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Sábado, 01 Agosto 2020 15:22

Não haverá eleições livres e justas em Angola enquanto os membros da CNE e TC não forem imparciais

Democracia e Estado de Direito concretamente é uma coisa só, caminham juntos, um complementa o outro, sendo a democracia um sistema segundo o qual a soberania pertence ao povo, tendo em conta o respeito pela separação de poderes, observando e garantindo a protecção dos direitos e das liberdades fundamentais do Homem e àqueles que representam o povo devem exercer suas funções de forma imparcial com base na Constituição e na lei.

 Angola é um dos poucos países em que o exercício do poder tanto político, judiciário e legislativo, seguem um critério em que vem primeiro lugar os interesses partidários, interesses pessoais, só depois vêm os interesses nacionais, motivo pelo qual é cada vez mais visível que se faça urgentemente uma verdadeira reforma do Estado. 

As eleições angolanas desde 1992 até essas últimas de 2017 sempre suscitaram incertezas e dúvidas por parte dos partidos da oposição e do povo, pelo simples facto dos membros da CNE do TC e do TS serem maioritariamente do MPLA. Se estas instituições fossem heterogenias, despartidarizadas e imparciais, tendo membros tanto da oposição quanto da sociedade civil o factor «fraude eleitoral» jamais seria levantada.

A composição destes Tribunais (TC e TS) segundo quanto estabelecido pela Constituição da República: “o Tribunal Constitucional é composto por 11 Juízes Conselheiros: 4 nomeados pelo Presidente da República incluindo o Juiz Presidente do Tribunal;  4 eleitos pela Assembleia Nacional por maioria de 2/3 dos Deputados  incluindo o Vice-Presidente do Tribunal;  2 juízes eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial; e 1 selecionado por via de concurso público. Esses Juízes exercem um mandato de 7 anos não renovável” (art. 180.°, n.ºs 3, alíneas a, b, c, d; e 4 CRA)

O Tribunal Supremo é composto por 21 Juízes Conselheiros (art. 8.°, n.° 1 da Lei Orgânica do Supremo Tribunal). Diferente do Tribunal Constitucional, todos os Juízes do Supremo Tribunal são nomeados pelo Presidente da República sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial (art. 181. °, n.º 2 CRA). O Juiz Presidente e o Vice Presidente deste Tribunal cumprem um mandato de 7 anos não renovável (art. 181. °, n.º 4 CRA).

Os Tribunais são órgãos de soberania com competência de administrar a justiça em nome do povo; estas instituições no exercício da sua função jurisdicional, são independentes e imparciais, estando sujeitos apenas à Constituição e à lei (artigos 174. ° n° 1 e 175. ° CRA).

Fazendo uma interpretação política e não jurídica da composição dos referidos Tribunais (32 Juízes no total), tendo em conta o nosso sistema de governação nota-se que apenas um Juiz é eleito por concurso público e 4 são eleitos pela Assembleia Nacional, o MPLA sendo o partido maioritário no Parlamento (150 deputados) de regra geral os eleitos pela Assembleia são também da sua confiança e afinidade (confiança política), com excepção de algumas vezes em que alguns Juízes são propostos pelos partidos da oposição, é o caso de Maria da Conceição Sango e Alberto Uaca (propostos pela UNITA) foram eleitos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional no dia 17 de Novembro de 2017 pela Assembleia Nacional, mas Alberto Uaca não tomou posse por não reunir os requisitos de elegibilidade previstos na lei, ou seja por não possuir licenciatura em Direito, legalmente reconhecida, há pelos menos 15 anos (art. 10.° alínea b, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal).

  A CNE (Comissão Nacional Eleitoral) é composta por 17 membros, é um órgão independente que organiza, executa, coordena e conduz os processos eleitorais, é uma entidade não integrada na administração directa do Estado, esta goza de independência orgânica e funcional. O Presidente da CNE é designado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) através de concursos públicos curriculares, por um mandato de 5 anos renovável uma vez.

A eleição do novo Presidente da CNE Manuel Pereira da Silva “Manico” que tomou posse no passado dia 19 de fevereiro de 2020 na Assembleia Nacional foi marcada por fortes contestações por parte da oposição, pelo facto deste estar a ser investigado pela PGR por corrupção na veste de Ex Presidente provincial da CNE de Luanda.

Tendo em conta a situação socioeconômica do País o povo não vê a hora de andar às urnas e votar para um candidato que lhes proporcione «pão luz e água», que lhes dê boa saúde pública, saneamento básico, escolas, emprego e comida na mesa. Mas a CNE até o momento nunca demonstrou ser confiável, e agora pelo facto que o Supremo Tribunal (Joel Leonardo) impôs o Senhor “Manico” como Presidente da CNE, mesmo com todas as reivindicações feitas pela UNITA e pela CASA-CE, fica difícil acreditar no funcionamento transparente e imparcial deste órgão.

As eleições autárquicas que a muito se esperava e se espera, tudo indica (a causa também da pandemia) que não serão realizadas este ano, mas espera-se que o Executivo cumpra o que prometeu em 2018, mas o grande foco são as eleições gerais de 2022, e como dizia Marshall a democracia não é simplesmente a garantia das liberdades, a democracia é sobretudo o “bem-estar”, e quando um povo não tem isso, a tendência é mudar o quadro através do voto, mas a pergunta que devemos nos fazer é a seguinte: será que as eleições  serão justas e livres visto que os membros da CNE do TC e do TS são 97% do MPLA?

Ser do partido A, B ou C não é a questão, cada um é livre de apoiar e de pertencer ao partido que bem entender, é um direito humano universal, a questão é se os membros destes órgãos são imparciais, transparentes e justos, tendo em conta esse grande fluxo de funcionários de um único partido.

Em qualquer Estado democrático e de Direito nenhum partido deve governar sozinho, e nem é politicamente correcto que todos os Ministros de estado, Ministros, vice Ministros, Secretários de estado governadores, vice governadores, diretores nacionais, PCAs, administradores municipais e comunais, reitores e decanos das universidades, embaixadores, cônsules, adidos, comandantes de polícia, comissários, chefes de departamentos entre outros funcionários do Estado serem todos de um único partido. 

A boa governação faz-se com todos, incluindo membros independentes e apartidários, membros da sociedade civil e da oposição. O que se espera nas próximas eleições é que tudo se realize de forma justa, livre e transparente, que a CNE o TC e o TS sejam imparciais e façam devidamente o seu trabalho respeitando a Constituição e a lei.

O.B.S: O grande problema das eleições em Angola não está no factor “partidarismo” está na ausência do factor “Justiça Constitucional”.

Por Leonardo Quarenta

Doutorando em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia

Mestrado em Direito Constitucional Comparado

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