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Terça, 12 Janeiro 2021 18:29

“O Estado partidário está a usar os tribunais e a banca para limitar a Unita” - Adalberto Costa Júnior

Líder da Unita não tem dúvidas de que, ao contrário de que o Governo quer fazer crer, os últimos três anos foram de incentivo à corrupção. Lembra que o Executivo tem optado pela contratação simplificada, beneficiando empresas próximas do MPLA.

Crítico da forma como se está a gerir a recuperação de capitais, Adalberto Costa Júnior estende os ataques às instituições do Estado que estão nas mãos do MPLA.

Que balanço faz dos três anos de governação de João Lourenço?

Foram três anos de incentivo à corrupção. Qualquer pessoa bem informada sabe que o maior 'bolo' de corrupção a nível mundial resulta da contratação pública incorrecta. Um estudo minucioso feito por nós, por meio da análise de todas as ordens administrativas assinadas pelo Presidente da República, publicadas em Diário da República, concluiu que, dos 137 casos de contratação pública, 107 foram de contratação simplificada. Com a agravante de as empresas beneficiárias serem de proximidade partidária.

Quem são os principais beneficiários?

A Omatapalo é a empresa que ganha toda a contratação simplificada. Meio mundo sabe que pertence ao governador da Huíla. Apesar de Luís Nunes ter suspendido a sua titularidade, como manda a lei, manteve a proximidade com dirigentes do MPLA. A Griner é outra empresa que goza desses privilégios.

E como tem visto a recuperação de capitais?

Nas suas opções estratégicas, o Governo não apresentou nenhuma opção de recuperação efectiva de capitais que foram levados para fora. Na verdade, foi a Unita que levou ao Parlamento, pela primeira vez, em 2017, a Lei de Repatriamento de Capitais. Fê-lo depois da avaliação crítica de uma universidade credível do nosso país. Era uma luta para ser agendada e só foi levada em conta quando o MPLA conseguiu uma propostazinha – diante da nossa – para ser discutida em simultâneo. No entanto, o documento da Unita foi recusado. Esse dossier tinha soluções para a geração de emprego, diversificação da economia, entre outras preocupações.

Está a dizer que a recuperação de capitais fracassou?

Se perguntar pelo saldo do balanço do repatriamento de capitais, de certeza que não terá resposta. As duas únicas transferências para Angola só aconteceram por denúncias dos países depositários. Os 500 milhões de dólares do Reino Unido e os 900 milhões da Suíça, que, entretanto, ainda não foram transferidos.

Pelas suas últimas declarações públicas, fica-se com a ideia de que receia algumas instituições do Estado, principalmente a CNE..

Não tenho absolutamente receio nenhum. Quando muito, cabe-nos a nós partilhar realidades e fornecer cenários de melhorias. Por iniciativa da Unita, interpôs-se uma acção no Tribunal Supremo para invalidar a tomada de posse do presidente da CNE (Comissão Nacional Eleitoral), por falta de condições do exercício das suas funções. Foi um processo eivado de desconformidades, violações de complementos às condições de concurso e até acusações de corrupção num processo interno.

E...?

Estes episódios descredibilizam o próprio Estado. Como é que é dada a um homem contestado por todos os partidos políticos – e até por uma enorme franja da sociedade – a responsabilidade de fazer o exercício do apuramento da legitimidade da governação? Não analiso este procedimento como um sentimento de receio, mas sim como uma pretensão de funcionamento em legalidade plena.

E como analisa a frase do Presidente João Lourenço: “Não posso anular [as eleições autárquicas] que não convoquei”?

Não me parece sério vir a público dizer isso. João Lourenço não é novo na responsabilidade institucional do Estado, nem na do seu próprio partido. Para além de, em 2015, ter testemunhado, na qualidade de vice-presidente da Assembleia Nacional, a aprovação do conjunto de tarefas e leis para a realização das eleições gerais e autárquicas....

....Consigo como líder da bancada parlamentar da Unita...

Exactamente. Entretanto, como chefe de Estado, anunciou a realização das autárquicas em vários actos públicos, nomeadamente no Conselho da República do primeiro ano da sua governação, na sua primeira ida à Assembleia como Presidente angolano e no discurso do Estado da Nação em 2019. A isto chama-se comprometimento.

Não há condições por causa da covid-19, justificou Rosa Cruz, a porta-voz do Conselho da República...

Não há nenhuma razão para este adiamento, senão o medo político que o MPLA tem de partilhar o poder. A pandemia da covid-19 não serve de desculpa, na medida em que, a nível global, todos os países estão a cumprir os compromissos institucionais, excepto Angola.

E porquê as suas reservas?

Quando o grupo parlamentar do MPLA – que mais influência tem na agenda da Assembleia – não faz nada para agendar a conclusão do pacote legislativo autárquico, significa que é uma ordem da liderança do seu partido.

Nunca pensou que o seu partido pode ser o principal derrotado nas eleições autárquicas?

Qualquer eleição é para ser disputada num ambiente democrático. A vitória deve ser transparente e a derrota também e os dois resultados devem ser assumidos com transparência e pluralidade.

E, em caso de vitória, como é que a Unita está a pensar lidar com os municípios sob a sua alçada, que ainda deverão depender dos fundos do Governo central?

(Sorrisos) Esta abordagem dá a ideia de que os fundos do Governo central são do MPLA. Mas não são, apesar de o Estado partidário ser bloqueador.

Está desiludido com João Lourenço?

Tenho usado as vias que tenho ao dispor para apelar a uma melhoria. O Presidente da República não me desiludiu apenas a mim. Mas também à maioria dos angolanos, para quem apareceu como reformador, anunciando novos tempos, com plenas liberdades e uma imprensa plural, sem as famosas 'tesouradas'. Mas, ao fim de três anos, o resultado é vergonhoso.

(...)

Quatro televisões com gestores nomeados pelo próprio Estado a divulgar notícias sem contraditório e com servilismo. Ou o que aconteceu na TV Zimbo, que viu programas cancelados por criticar o director de gabinete do Presidente da República. Estamos a viver a censura na sua plenitude. Ninguém fica feliz ao ver a polícia disparar balas reais contra manifestantes. Ninguém fica contente ao ver decretos presidenciais aprovados à noite para impedir direitos constitucionais.

Percebe a continuidade de Edeltrudes Costa no cargo de director do gabinete do Presidente?

Indiscutivelmente, diante da publicação de documentos efectivos de contas bancárias milionárias, o director do gabinete de João Lourenço tinha de ser alvo de um competente processo de averiguação por parte dos órgãos competentes, para justificar os meios milionários. A decisão oposta implica a perda de credibilidade do Presidente da República, tanto a nível nacional, como internacional.

Está a acompanhar o julgamento do 'caso Grecima'?

Estes julgamentos são positivos, na medida em que permitem perceber que nada mudou.

Porquê?

Porque, ao mesmo tempo que provavelmente se investigou e, consequentemente, se extinguiu o Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (Grecima), agora, em julgamento, foi criado o Gabinete de Propaganda da Presidência da República. Esta última instituição – à semelhança do Grecima – é financiada com fundos públicos para pagar consciências de cidadãos chamados aos órgãos públicos – e não só – para falar bem do partido que governa.

O Estado angolano foi sempre um Estado vocacionado a compras de personalidades e dirigentes com exposição extraordinária foram sujeitos a este tipo de pressões.

Há quem defenda que a corrupção em Angola está em todo o lado, até na Unita.

Claro que não. Acha que nós somos governo? Acha que a Unita é gestora da coisa pública?

O papel do jornalista é fazer perguntas, por mais incómodas que sejam. A propósito, o senhor já recebeu alguma proposta por parte do MPLA?

Apesar de nunca ter estado no Governo, ao longo de muitos anos, fui alvo de várias tentativas de compra com muitos milhões de dólares colocados à mão, que terminantemente recusei.

Quem lhe fez a proposta e qual foi o valor?

Tentaram comprar-me ainda antes da paz. Pessoas que ainda hoje estão em instituições, algumas até foram à minha casa.

E os dirigentes da Unita que se passaram para o MPLA foram comprados?

Essa é a sua conclusão. Limitei-me a dizer que uma prática do regime é a compra de personalidades. Até porque a Unita tem respeito por aquelas pessoas que dizem que já não querem ser militantes. Recentemente, houve um deputado que decidiu sair do grupo parlamentar da Unita.

Está a referir-se ao deputado David Mendes?

O comunicado que saiu foi extremamente educativo. Algo como, agradecemos o período que esteve connosco, tem pleno direito de não estar, muito obrigado.

E a Constituição do Tribunal Constitucional é partidária, como disse o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Inglês Pinto?

(Risos) Não li, mas julgo a frase bastante interessante. O Tribunal Constitucional tem a responsabilidade excepcional de garantir o respeito pela Constituição, a lei-mãe, que pode ser mutável, mas as leis aprovadas devem ser plenamente respeitadas. Não tenho dúvidas de que, na formatação dos seus membros, há um peso excessivo de tendência de representatividade de um partido político. Na CNE, não há equilíbrio, mas antes uma representação maioritária absoluta de membros do MPLA. O mesmo acontece na Erca.

(...)

Quando as instituições, que garantem o bom funcionamento da democracia, respondem partidariamente, a democracia está em risco. Nós temos voz no sentido de encontrar uma outra modalidade, não de nomeação, mas de eleição desses membros.

A que nível?

Indicar um conjunto de personalidades, que a seguir se sujeitam à eleição de acordo com o seu perfil, em função da garantia de isenção.

Refere-se ao conceito de paridade?

Como em Cabo-Verde, onde os partidos com assento parlamentar têm direito a um representante na CNE e um ou dois organismos de equilíbrio têm indicação de um representante. O Presidente é eleito em função do perfil de isenção que pode representar, construindo, desta forma, um organismo que garanta os interesses de todos, para que as eleições anteriores não condicionem as seguintes.

Mas em Angola...

Em Angola, é o contrário: as representatividades dependem das percentagens obtidas nas eleições anteriores, o que condiciona permanentemente o nosso futuro. As maiorias de hoje condicionam a alteração destas maiorias para o futuro, razão pela qual se tem dificuldade em fazer alternância em Angola.

Alguns membros do MPLA dizem que a Unita não tem condições para ser governo.

Não concordo a nenhum nível. Aliás, essas afirmações são só mais uma indicação – entre muitas outras já manifestadas - de que não se está preparado para olhar o outro como alguém em condições de poder fazer alternância. Não obstante, nos longos anos no poder, tem-se mostrado muito incompetente na assunção da democracia.

Quer citar alguns exemplos?

São muitos. Desde a corrida à presidência do partido sem candidaturas múltiplas, ao mais recente, flagrante e triste episódio, em que o bureau político desse partido decidiu intervir nas eleições da organização feminina, impondo apenas uma candidatura à liderança. A segunda candidata foi obrigada a desistir, sob pena de ser sujeita a processo disciplinar. Talvez isso seja bom para o MPLA, mas não para a democracia.

Continua a achar que a revisão da Constituição é uma prioridade?

Naturalmente. Apesar de a revisão de 2010 ter trazido reforços de alguns direitos, como as garantias de poderes cívicos e de cidadãos, trouxe, porém, outros aspectos que estão a ser altamente problemáticos para todos.

Exemplifique...

Nomeadamente, os poderes excessivos do Presidente da República. É decorrente dos poderes excessivos que há uma resolução do Tribunal Constitucional que limita a fiscalização da Assembleia. Quando um órgão de soberania fica limitado na sua acção regular, necessária para a estabilidade e bom funcionamento das instituições, o Estado deixa de funcionar na perfeição.

E qual é a sua opinião sobre as PPP?

Se queremos ter, a médio prazo, equilíbrio das contas públicas, é necessário, de facto, a redução do perímetro da intervenção do Estado e um funcionamento eficiente dos mercados. Mas a privatização tem de ser feita de forma transparente, por um lado. Por outro, numa primeira fase, as empresas fulcrais do país, a Sonangol e a Taag, por exemplo, não deviam ser privatizadas, pelo menos, na maioria do seu capital, para que a nossa soberania não se subordine aos interesses dos grandes grupos financeiros internacionais.

E concorda que privatizações vão trazer emprego, como se tem ventilado?

Ao contrário do que muitas vezes se faz circular, a economia de mercado e liberal não dispensa o poder do Estado, a quem compete garantir políticas que suportam a confiança entre os agentes económicos. Só haverá emprego, investimento e crescimento se o Governo, em vez de asfixiar a competitividade com regulamentações demasiado restritivas para as PME (Pequenas e Médias Empresas), a espinha dorsal de qualquer economia, proporcionar um ambiente regulamentar adequado, atrelado a um clima favorável ao empreendedorismo, à inovação e à criação de emprego.

O que se passa com as contas bloqueadas da Unita?

Apresentámos, em Dezembro, uma queixa que deu entrada no Conselho Superior da Magistratura Judicial contra a juíza que instruiu o bloqueio da conta principal do partido, em violação à lei, pois nunca fomos notificados. O BPC, onde está domiciliada a referida conta, recusa-se a dar quaisquer explicações.

!?

De um tempo a esta parte, temos enfrentado sucessivas decisões equivalentes. A última foi a ordem de despejo da nossa sede no Lobito, propriedade do partido, também sem aviso prévio. Um bom analista percebe que o Estado partidário está a usar os tribunais e a banca para restringir o desempenho partidário, num momento exclusivo.

Como é que a Unita está a fazer o exercício da acção política?

Com recursos da quota dos muitos militantes que temos. O património da Unita está ocupado por estruturas do Governo, do MPLA, bem como de instituições ligadas à política, às forças armadas, numa autêntica violação dos Acordos de Paz, que obrigam à devolução do mesmo.

E mesmo com estas dificuldades, o senhor abdicou do salário de deputado?

Isso não corresponde à verdade. Não abdiquei do salário de deputado, como se noticiou nas redes sociais.

Engenharia militar para reparações das vias terciárias e secundárias

Como analisa a diversificação da economia?

As receitas fiscais, com a exportação de petróleo, renderam ao nosso país aproximadamente 256 mil milhões de euros, de 2002 a 2014. Por outro lado, as receitas globais, incluindo os lucros das petrolíferas, ascenderam a 468 mil milhões de dólares no mesmo período. Portanto, não se fez, ate à presente data, a diversificação da economia por opção política e não por falta de meios.

Não acha que qualquer crítica é inútil se não tiver uma alternativa?

A Unita fá-lo-ia seguramente. Já leu a nossa partilha de um programa de governação para o país, lançado na campanha eleitoral?

Não li todo.

Então, leia. Verificará a importância do sector da agricultura, nomeadamente a familiar, como motor criador e gerador de escala para o conjunto da economia. Mais: o desafio de fazer dos dividendos dos recursos hídricos e demográficos um factor de oportunidade, mudança, desenvolvimento, transformação, crescimento sustentado, para que o país deixe de viver da importação.

O país tem de aproveitar essas potencialidades para elaborar uma estratégia de utilidade funcional, partilhada com um conjunto de parceiros internacionais em vários domínios.

A qualidade dos recursos humanos não é para aqui chamada?

Não temos nenhuma empresa angolana, depois de mais de 40 anos de cooperação com empresas estrangeiras – muitas das quais até posicionadas entre as melhores do mundo –, que tenha obtido conhecimentos necessários no sector da construção de barragens, de estradas, etc. Conhecimentos que hoje seriam usados para o desenvolvimento. Pelo menos, para reparações das vias terciárias e secundárias, devia profissionalizar-se o sector de engenharia das Forças Armadas, para um período específico, juntando-se ao extraordinário esforço do desenvolvimento do país.

Do seminário a candidato a PR

Em 1975, a seguir à Independência, nos anos de brasa da guerra civil, Adalberto Costa Júnior estudava Teologia no seminário do Quipeio, na Caála, Huambo. Como tantos jovens angolanos, fez a sua opção partidária pela mais forte razão que as guerras têm: juntou-se àqueles que detinham o poder na zona onde vivia. Nasceu em Quinjenje, um município, à época, de Benguela (hoje pertence ao Huambo). Entre os cargos que desempenhou na Unita, contam-se os de representante no Vaticano, Itália e Portugal. Foi ainda porta-voz, secretário para os Assuntos Patrimoniais e presidente do grupo parlamentar.

Aos 58 anos, Adalberto Costa Júnior, formado em Engenharia Electrotécnica, é o terceiro presidente da Unita. Lidera o partido, sucedendo a Isaías Samakuva, desde Novembro de 2019. Valor Economico

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