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Quinta, 12 Fevereiro 2015 14:57

Duas Podem Pensar Melhor - Reginaldo Silva

O enigmático ipsis verbis escolhido para dar título a esta presença semanal de todas as quartas-feiras no RA, faz parte do mais recente pronunciamento público do Presidente José Eduardo dos Santos (JES) feito esta terça-feira na abertura do “reaparecido” Conselho da República (CR).

Uma ausência cuja falta, pelos vistos, ninguém notou.

Não houve, ao que se saiba, nenhuma intenção de se organizar alguma manifestação de protesto para reclamar o facto do CR ainda não ter sido empossado, passados que são já cerca de três anos, desde que a actual legislatura foi inaugurada.

Pelo menos em Luanda, a intenção de manifestação é a única que ainda é tolerada pelas autoridades, pois todas as outras que ultrapassem este limite acabam sendo sempre proibidas ou duramente reprimidas.

Em termos mais práticos e já que estamos no mês da Constituição, talvez fosse melhor referir que, permitam-nos este parênteses, a CRA-2010 contempla efectivamente o direito de manifestação como sendo fundamental, mas apenas na sua forma tentada.

As “duas” da epígrafe é uma referência explícita às nossas cabeças, enquanto seres pensantes, tendo sido citadas por ele, logo depois do Presidente ter dito que se uma pensa bem, duas podem pensar melhor.

Em termos absolutos e em abstracto, não há nada que nos garanta que por si só uma cabeça pense sempre bem, mas de facto já há mais garantias de que duas cabeças possam “carburar” melhor em termos de resultado final.

A principal destas garantias é que as duas cabeças não pertençam à mesma família política e, de preferência, que estejam em aberto desacordo em torno do tema que estiver agendado, seja para que efeito for.

Como sabemos, o potencial de divergência existente entre nós é muito grande, mas ainda são igualmente muito expressivos os receios de se assumirem publicamente as diferenças, particularmente quando o contraditório tem do outro lado o discurso oficial.

De outra forma não vejo como é que duas ou mais cabeças possam pensar melhor, se todas estiverem alinhadas pelo mesmo diapasão, que é o que se tem passado entre nós com a prevalência do pensamento único, que de facto não sido um bom conselheiro.

Acredito que da discussão nasça sempre alguma luz, incluindo aquela que vamos tendo no fundo do túnel, pelo que foi com alguma satisfação, mesmo que muito mitigada, que ouvimos José Eduardo dos Santos reconhecer que duas cabeças pensam melhor que uma só, embora ele não tenha sido taxativo, pois apenas admitiu a possibilidade de assim ser.

Quando esta discussão é promovida para procurar soluções eficazes e não apenas para ouvir opiniões ou cumprir calendário, é preciso, entretanto, que haja muito mais, para além das boas intenções de quem procura ouvir conselhos.

Diz-se que quem não ouve conselhos não chega a velho, o que não se aplica muito bem ao Presidente angolano, pelo menos no que toca a certas “dicas” que, à partida, não lhe soem muito bem aos ouvidos por serem produzidas no “outro lado da barricada”.

Tem-se dito que as crises também criam oportunidades.

Pelos vistos e a ter conta as palavras introdutórias do anfitrião, o actual choque petrolífero que uma vez mais destapou todas as grandes e pequenas fragilidades da economia angolana, criou a oportunidade do Presidente ouvir directamente de pares e de “ímpares” as suas avaliações.

É de facto um momento raríssimo na sua forma de governar, que também, reconheça-se, não tem tido qualquer impacto na condução do país, como foram, nomeadamente, os compromissos assumidos no Conselho da República em relação à realização das eleições presidenciais em 2009 e agora mais recentemente com a convocação das autárquicas antes das próximas eleições de 2017.

Em termos de importância, o Conselho da República, que é o único espaço institucional disponível para este exercício mais abrangente, é hoje verdadeiramente residual.

Por muito pouco, o Conselho da República quase não desaparecia mesmo do texto da CRA-2010, se compararmos com a importância que tinha na anterior Constituição, onde era considerado um “órgão político de consulta do Presidente da República” com várias incumbências muito específicas como pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia Nacional, a demissão do Governo, a guerra e a paz, entre outros.

Na nova Constituição aprovada há 5 anos, ao CR não lhe foi atribuída uma única incumbência, tendo apenas ficado definido que é um “órgão colegial de natureza consultiva do Chefe de Estado”.

Em abono da verdade só nos foi possível encontrar na legislação ordinária um único momento onde está expressamente dito que o PR tem de consultar o CR, que é por altura da convocação das eleições.

Por Reginaldo Silva

RA

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