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Quarta, 10 Julho 2024 15:31

Supremo julga arguidos pela segunda vez pelo mesmo facto, viola a Constituição e afronta o Tribunal Constitucional

Grupo de juízes liderado por Joel Leonardo argumenta ter expurgado as inconstitucionalidades do Acórdão que condenou os arguidos do conhecido ‘caso 500 milhões’, conforme orientação do Tribunal Constitucional, apesar de manter as penas.

No entanto, juízes com votos vencidos acusam o Plenário do Supremo de ter realizado um segundo julgamento, violando o número 5 do artigo 65 da Constituição, além de não ter cumprido a decisão do Tribunal Constitucional, pondo em causa a corte sob liderança de Laurinda Cardoso.

A informação foi avançada em primeira mão na semana passada pela ‘Rádio Essencial’ e retomada pelo Valor Económico. O Tribunal Supremo, liderado pelo juiz Joel Leonardo, decidiu manter a decisão do Acórdão que condenou o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, o antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, o empresário Jorge Sebastião e o antigo director do departamento de gestão de reservas do BNA, António Samalia Bule.

Através do Acórdão de conformação nº 135/20, o Plenário do Tribunal Supremo afirma ter cumprido a orientação do Tribunal Constitucional que, em Abril deste ano, anulou a condenação dos arguidos, invocando a violação dos princípios constitucionais da “legalidade, do contraditório, do direito à defesa e do julgamento justo e conforme”.

Em Abril deste ano, o Tribunal Constitucional, a última instância de recurso em matéria de constitucionalidade, orientou o Tribunal Supremo a expurgar todas as inconstitucionalidades, acusando mesmo a corte de Joel Leonardo de ter feito “tábua rasa”, aos argumentos da defesa que contribuíam para a descoberta da verdade material.

Com a decisão do Constitucional, a generalidade dos constitucionalistas do país, que se expressou publicamente a propósito, apontou que a orientação do Tribunal Constitucional implicava automaticamente a anulação do Acórdão de condenação e o arquivamento do processo, com a consequente restituição de todos os direitos dos arguidos.

Constitucionalistas como Raul Araújo, Rui Verde, Teixeira Cândido, António Ventura, Lindo Bernardo Tito, entre outros, defenderam que a decisão do Tribunal Constitucional era de cumprimento obrigatório, o que levava necessariamente ao arquivamento do processo. Esta terça-feira o Tribunal Supremo divulgou, entre- tanto, a sua decisão, argumentado ter expurgado as inconstitucionalidades, apesar de manter as penas aplicadas pela Câmara Criminal em 2020.

Do conjunto dos juízes que assinaram o Acórdão, dois têm, entretanto, opiniões diferentes. Teresa Buta e Norberto Capeça, ambos com votos vencidos, defendem que o Plenário do Tribunal Supremo, além de não cumprir a orientação do Tribunal Constitucional de expurgar as inconstitucionalidades, voltou a violar a Constituição ao realizar um segundo julgamento.

"Ninguém deve ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto", determina o nº. 5 do artigo 65º. da Constituição. Numa declaração de voto vencido de oito páginas, Norberto Capeça nota que a decisão do Plenário do Supremo de redistribuir o processo, para um novo julgamento, pelo facto de não se encontrarem em exercício os juízes que intervieram anteriormente no processo não tem "fundamento jurídico nem amparo legal".

Para Capeça, o Plenário do Supremo voltou a decidir o que já havia decidido "afastando-se daquilo que ordena a decisão do Tribunal Constitucional. Dito de outro modo, o Tribunal de Pleno Recurso, ao invés de e conformar a sua decisão para cumprir a decisão do Tribunal Constitucional, simplesmente, disse estar a conformá-la, porém, manteve a decisão recorrida", escreve o juiz conselheiro. "Ao julgar como o fez, este Tribunal Pleno de Recurso violou o princípio constitucional non bis in idem, consagrado no nº. 5 do artigo 65°. da CRA", detalha o juiz, ao mesmo tempo que aponta a "violação grosseira e descarada" do nº. 2 do artigo 177 da Constituição, quanto ao não cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional.

Ao refutar os argumentos da questão prévia contida na decisão do Plenário do Supremo, quanto ao facto de não estarem em funções todos os juízes que intervieram no processo, a juíza conselheira Teresa Buta escreve, no seu voto vencido, que "ao Tribunal Pleno de Recurso, por ser uma instância de reapreciação, competia apenas a essa ordenar a baixa dos autos para a Câmara Criminal, com vista a sanar os vícios contidos no pro- cesso, a partir da fase da instrução contraditória, em obediência aos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, o que não se vislumbra nos autos".
Alertando que o Constitucional invocou a violação dos princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa, Teresa Buta escreve que "tratando- -se de uma conformação do Acórdão exarado pelo Tribunal Pleno de Recurso, com fundamento na vio- lação dos princípios supracitados, uma vez que a referida decisão foi proferida pelo Tribunal de primeira instância, ou seja, pela Câmara Criminal, sendo esta instância de recurso, isto é, de reapreciação e não de julgamento, é nosso entendimento que competia ao Tribunal aquo expurgar as inconstitucionalidades declaradas no Acórdão do Tribunal Constitucional".  Valor Económico

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