Num comunicado enviado à agência Lusa, o Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio, a M27 (associação de órfãos) e a Associação 27 de Maio, que reúne sobreviventes e familiares das vítimas, consideram que só com as suas exigências cumpridas será possível "uma verdadeira reconciliação nacional" e devolvida "a dignidade perdida".
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Segundo a Amnistia Internacional, terão sido mortas cerca de 30 mil pessoas, a maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves.
Entre as vítimas da direção do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) estavam, além de Nito Alves, outros opositores internos, como Sita Valles e o seu marido José Van Dunem, irmão da atual ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem.
Neste comunicado, as associações reiteram que os acontecimentos de 27 de Maio, que consideram um "holocausto" e "uma das maiores tragédias de África", "não podem ser colocados ao mesmo nível de outros confrontos registados após a independência", retomando a crítica à proposta de reconciliação nacional feita pelo Presidente angolano, João Lourenço.
Em setembro último, os sobreviventes, familiares e órfãos do 27 de Maio já haviam criticado a proposta de criação de uma Comissão para a Reconciliação, acusando João Lourenço de não distinguir as vítimas da guerra civil das execuções dentro do partido no poder.
Na altura, reclamaram a entrega dos corpos das vítimas às famílias e contestaram o silêncio de João Lourenço quanto a esta matéria.
As perseguições internas dentro do MPLA contra a chamada corrente "fracionista" terão causado a morte de milhares de quadros do partido e, para os sobreviventes e filhos das vítimas, o atual executivo deve reconhecer esse episódio da História e pedir desculpa pelo que se passou.
As palavras "reconciliação e perdão adquirem contornos diferentes para as vítimas e sobreviventes: reconciliação pressupõe a admissão de que foram cometidos crimes, a emissão de certidões de óbito e a localização e devolução dos corpos", ou seja, "um verdadeiro processo de reconhecimento", com "ações concretas em busca da verdade", referiram então.
Segundo os sobreviventes e os familiares das vítimas, o 27 de Maio "deve ser tratado em separado dos restantes conflitos, igualmente geradores de vítimas", tendo por base "as orientações da União Africana sobre justiça transicional", que, consideram, não são cumpridas pela Comissão para a Reconciliação.
Em abril, numa nota da Casa Civil do Presidente, João Lourenço anunciou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos no país, entre os quais a "intentona golpista do '27 de Maio' [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado".
O comunicado do anúncio da criação da Plataforma está datado de setembro de 2019 e fonte da Associação 27 de Maio explicou à Lusa que só agora foi divulgado porque nem todas as associações assinaram o documento na mesma altura.