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Quinta, 11 Junho 2020 12:01

Dezanove crianças morrem no Hospital Pediátrico à espera de ventiladores

Nos últimos dias, o banco de urgências do Hospital Pediátrico David Bernardino tem recebido muitas crianças em estado grave, com síndrome febril ictérico e hemorrágico, necessitando de ventilador para respirarem, segundo denúncia feita pelo presidente do SINMEA, Adriano Manuel. Em dois dias, registaram-se 19 óbitos porque todos os ventiladores estavam ocupados

A denúncia do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SINMEA), Adriano Manuel, surge pelo facto de, segundo ele, estar-se a ver um virar de atenções para a prevenção e combate à Covid-19 e um relaxamento, por parte do Ministério da Saúde, para as outras doenças que enchem os bancos de urgências e fazem muito mais vítimas mortais no nosso país.

Em dois dias, o banco de urgências do Hospital David Bernardino registou 19 óbitos, de crianças que entraram graves e necessitavam de ventiladores. Não foi possível socorrer estas crianças porque todos os ventiladores nos cuidados intensivos estavam ocupados.

Os doentes faleceram com síndrome febril ictérico e hemorrágico que, até hoje, disse o sindicalista, que também trabalha no banco de urgências daquele hospital, não sabem quais são as verdadeiras causas. “Se é dengue, se é febre-amarela, malária complicada ou leptospirose, até agora não conseguimos descobrir”, confessou.

Adriano Manuel disse haver uma necessidade urgente de se estudar as causas dessas mortes, pois, nos últimos dois meses, tem acontecido isso: as crianças chegam ao banco de urgência muito graves, com dificuldades respiratórias, bem como problemas cardíacos e, se não forem colocadas no ventilador, acabam por perder a vida.

“O ventilador ajuda a melhorar a respiração do paciente, até que o seu pulmão consiga trabalhar sem esforço algum. Todos os doentes graves, a maior parte deles, com dificuldades de respiração, precisam do ventilador para sobreviver”, sublinha.

Os doentes vêm da periferia da cidade de Luanda, onde não há médicos, segundo Adriano Manuel, o que faz com que não recebam os cuidados do sistema de saúde primário e acabam chegando em estado grave na pediatria.

Investir no Covid? Sim. Mas não descurar as outras patologias

O número um do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola fez questão de enfatizar que é de opinião que se deve investir na prevenção e combate à Covid-19, mas não se deve descurar das outras patologias que também matam.

Vão continuar a reivindicar, enquanto o Estado estiver a investir milhões para a Covid-19, quando há outras patologias a fazerem muito mais vítimas. “Nesta altura, temos 4 mortes por Covid e, no igual período, morreram mais de duas mil pessoas por malária. Da mesma forma que investem nestes novos hospitais, devem investir com meios e recursos humanos nas periferias”, defende.

Não se pode permitir, segundo Adriano Manuel, que uma elite tenha as clínicas Multiperfil ou Girassol, por exemplo, que foram construídas com o dinheiro do Estado, para se tratarem, enquanto o cidadão tem um sistema primário de saúde precário.

Para espelhar a gravidade do problema, exemplificou que, neste momento, o Hospital Pediátrico é a única unidade pública que faz TAC, sendo que as demais têm as máquinas avariadas. Nenhum hospital público está a fazer ressonância magnética e estes doentes estão a ser encaminhados para as clínicas, que são pagas.

Por isso é que defende que se se investir no Hospital Geral de Luanda, no Maria Pia ou nos hospitais municipais, se poderá diminuir a concentração de doentes no Pediátrico.

“Este hospital de campanha que foi criado agora, se tivesse lá pediatras, nós devíamos transferir estes doentes que precisam de ventiladores. Neste hospital tem gasómetro, estão parados, não estão a ser usados, enquanto os hospitais públicos que precisam deste importante aparelho não o têm”, sublinhou.

“São crianças graves, estamos a apurar as causas da morte”
Contactado pelo jornal OPAÍS, o director do Hospital Pediátrico David Bernardino, Francisco Nunes, disse tratar-se crianças realmente graves, mas não terão perdido a vida só por falta de ventiladores.

O director não quis dar muitos detalhes sobre o assunto, porque quando o contactamos, na Terça-feira, 9, estava a entrar para uma reunião com a direcção clínica, para aferir o número de óbitos na unidade que dirige e as causas de forma individualizadas. “Nesta altura, não posso dizer taxativamente o número de óbitos e as suas causas”, reforçou.

Ainda assim, aproveitou a oportunidade para dizer que lamenta o posicionamento do doutor Adriano Manuel (que também é presidente do sindicato dos médicos), pois é de opinião que este profissional, por ser funcionário do Hospital Pediátrico, deve articular algumas informações do hospital em causa com a direcção, antes de as tornar pública.

“Deve ter consciência de que, eventualmente, por insuficiência respiratória, algumas crianças faleceram, o que não quer dizer que todas tiveram a mesma causa. Por isso, nós estamos a avaliar de forma individualizada as causas dos óbitos”, disse.

O director deixou claro, apesar de mostrar-se disponível para ajudar, que não seria ao jornal que daria esses dados, e sim à entidade competente, por causa da ética e deontologia médica, sendo que o Jornal OPAÍS, se quisesse alguma informação, deveria contactar o Gabinete de Comunicação e Imprensa do Ministério da Saúde.

Vêm equipamentos da Alemanha

Nas últimas conferências de imprensa, no CIAM, sobre a actualização dos dados da Covid-19 no país, a ministra da Saúde, Silvia Lutukuta, disse que o Governo tem estado a fazer um esforço no sentido de apetrechar as unidades sanitárias, desde antes da Covid-19, com equipamentos mínimos indispensáveis. Têm em alinhamento o fabrico de equipamentos de Raio X, produzidos pela Siemens, na Alemanha, ecógrafos, TAC, entre outros.

“Estamos com um projecto de sangue seguro, que consiste em apetrechar os bancos de sangue, e já houve uma evolução muito grande. Parte dos equipamentos continuam a ir para as outras províncias”, acrescentou.

A responsável da Saúde disse ainda que se está a apetrechar os laboratórios, a comprar equipamentos à dimensão da unidade e, por isso, em muitas unidades já existem os equipamentos.

Ainda, ontem, a minístra voltou a tocar no assunto daquelas crianças, reconhecendo que elas chegam ao Hospital Pediátrico em estado grave, com insuficiência respiratória aguda, mas não é por falta de ventiladores, que perdem a vida.  OPAIS

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