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Quarta, 28 Março 2018 09:39

Controlar as emoções da PGR

Todos estamos interessados no competente funcionamento do nosso sistema de Justiça e muito particularmente, em deixar para trás a triste imagem de impunidade transmitida pelo anterior PGR, general João Maria. Contudo, a mudança não deve ser acompanhada de emoções individuais ou de shows para agradar a opinião pública, porque o exercício da Justiça deve assentar em factos o que propõe dizer, na verdade.

Por Ramiro Aleixo

Ora, a imagem que se passou no caso em que o cidadão José Filomeno de Sousa dos Santos foi constituído arguido, ao que tudo indica, feriu procedimentos e o próprio, de certo apoiado pelo seu advogado, veio à público, com muita subtileza, colocar os pontos nos seus devidos lugares. No linguajar popular, é o mesmo que dizer, que a PGR "deu bandeira".

Primeiro, porque se até foi o 'arguido' quem teve a "iniciativa de contactar voluntariamente a Procuradoria Geral da República, entre os dias 27 de Fevereiro e 05 de Março, no sentido de colaborar para a descoberta da verdade" passando à condição de arguido desde 06 de Março, entendemos, que não foi de todo correcto que a PGR tenha ignorado na sua comunicação pública esse importante facto, no quadro da presunção da inocência que é devida a todos.

Como o próprio esclarece, mesmo "depois do interrogatório não lhe foi aplicada, tampouco notificado de nenhuma medida de coação" pelo que "volvidos vinte dias", tomou conhecimento sobre as medidas de coação através da Comunicação Social ontem, 26 de Março.

E José Filomeno de Sousa dos Santos, a terminar a sua comunicação pública, dá conta que" mantém total disponibilidade de continuar a cooperar com a Procuradoria Geral da República para a resolução plena e satisfatória deste processo, como de resto tem vindo a suceder desde o dia 27 de Fevereiro".

Ora quem tem essa postura "voluntária" ou está certo que pode esclarecer a verdade sobre o seu envolvimento no caso em que foi constituído arguido e sair inocentado, ou então, tem consciência que colaborando com a Justiça, pode sensibilizar o tribunal que, em função disso, pode desagravar a eventual pena que prevê que seja aplicada pela gravidade do acto lesivo aos interesses do Estado que terá praticado.

Trago esta questão a "colação", como dizem os juristas, tendo como exemplo o caso em que fui levado à tribunal pelo então PGR militar, general João Maria, que, por mera coincidência, foi representado pelo actual PGR Pitagrós. Para ser ouvido pelo investigador dos SIC, até mandaram a notificação para um local que não era minha residência, mas chegou às minhas mãos. Passados alguns anos, mesmo aparecendo na TPA dia sim dia também como porta-voz do COCAN-2010 em Benguela, já não conheciam o meu local de residência, e por isso publicaram nas páginas de publicidade do Jornal de Angola a convocatória para comparecer ao julgamento em Luanda, 48 horas depois.

Apanhei o avião, consultei a secretaria do Tribunal (Palácio Dona Ana Joaquina) e perguntei o que sucederia se eu por acaso não tivesse tomado conhecimento atempado?

A resposta do funcionário foi peremptória: "emitiríamos um mandado de captura, o sr seria trazido à tribunal e seria julgado".

Perguntei então quem faria a minha defesa. O mesmo funcionário, sem sequer olhar para mim, respondeu-me que não tinha que me preocupar, porque o Estado arranjar-me-ia um.

O advogado que me acompanhava ficou estupefacto. Eu, pela primeira vez em toda a minha vida, percebi então que estávamos mesmo entregues à um sistema igual ou pior que o da PIDE/DGS.

Com base nessa experiência vivida e sentida, depois de ouvir o porta-voz da PGR e de ler o comunicado de José Filomeno de Sousa e Santos, perguntei cá para os meus botões: "Mas então, esse cidadão, que voluntariamente foi prestar declarações à PGR, não merecia o cumprimento de uma simples formalidade administrativa consubstanciada no envio de um oficial de Justiça, com a notificação e o livro de protolocolo, à sua residência?"

Fica complicado! Até posso admitir que o Tribunal de Luanda não tenha conhecimento do local de residência deste humilde cidadão, que até foi condenado por um juiz militar colocado no Tribunal Supremo, por ter considerado JES (por sinal pai do arguido) um ditador. Mas, daí a não se conhecer a casa onde reside o arguido José Filomeno e Sousa dos Santos, ex. presidente do Fundo Soberano de Angola, só pode significar que a PGR, em primeira instância, feriu a legalidade, fez show. E isso não é justiça.

Obs: Não estou de forma alguma a inocentar José Filomeno de Sousa e Santos, porque nem me compete. Mas também não me compete condená-lo, até porque depois dessa sua atitude "voluntária", fica claro também neste caso, que a verdade tem duas pontas. E sem comentar, depois de deixar expressa essa minha opinião (ressalto bem que é minha), deixo, também à "colação", uma mensagem divulgada via twiter sobre o assunto, da autoria do ministro da Comunicação Social, João Melo:

"A PGR angolana está a corresponder ao apelo do presidente da República, João Lourenço, para liderar a luta contra a corrupção. Confio que os processos serão bem conduzidos até ao fim. O funcionamento correcto do sistema de justiça é fundamental para a democracia 26 de Março de 2018"

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