Sexta, 29 de Março de 2024
Follow Us

Segunda, 08 Novembro 2021 12:26

A largada tumultuada para as eleições gerais 2022

O País está a viver um momento político crítico, mas muito interessante! Numa analogia com a Fórmula 1, diríamos que está a ser disputada a qualificação para a pole position. Conquistar a pole position na F1 não é garantia de vitória no Grande Prémio, mas, convenhamos, é um passo decisivo nesta direcção.

Por Maurílio Luiele

A largada é sempre muito complicada, com possíveis colisões e desvios de rota, e é neste sentido que a pole position representa uma grande vantagem.

Na nossa política, como sabemos, existem duas escuderias com possibilidades maiores de disputar esta posição vantajosa na grelha de partida. Essa bipolarização é tida por muitos como um mal a combater, raiz de todos os nossos problemas, mas considero que essa é uma análise demasiado simplista, reducionista mesmo, pois a raiz dos nossos problemas é mais profunda, e escavá-la não é o objectivo deste breve artigo.

O certo é que o momento político é tenso e intenso, porque os dois elefantes (njambas) da nossa política disputam ombro a ombro o lugar de ponta na grelha de largada para o GP 2022.

Para os politólogos e homens da Ciência Política, está aí um campo fértil de estudo. Para os especialistas em Comunicação, está aí um momento para brilhar e oportunidade para grandes dissertações e teses que possam contribuir, pesadamente, para o conhecimento da nossa política e melhor compreensão da nossa sociologia e da nossa história. Infelizmente, a nossa comunicação social, em vez de nos brindar com análises que ajudem o cidadão a compreender a essência deste momento, elegeu análises rasteiras, de cunho meramente propagandístico, e isto não contribui em nada para o fortalecimento do nosso sistema democrático, de resto, não parece haver pretensão por parte das elites hoje hegemónicas, em aprofundar e fortalecer o nosso sistema democrático.

Assim, temos, de um lado, a UNITA liderada por Adalberto Costa Júnior, que cresceu enorme em popularidade, fruto, sobretudo, das falhas gritantes nas promessas de campanha do MPLA e João Lourenço. A falência clamorosa do programa "Corrigir o que está mal, melhorar o que está bem" é só mais uma nas várias promessas que o MPLA fez e faz aos angolanos desde 1975. Se no passado a guerra justificava tudo, o facto é que a caminho do vigésimo ano de paz efectiva, a condição social dos angolanos é degradante, a economia cambaleia, a pobreza campeia pelo País adentro e o desenvolvimento do País é adiado década após década. Isso, por si só, atesta o fracasso dos programas do MPLA apresentados para escrutínio popular desde 2008. Atribuir os problemas que hoje vivemos à pandemia é, por isso mesmo, uma forma de fugir aos problemas em vez de encará-los de frente e isto, obviamente impede o alcance de soluções sustentadas que coloquem definitivamente o País na rota de desenvolvimento.

Por qualquer ângulo que analisemos a situação presente de Angola, chegaremos irremediavelmente à conclusão de que a situação hoje é bem pior que a de 2017. Desde 2014, altura em que um terramoto no mercado do petróleo destapou as nossas carecas e mostrou que afinal estávamos nadando nus, o Governo assumiu um conjunto de medidas, com vista à estabilidade macroeconómica que não impediram nunca a trajectória recessiva da economia de Angola. O Programa de Assistência com o Fundo Monetário Internacional só veio complicar a equação e retrair o principal parceiro de Angola no pós-guerra, a China. Se a economia não cresce, por quase uma década as consequências não poderiam ser outras, num País onde a população cresce a ritmo acelerado e tem uma população jovem numerosa, ávida por se realizar: uma profunda deterioração social, daí os estertores dos angolanos, sobretudo os gritos lancinantes dos jovens, clamando por mudanças que o MPLA com João Lourenço deu mostras bastantes de não estar a altura de oferecer.

É nestas ondas que surfa a popularidade crescente de Adalberto Costa Júnior (ACJ) e da UNITA, abrindo, como nunca antes, uma clara possibilidade de alternância do poder em Angola. A alternância deve ser entendida no nosso contexto como uma oportunidade ímpar para arejar o nosso sistema democrático e até para destravar o desenvolvimento de Angola emperrado por soluções repetidas até à exaustão, mas que nunca funcionam, porque caem num sistema sistemicamente corrupto, que inviabiliza quaisquer soluções. O regime já não tem a criatividade que se impõe em momentos como este porque está compreensivelmente esclerosado. Por isso, mudar é um imperativo democrático e é no nosso caso um imperativo de desenvolvimento.

A violenta estratégia de manutenção do poder que o MPLA vem paulatinamente destapando nesta qualificação para a pole position do GP 2022 (entenda-se eleições gerais 2022) não é alheia a sua matriz e natureza. Desgastado fortemente por esta longevidade no poder que, como é óbvio derivou num pântano colossal de corrupção, que feriu de morte o tecido social angolano, numa dimensão comparável aos efeitos nefastos da guerra, O MPLA lança mão a estratagemas claramente antidemocráticos para garantir a sua sobrevivência. Depois de escolher o árbitro num processo altamente viciado, virou agora as suas baterias para escolher ou condicionar o seu principal adversário. O alvo escolhido é logicamente ACJ que tem que ser apagado da disputa a todo custo. O sinistro nesta estratégia é a manipulação do judiciário que já serviu para branquear a escolha do juiz Manico para Presidente da CNE e é agora a ponta de lança para debilitar politicamente ACJ e a UNITA.

Há, no entanto, uma variável nesta inequação que o MPLA não tomou em devida conta: são muito elevados os níveis de descontentamento e exaustão popular e é isto que está na base desta grande onda de contestação comandada por uma massa de jovens esclarecidos, cientes dos seus direitos e deveres que nada têm a ver com a guerra e que querem apenas ver as suas vidas realizadas no País em que nasceram, "país dos seus pais", parafraseando Paulo Flores.

A UNITA e Adalberto Costa Júnior e, por extensão, a Frente Patriótica Unida, são apenas o estuário para onde convergem as águas desta enorme vaga de contestação que amedronta o regime e, como forças políticas vocacionadas para o exercício do poder político emprestam a sua força, o seu capital político, experiência e vitalidade para canalizar esta energia na direcção certa, para, em união de esforços protagonizar a alternância que permitirá inaugurar uma nova era para a democracia e dar uma nova oportunidade para o desenvolvimento do País.

A UNITA, que sobreviveu à guerra em 2022, tem certamente estrutura para rechaçar com inteligência esta investida do lawfare, principal arma de arremesso escolhida pelo MPLA nesta fase de qualificação para a largada das eleições gerais 2022. O abuso de poder para condicionar a corrida está claramente a surtir efeitos contrários aos pretendidos e, por isso devia ser hora do MPLA rever a sua estratégia aproximando-se que está o seu Congresso. É importante que o MPLA tenha em conta que, ainda que eventualmente seja consagrado vencedor das eleições nestas circunstâncias, dificilmente reunirá condições políticas para governar com a tranquilidade requerida para transformar de facto o País numa economia forte e vibrante, que explore racionalmente todo o seu potencial e ofereça condições plenas de realização aos seus cidadãos. A menos que se pretenda o poder pelo poder e mais nada.

Angola tem hoje uma porta escancarada para a alternância do poder, um imperativo democrático e de desenvolvimento. Cabe a nós cidadãos optar se queremos entrar ou não por essa porta. Há manifestações variadíssimas da opção dos angolanos por esse caminho de resgate da alma angolana.

Novo Jornal

*Médico, docente de Bioquímica, Faculdade de Medicina UAN

Rate this item
(1 Vote)