nenhuma sociedade se sustenta sobre o silêncio forçado.

Porque, no final, quem ignora os sinais do tempo descobre que a tempestade não vem por acaso.

Por Rafael Morais

Rate this item
(0 votes)