A juíza-conselheira presidente do Tribunal Constitucional (TC), Laurinda Cardoso, considerou aquele órgão supremo da jurisdição o “guardião dos valores constitucionais e da defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, bem como promotor da justiça constitucional em toda a sua dimensão.
As reacções ao discurso da presidente do TC, feitas na semana passada durante a edição especial do ‘ONDJANGO DA CONSTITUIÇÃO’, um espaço de debate e reflexão sobre os Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, dedicada aos 50 anos do Constitucionalismo Angolano, não se fizeram esperar.
Em exclusivo ao NJ, Raul Araújo, antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), diz que o TC tem decisões que algumas vezes são polémicas, mas ressalva mais adiante que “esse é um elemento comum a todos os tribunais constitucionais”.
“É certo que algumas vezes (felizmente muito poucas vezes) não concordo com o sentido de voto de algum ou alguns acórdãos”, revela.
Nestes casos, confidencia, procura estudar muito bem a razão técnica das opções seguidas e, algumas vezes, chegou à conclusão de que ele estava errado.
“O principal, para qualquer jurista, seja advogado, juiz ou desempenhe outra função, é não se convencer de que detém a verdade absoluta e que só o que ele pensa é o correcto”, enfatiza.Em jeito de resumo, Raul Araújo entende que o TC tem desempenhado muito bem o seu papel de guardião da Constituição e de defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos.
“Esta é uma das razões por que, muitas vezes, é criticado e algumas vezes quer pôr-se em causa a sua necessidade”, argumenta.
O jurista Chipilica Eduardo concorda, em parte, com Raul Araújo, ao considerar o TC um guardião, como, aliás, foi sublinhado pela presidente do tribunal.
Na sua perspectiva, do ponto de vista jurídico-constitucional eleitoral e político-partidário, o TC é, inequivocamente, instrumentalizado pelo MPLA. “O TC tem o Poder Executivo e o MPLA como os seus maiores desafios”, sublinha.
Em contrapartida, Chipilica Eduardo defende a necessidade de se fazer uma reforma constitucional profunda, com vista à atribuição de competências e composição do TC.
“Relativamente à apreciação dos recursos à constitucionalidade, apesar de ainda ser tímida, está a dar alguns passos significativos”, ressalta.
TC ainda não é guardião
Em Angola, o TC, em 17 anos, não conseguiu assumir-se como o guardião da Constituição e dos Direitos e Liberdades, diz o jurista José Rodrigues.
“Assistimos a alguns avanços, mas, com a chegada ao poder do Presidente João Lourenço, há múltiplos recuos do Tribunal Constitucional”, conta.
Por esta razão, sustenta, há perda de confiança dos cidadãos ao TC, por se posicionar como ‘âncora’ de defesa do MPLA e um instrumento de sobrevivência do MPLA.
José Rodrigues relembra que os diferentes acórdãos mostram que aquele tribunal deixou de administrar, há muito, a justiça constitucional e passou a ser um actor político em matéria constitucional, para servir o interesse do MPLA.
“Daí os seus acórdãos serem muito questionados, porquanto estão em colisão com a jurisprudência constitucional internacional, razão que leva ao descrédito deste órgão de soberania”, observa o jurista.
O jurista Rui Verde faz uma avaliação real sobre o papel do TC, que tem pouco a ver com o Direito, e muito com o seu papel de estabilizador político, de guardião dos valores fundamentais duma ordem justa e democrática.
“No fundo, as várias partes da comunidade política, partidos e sociedade têm de acreditar que o TC é um árbitro imparcial a que vale a pena recorrer. Podem ganhar ou perder uma causa, mas com justificação”, afirma, numa alusão de que “é esse papel de elemento de harmonia política que o Tribunal ainda não conseguiu cumprir.
Sem rodeios, Rui Verde afirma que ainda falta ao TC cumprir a sua função, ressaltando que tem de aparecer perante as partes como objectivo e independente.
“Se não consegue parecer isso, dar essa ideia, mesmo que o seja, o seu papel constitucional falha. Este é o problema principal: o de falta de credibilidade sócio-política. E isso é um perigo para a estabilidade do sistema político”, explica, acrescentando que, até 2027, há que fazer um esforço de credibilização externa extrajudicial.
Para Serra Bango, o TC ainda não satisfaz a expectativa da sociedade face ao papel desempenhado, na altura, pelo Tribunal Supremo nas vestes de Tribunal Constitucional, embora seja unânime de que, em matéria de garantias e liberdades dos cidadãos, tem andado bem.
Sobre conflitos de natureza constitucional ou política, mormente a legalização de partidos políticos ou litígios eleitorais, Serra Bango é de opinião de que aquele tribunal superior não tem sido, suficientemente, capaz de convencer os cidadãos na justeza das suas decisões.
O jurista acusa o TC de se transformar num potencial elemento de “conflito bélico”.
Conforme Serra Bango, a experiência mostra que os tribunais constitucionais podem ser a fonte dos conflitos ou o elemento apaziguador.
“O nosso tribunal tem-se encaminhado, infelizmente, para esta direcção: ser ele a fonte do conflito e de instabilidade. Esperamos que o TC se posicione como um tribunal de verdade e que as suas decisões sejam reflexo da análise jurídica”, refere.
Divergência
Instados se é ou não pertinente a criação de um tribunal eleitoral no País, por alegadamente o TC ser ‘âncora’ do MPLA e tomar decisões polémicas, os especialistas em Direito não foram unânimes.
Chipilica Eduardo, por exemplo, é a favor não só do surgimento de um tribunal eleitoral, mas, sobretudo, uma reforma constitucional profunda.
José Rodrigues também defende a implementação de um tribunal eleitoral no País, para assegurar a verdade eleitoral e dignificar os processos eleitorais.
Raul Araújo não comunga da opinião de Chipilica Eduardo nem de José Rodrigues. “Não vejo a necessidade imediata da criação de um tribunal eleitoral. Os problemas de desconfiança política iriam manter-se porque ele seria, maioritariamente, composto por juízes de carreira.
Como existe uma desconfiança generalizada sobre os juízes, prossegue, a situação não iria mudar.
“Penso que a estrutura actual com a CNE e o Tribunal Constitucional, como órgão de recurso eleitoral, pode resolver a questão. O que é necessário é redefinir a composição da CNE, de forma a torná-la num órgão mais credível”, defende.
Rui Verde tem a mesma visão de Raul Araújo. Para o jurista, um tribunal eleitoral não servirá para nada. “Vão-se repetir os dramas. A questão eleitoral resolve-se com tecnologias e delegados de mesa”, observa. NJ