Terça, 08 de Julho de 2025
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Terça, 08 Julho 2025 15:15

OAA ‘cria’ centro de arbitragem face à demora de tribunais

Iniciativa é da OAA, e Angola ‘recupera terreno’ em matéria de arbitragem. Na vanguarda estão África do Sul, Marrocos, Egipto e Rwanda. Contornar morosidade de tribunais na resolução de litígios é um dos intentos.

A Ordem dos Advogados de Angola (OAA) está na génese de um centro independente de arbitragem para contornar a morosidade de tribunais na resolução de litígios.

O Centro de Arbitragem é uma via alternativa mais rápida e eficiente de resolução de conflitos e representa um passo rumo à modernização da justiça, um contributo para reduzir a sobrecarga dos tribunais, bem como uma forma de acesso à justiça mais célere e tecnicamente qualificada, principalmente nas áreas comerciais e empresariais.

Angola é um dos países que não dispõem de Centro Independente de Arbitragem. Na vanguarda, estão a África do Sul, Marrocos, Egipto e Rwanda, cujos centros são internacionalmente reconhecidos.

Embora a morosidade nos tribunais angolanos seja um dos principais entraves à justiça eficaz, José Luís Domingos, bastonário da OAA, entende que o País está a “recuperar terreno” em matéria de arbitragem face aos outros Estados africanos.

“Mais vale tarde do que nunca”, defende o bastonário, para quem o contexto político e jurídico nacional talvez não estivesse antes tão maduro para aceitar um centro verdadeiramente independente. “Com a reforma da justiça em debate e com a crescente participação do sector privado, o momento pode ser mais oportuno”, afirma José Luís Domingos, que, na sua óptica, o atraso em relação aos outros países pode ser compensado por um arranque robusto, técnico e internacionalizado.

Centro Extrajudicial do Estado

O País dispõe de um Centro de Resolução Extrajudicial de Litígios (CREL), um serviço executivo da Direcção Nacional para a Resolução de Litígios do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, vocacionado na resolução de conflitos através de mecanismos autocompositivos e consensuais, expressa na vontade das partes fora dos tribunais.

Segundo José Luís Domingos, a existência de um centro estatal não obsta a OAA da necessidade de centros independentes e profissionais, como um da Ordem.

“O envolvimento da OAA traz consigo uma percepção de imparcialidade, competência técnica e autonomia face ao poder político, factores que elevam a credibilidade perante investidores e operadores económicos”, enfatiza.

Para além disso, explica, a arbitragem privada é, por natureza, um mecanismo complementar e não concorrencial à justiça estatal.

“A pluralidade de centros, especialmente com o selo de uma instituição como a OAA, enriquece o ecossistema da justiça”, justifica o bastonário, numa alusão de que a OAA tem uma missão pública e constitucional de defender os direitos dos cidadãos e melhorar o acesso à justiça.

“Ao liderar este processo, a OAA reforça o seu papel como guardiã da legalidade e promotora de soluções eficazes para os problemas do sistema judicial. A morosidade da justiça estatal e o difícil acesso à justiça em zonas rurais tornam a arbitragem uma solução urgente e necessária”, observa.

Descentralização da justiça A criação de centros de arbitragem pode concorrer para a descentralização da justiça em Angola.

Ao referir-se à arbitragem como solução à morosidade judicial, o responsável diz que pode permitir maior acesso à justiça nas comunidades rurais.

A arbitragem independente, ressalta, permite, igualmente, a resolução rápida e privada de litígios, a participação de especialistas no tema do litígio, a flexibilidade processual e o foco no resultado.

Na sua perspectiva, a criação de centros institucionais confiáveis e com árbitros bem formados contribui não só para o aumenta da confiança dos cidadãos e empresas no sistema, garante transparência e imparcialidade e torna Angola num hub regional de arbitragem, “se houver aposta estratégica”.

Enquanto isso, a OAA realiza, a 17 deste mês, o I Congresso da Arbitragem em Angola, em colaboração com o Centro de Arbitragem Comercial de Portugal. O certame que vai formar os primeiros 30 árbitros para o centro da OAA deve criar os regulamentos internos sólidos, garantia de transparência nos processos, criação de infra-estruturas físicas e tecnológicas e campanhas de sensibilização da sociedade civil e empresários sobre as vantagens da arbitragem.

Opiniões divergentes

O anúncio da criação de um centro de arbitragem da OAA levanta várias interpretações.

O jurista Rui Verde, por exemplo, entende que a ligação directa da arbitragem à entidade responsável pela regulação da advocacia, com delegação de poderes estatais, pode comprometer a percepção de neutralidade, tornando o mecanismo menos atractivo para quem busca soluções justas e equilibradas fora dos tribunais.

Argumenta que a actuação da OAA como gestora de um centro de arbitragem gera um potencial conflito de interesses.

O jurista cita, como exemplo paradigmático dos riscos de uma arbitragem mal regulada, o escândalo protagonizado por João Álvaro Dias na Universidade de Coimbra, em Portugal.

Indica que, entre 2002 e 2006, o jurista criou centros fictícios como o Projuris, através dos quais emitiu sentenças forjadas favoráveis a clientes seus, sem base legal.

“Estas decisões foram utilizadas para burlar o fisco, ocultar património e forçar penhoras, levando a sua condenação a cinco anos e seis meses de prisão efectiva, por falsificação agravada e burla qualificada”, declara.

Alerta que há que ter cuidado com a privatização da justiça.

“O que se pretende em Angola é uma justiça que funcione para todos, e não uma justiça de ricos só para alguns, com instrumentos extralegais. O foco deve estar na justiça oficial”, aconselha. Frederico Batalha discorda de Rui Verde e considera a iniciativa uma oportunidade para o País que procura passar, a todo o tempo, ao mundo a imagem de possuir um bom ambiente de negócio, fazendo jus aos benefícios de um centro arbitral.

“Está aí uma iniciativa que pode incentivar e apoiar a atracção de investimentos e de financiamentos, sobretudo estrangeiros”, enaltece.

Na sua visão, a criação de um Centro Institucionalizado de Arbitragem da OAA trará para o cenário angolano mais uma ferramenta de resolução de conflitos extrajudicial.

José Rodrigues, outro jurista, ressalta que os tribunais de arbitragem na resolução de conflitos incorporam a participação das partes na sua constituição, atendendo à sua flexibilidade e autonomia. Mas realça que estes tribunais não substituem os tribunais estaduais, vocacionados na resolução de conflitos na vida social.

“A diferença entre o tribunal arbitral e o tribunal estadual reside no facto de as decisões carecerem de homologação do segundo para lhe conferir reconhecimento e tornar a decisão exequível”, aclara.

José Rodrigues não tem dúvidas quando afirma que o Centro Arbitral da OAA deverá conferir maior confiança aos investidores, sobretudo sempre que estiverem a negociar com o Estado ou privados. NJ

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