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Domingo, 10 Abril 2022 12:35

Angola "está no meio de um barril de pólvora" - jornalista Victor Hugo Mendes

O jornalista angolano Victor Hugo Mendes diz que Angola “está no meio de um barril de pólvora”, nas eleições de agosto, e reconhece estar com medo do que acontecerá “se o MPLA fizer a batota que sempre fez”.

“Muito provavelmente haverá aquilo que todo o mundo menos espera” caso o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), repita o que tem feito, antecipa.

“O problema hoje do MPLA não é com a oposição. É com a população. Quer dizer, só não haverá confusão em função dos resultados: se o MPLA fizer eleições justas e transparentes e com a presença de observadores e estas eleições forem reconhecidas pela própria oposição de forma normal”, acrescenta.

Victor Hugo Mendes, 40 anos, lança no próximo dia 14, em Lisboa, com apoio da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) o seu primeiro livro infantil “O Tesouro da Menina do Cunene”, uma estória ficcionada de uma adolescente da região sul de Angola.

O autor nasceu em Malanje e, em Angola começou na emissora católica Rádio Ecclesia e colaborou em rádios na Namíbia e Angola. Foi apresentador de programas na Televisão Pública de Angola e na TV Zimbo, canal privado angolano, e atualmente é jornalista na RTP África, onde apresenta e produz o programa “Tem a Palavra”, tendo já publicados quatro livros.

A sua frase mais conhecida é “Quem lê um livro nunca mais é a mesma pessoa”, e entre 2014 e 2018 percorreu Angola, onde fomentava o gosto pela leitura e distribuía milhares de livros, que lhe eram entregues pelos próprios autores angolanos, editoras e União de Escritores Angolanos.

Agora radicado em Portugal, Victor Hugo Mendes olha com desencanto, e revolta, para o seu país.

“Angola tem estado a cometer, de certo modo, um genocídio intelectual. Porque o compromisso com a educação está muito mais presente no discurso político do que na verdade, em termos de realização prática”, acusa.

Victor Hugo Mendes considera que em Angola vigora “um grave problema, que se arrasta”, defendendo que “há coisas que deveriam ser quase que da exclusiva responsabilidade do Estado”.

“O que nós fizemos com a educação foi um negócio”, refere, destacando a ligação de pessoas do setor público da Educação em negócios da abertura de colégios e universidades privados.

“Não tens nenhum membro do Governo cujo filho está numa escola pública. Ora, por aí, já por aí a gente afere a responsabilidade dos nossos dirigentes relativamente ao compromisso deles com o ensino. É por isso que eu digo que nós estamos a cometer um genocídio intelectual com relação ao próprio sistema de educação”, adianta.

As deficiências que aponta na formação educativa refletem-se, defende, no acesso ao mercado de trabalho e resulta no aumento do desemprego, sobretudo entre os mais jovens.

“Criaram uma ilusão na cabeça das pessoas em Angola que para se ganhar bem, tem que ir para a universidade. Tem que ter um curso superior para se ganhar bem. (…) Então houve uma corrida aos diplomas ao invés do conhecimento”, refere o escritor.

No entanto, lamenta: “As pessoas estão na universidade acreditando que a partir do momento que tenha o diploma, elas vão ganhar quatro, cinco, seis, dez vezes mais. Eles crescem com uma ideia que o melhor sítio para trabalhar é no Estado, Porquê? Porque o Estado finge que paga e as pessoas vão fingir que trabalham”.

O resultado, na sua opinião, é desastroso: “Ora o Estado hoje em dia está com um problema gravíssimo. O Estado não tem mais capacidade para absorver mão de obra de trabalhadores, não tem. O resultado é que tu tens o mercado informal cada vez mais apinhado de gente com formação superior. Portanto, nós estamos a cometer o tal genocídio intelectual por causa das prioridades e por causa das necessidades, por causa das conveniências políticas”.

A culpa, aponta, é do MPLA, partido que governa Angola desde a independência de Portugal, em 1975.

No passado dia 04 de abril, Angola completou 20 anos de paz, mas o balanço que Victor Hugo Mendes faz é negativo.

“O melhor balanço que eu posso fazer é o calar das armas, é óbvio, com o desarmar dos cidadãos é óbvio, é a possibilidade de as pessoas poderem viajar. (…) Mas do ponto de vista das liberdades, sobretudo nos últimos cinco anos, regrediu bastante”, acrescenta.

Angola tem agendadas para agosto eleições gerais, em que será eleito, por via indireta – como prevê a Constituição – o Presidente da República.

“O MPLA, a única coisa que ele tem neste momento, em que confia, é o domínio do aparelho de Estado. O domínio sobre o poder judicial, o domínio sobre o poder legislativo”, aponta, considerando que as eleições vão “acontecer num clima em que o MPLA está claramente desfavorável”.

Para Victor Hugo Mendes, o “grande problema e a preocupação das pessoas é se o MPLA ganhar de forma transparente, uma eleição justa e transparente, com um processo claro, vai ficar normal no dia seguinte”.

“Agora, se o MPLA fizer a batota que sempre fez, se realizarem as eleições como sempre realizou, então eu vou-lhe ser sincero: tenho medo, porque nós vamos ter muitas mortes e um clima digamos, de convulsão social”, afirma.

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