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Quinta, 21 Agosto 2025 23:27

“Se nada for feito, o que aconteceu em Julho vai voltar a acontecer”

Entre 28 e 30 de Julho, Luanda viveu protestos violentos contra o aumento do preço dos combustíveis, que resultaram em 30 mortos, mais de 200 feridos e 1.500 detenções. A tensão social pode estar ligada a um dado preocupante para investigadores, segundo o Instituto Nacional de Estatística, cerca de um milhão de jovens na capital, e três milhões em todo o país, não estudam nem trabalham.

O economista e investigador do Centro de Estudos de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, Francisco Miguel Paulo, explica que os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística consideram como empregados também aqueles que trabalham no mercado informal. No entanto, sublinha, há jovens que nem sequer conseguem esse tipo de ocupação precária. “Esses jovens não têm emprego informal, ou seja, nem dispõem de dinheiro para iniciar um pequeno negócio. Não trabalham, não estudam e não é por falta de vontade, mas porque não existem oportunidades reais para trabalhar ou estudar”, afirma.

O economista acrescenta que “não é fácil conseguir lugar para estudar em Luanda ou em Angola em geral” e lamenta que “esses jovens sejam quase que marginalizados de toda a política social e económica do governo”. Afirma mesmo: “Não conheço nenhum programa do governo ou nenhuma política que tenha em mente essa franja de jovens de 15 a 24 anos que não trabalham e que não estudam. Mas isso pode ser feito, apesar da crise. Ainda há dinheiro para isso. É possível ocupar esses jovens".

Para o economista, a solução passa pela formação profissional, aproveitando recursos já existentes. “Temos o Ministério do Emprego e Segurança Social, temos as escolas e centros de formação profissional públicos que estão em todos os municípios do país. Há empresas privadas disponíveis para dar formação de pedreiro, electricidade, canalização, coisas simples, mas que ajudam os jovens a serem empregáveis. Temos que formar esses jovens e há dinheiro para isso. Mas agora, se há vontade política, é outra questão”.

O investigador alerta também para o peso da economia informal: “Da força de trabalho em Angola, dos 12 milhões, 10 milhões estão no mercado informal, só 2 milhões estão no mercado formal. Desses 10 milhões, boa parte são agricultores. Aliás, 50% da força de trabalho que está no informal são agricultores”. Essa realidade, alerta, levanta problemas sérios no futuro: “Não pagam segurança social e, quando aos 60 anos estão cansados, como é que resolvemos essa situação? O governo podia muito bem fazer com que a segurança social cubra isso, como fez com os antigos militares desmobilizados. Mas infelizmente há poucos programas sociais com impacto na sociedade”.

A inactividade juvenil, adverte, tem efeitos directos na segurança e estabilidade do país. “Se nada for feito, o que aconteceu no 28 e 29 de Julho vai voltar a acontecer frequentemente, porque esses jovens não têm nada a perder, já não têm esperança, só têm a perder a vida e muitos deles passam fome”, descreve. “Às vezes precisam de 10.000, 5.000 kwanzas para começar negócios e nem têm esses valores. É uma insegurança para todo o país, porque nada justifica o vandalismo, mas também coloquemo-nos no lugar deles: o que é que eles têm de esperança?”

Segundo o economista, não é possível conter esta realidade apenas com repressão policial. “Se o governo continuar a chamá-los de vândalos e não entender a situação deles, não há efectivos da polícia ou militares que vão conseguir combater. Eles são um milhão só em Luanda. Em todo o país são cerca de três milhões. Não queremos isso. Queremos que reconheçam que de facto falhámos em termos sociais. É possível fazermos isso e há dinheiro para fazer isso”, lembra.

Após as detenções de líderes associativos, justificadas pelas autoridades como medidas de segurança, o economista considera que a principal lição a retirar é “mostrar empatia para com o que os jovens estão a enfrentar. Jovens sem emprego, sem escola… é preciso colocar-se no lugar deles, reconhecer e resolver essa situação”.

Para isso, defende medidas simples e de execução rápida: “Há centros de formação profissional no país, criam-se mais centros. Numa ou duas semanas conseguimos cadastrar esses jovens todos e que seja feito a nível municipal, porque a nível central é muita burocracia, nada funciona. Dá-se autoridade aos municípios para registar os jovens que estão nesta situação, dar-lhes formação, kits e, no caso dos que estão no mercado informal, formalizá-los”.

Francisco Miguel Paulo lembra, ainda, que a informalidade pode resolver necessidades imediatas, mas não garante o futuro: “No curto prazo, a informalidade consegue cobrir a sua necessidade, mas e depois? Amanhã, quando se reformarem, como é que eles vão viver, já que não conseguirão contribuir para a segurança social? Temos que pensar nisso”.

Apesar do contexto preocupante, o economista mantém-se optimista: “No curto prazo é possível resolver isso. Basta ocupá-los, dar-lhes esperança de que é possível. São um motor para o desenvolvimento. O país precisa de desenvolver e precisa da mão-de-obra. O melhor recurso que o país pode ter é a sua mão-de-obra, mas para isso tem que ser qualificada e empregável". RFI

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