Sexta, 22 de Agosto de 2025
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Sexta, 22 Agosto 2025 17:41

Cidadãos arriscam a vida para se alimentar do lixo no Aterro Sanitário

Nem mesmo o cheiro nauseabundo do espaço consegue afugentar os moradores que justificam a fome como a força de vontade para arriscarem a vida. Porém, entre revistas e reviradas, o que é depositado como lixo acaba por ser fonte de alimentação para centenas de famílias que dependem do Aterro Sanitário para sobreviver.

Ainda era cedo, quando a reportagem do jornal OPAIS escalou o Aterro Sanitário dos Mulenvos, que é a principal infra-estrutura de gestão de resíduos sólidos urbanos da província de Luanda, localizado no município dos Mulenvos.

Logo à chegada, a vista enorme, a partir de qualquer ângulo, reve a a gigante instalação projectada para receber e tratar resíduos de forma segura e ambientalmente correcta, minimizando impactos negativos no meio ambiente e na saúde pública, com a capacidade de 10,342 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos e estendida numa área de 297,2 hectares.

Por aqui, todos os dias, centenas de famílias, sobretudo jovens, dos 15 aos 35 anos, disputam o lixo que é depositado em grandes quantidades à procura do melhor para levar para casa, desde materiais ferrosos, roupas, calçados e, sobretudo, alimentação.

Os resíduos chegam ao local em grandes quantidades, através de camiões que, perfiladamente, afunilam o portão principal de entrada completamente carregados até ao ponto alto da lixeira, onde são depositados sob o olhar atento dos populares que madrugam para chegar ao Aterro.

Porém, chegar ao ponto alto da lixeira não é fácil. É preciso escalar as elevadas alturas por vias das montanhas. O percurso é perigoso, sobretudo em época de chuva, devido à terra escorregadia e pedras que, muitas vezes, se desprendem, causando quedas e ferimentos.

Apesar de o espaço ser cercado de agentes de segurança, ainda assim, os populares conseguem furar a barreira por via dos pontos descobertos que dão acesso ao Aterro Sanitário.

Entretanto, postos no local, os moradores, provenientes de várias zonas circunvizinhas, como o Paraíso, Belo Monte, Rastas e Papá Simão, reviramos lixo com as próprias mãos, sem qualquer tipo de protecção, numa batalha de salva-se quem puder.

A luta à procura de bens é titânica e bastante disputada. A comida é o bem mais procurado que envolve, inclusive, briga e ferimentos quando ela aparece devido a sua exiguidade para atender uma quantidade elevada de necessita dos que arriscam a própria vida, enfrentando vários perigos, para encontrar o que comer.

No meio de tantos perigos, nem mesmo o cheiro nauseabundo do espaço consegue afugentar as pessoas necessitadas que justificam a fome como a força de vontade para arriscarem a vida. Porém, entre revistas e reviradas, o que é depositado como lixo acaba por ser a fonte de alimentação para centenas de familias que dependem da lixeira para sobreviver. A massa alimentar, leite, conservas, enchidos (chouriços, salsichas, fiambres e queijos), bolachas, leites e frutas constam dos produtos que mais são recolhidos daquela enorme lixeira e em estado deplorável para o consumo. Mas, ainda assim, os produtos, na sua maioria com datas de expiração vencida, são desbravados com muitas dificuldades e em estado de conservação precária.

Depois de recolhidos, os produtos são lavados e levados para casa a fim de sustentar centenas de familias que dizem não encontrar alternativas senão a dependéncia do lixo que é alocado no Aterro Sanitário.

As justificações pela luta

José Pedro, 18 anos, perfila a lista de moradores que todos os dias escalam o Aterro Sanitário à procura de comida. O jovem, que vive com os pais, aponta a fome como principal motivo de sobreviver do lixo, apesar de todos os perigos envolvidos. Conforme explicou, é do lixo que a família sobrevive e consegue, igualmente, pagar a escola, tendo em conta as dificuldades sociais que o agrega do enfrenta devido à falta de emprego dos pais.

De acordo com José Pedro, é com a comida do lixo do Aterro Sanitário que a família mantém o mínimo de sustento, sendo que o resto que sobra é comercializado nos mercados próximos como a Praça Nova, Ponte Partida e Praça do Papa Simão.

"O que recolhemos aqui levamos para casa. Mas também há produtos que preferimos vender porque as senhoras compram. É arriscado, mas é a nossa forma de viver", atestou.

Mesma história e propósito

É também do lixo do Aterro Sanitário que Domingos Francisco sobrevive. A exemplo dos outros miúdos, o adolescente, de 16 anos de idade, disse também que vive com a familia e que tudo que recolhe leva para casa e ajuda no mantimento do agregado.

"Tudo que recolho aqui, ajudo lá em casa. Quando não tem comida, recolho ferros e plásticos para pesar. O importante é não ficar parado", frisou.

Driblar a segurança para sobreviver

Divaldo e Gaspar constam, igualmente, do grupo de jovens que sobrevivem do lixo do Aterro Sanitário. Divaldo, com 20 anos de idade, disse não estudar e que socorre se da recolha do lixo naquela lixeira pública para auxiliar a mãe, que é a principal provedora do sustento de casa.

Questionado se não teme pela sua saúde, diante das dificuldades que o espaço oferece, o jovem disse estar habituado e que levou anos para se adaptar no desdobra mento pelos perigos que o Aterro Sanitário apresenta.

Conforme explicou, apesar de a Polícia e os agentes de segurança manterem o asseguramento do local, ainda assim, conseguem forma de driblar o controle para invadir o espaço.

"Não é fácil conseguirmos alguma coisa todos os dias. A policia está sempre a nos controlar. E quem é visto aí dentro é detido. Mas, ainda assim, por causa da fome, conseguimos sempre fugir", atestou.

Um grito de socorro

A busca por comida no Aterro Sanitário dos Mulenvos não é uma situação nova. Segundo os moradores dos arredores e os funcionários do espaço, é uma ocorrência que percorre há anos, dada a vulnerabilidade de cobertura que as instalações apresentam.

Todavia, com o aumento das dificuldades financeiras das familias, contam os populares, a situação agudizou-se e muitos cidadãos encontram, no perimetro, a única fonte de sobrevivência.

Em conversa com o jornal OPAÍS, Tiago, um dos antigos catadores de lixo do espaço, contou que todos os dias, apesar das medidas de segurança, centenas de cidadãos invadem o local, dado o facto de a cobertura de vedação não cobrir o espaço todo.

O jovem, de 34 anos de idade, disse que não tem interesse em deixar o espaço devido à quantidade de materiais que ali encontra para reciclagem. Mas lamenta o facto de o local, cada vez mais receber crianças em idade escolar e que perdem ai todo o seu tempo à procura de sustento.

Experiente na recolha do lixo, Tiago, que se diz igualmente activista social, pede ajuda as familias e às autoridades para ajudarem os menores a saírem dessa vida que considera precária e bastante destrutiva.

"Aqui não é um lugar para menores. É uma vida muito dura. Eu próprio venho cá todos os dias. Mas não gosto de ver crianças a recolher e a comer lixo. É dificil. O Estado tem que ajudar nessa situação", lamentou.

Especialista alerta para os perigos à saúde

O clinico geral, Ventura Paim, alertou para os perigos que se corre na frequência do Aterro Sanitário sem o cumprimento dos procedimentos de segurança e higiene, sobretudo para menores de idade, que considera um grupo vulnerável.

Segundo o especialista, o grupo de cidadãos que frequenta a lixeira do Aterro Sanitário corre o risco de contrair várias infecções que podem colocar a saúde em perigo.

De acordo com Ventura Paim, o consumo de comida expirada é nocivo à saúde e é capaz de causar intoxicações com complicações que podem levar a óbito.

Com vista a evitar o pior, o especialista apela às autoridades a vetar o acesso de pessoas ao aterro com o intuito de preservar a vida humana, sobretudo de menores de idade.

Conforme explicou, devido à grande quantidade de residuos sólidos, os aterros sanitários produzem diversos microorganismos e bactérias que não podem entrar em contacto com o corpo humano sob pena de danificar a saúde.

"É preciso reforçar a segurança e impossibilitar a entrada de pessoas estranhas no Aterro Sanitário, sobretudo de menores. Caso contrário, teremos, a curto, médio ou longo prazo, muitos cidadãos com problemas de saúde derivados da frequência desprotegida ao Aterro Sanitário",

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Last modified on Sexta, 22 Agosto 2025 19:04