Quem acompanhava a realidade angolana não ficou muito surpreendido com as revelações do Luanda Leaks. Há detalhes novos como a transferência dos 115 milhões de dólares da Sonangol para um offshore do Dubai, do qual Isabel dos Santos será a beneficiária. Porém, a exposição dos documentos criou uma onda global que tornou a empresária numa espécie de ativo tóxico. Até Davos, que patrocinava e no qual tinha lugar cativo, a ostracizou tirando-a da lista dos convidados.
Mas perante este coro de virgens ofendidas, desde os milionários de Davos aos bancos internacionais e consultoras que ganharam milhões com os negócios da princesa, até parece que ninguém conhecia o processo de acumulação primitiva que aconteceu em Angola desde o fim da guerra civil.
A empresária construiu um império à custa das facilidades de ser filha do Presidente. E não foi a única a acumular fortunas que superam os mil milhões de euros.
Na elite angolana, há dezenas de milionários que ostentam riquezas em montantes superiores às centenas de milhões de dólares com o mesmo método. Simplesmente a conjuntura política em Luanda tornou os filhos de José Eduardo dos Santos no alvo mais frágil.
E essa elite acabou, com benefícios para Portugal, por imitar os antigos colonos que faziam fortuna lá e depois a recambiavam para a metrópole.
Há questões que dependem da justiça angolana. A empresária é arguida e mesmo que a cidadania russa lhe garanta proteção, pode perder grande parte da fortuna acumulada. Entre este património estão grandes empresas portuguesas, da Galp à Nos, do EuroBic à Efacec.
São excelentes empresas que têm condições para resistir a uma eventual instabilidade acionista. São entidades que valem por si, cabendo às respetivas administrações zelar pelo presente e futuro de cada instituição.
Já foi anunciada a intenção de venda da participação no EuroBic, que das joias da coroa em Portugal é a que pode ser mais afetada pela instabilidade. Mas além da administração, também cabe ao regulador uma vigilância ativa que proteja o banco, os seus clientes e os trabalhadores.
A CMVM já anunciou uma ação de vigilância concreta às empresas cotadas em que Isabel dos Santos é acionista. E isso é o que se espera das autoridades de supervisão.
Os petrodólares, o dinheiro dos diamantes e as transferências diretas de capital do Estado angolano financiaram o império da princesa. Se esse capital reverter para o Estado angolano é um assunto exclusivo da soberania de Angola.
Armando Esteves Pereira / JN