O Estado de Direito, que deveria ser o alicerce da democracia, ruiu aos poucos diante dos nossos olhos e em seu lugar ergueu-se uma estrutura desigual, onde o pobre implora e o rico manda.
Angola é um país onde o discurso oficial fala de progresso, mas os musseques continuam cheios de crianças descalças, mães sem comida, jovens sem futuro. A justiça social, que deveria garantir dignidade mínima a todos, é tratada como luxo. Há quem viva como se estivesse na Suíça, mas a esmagadora maioria sobrevive num pesadelo diário, onde a fome, o desemprego, a precariedade habitacional e o abandono estatal são a regra.
A falência do Estado de Direito é, acima de tudo, a falência do compromisso com o povo. Quando o cidadão tem de pagar “gasosa” para obter o que é seu por direito; quando as vítimas são obrigadas a calar-se e os culpados têm segurança armada; quando o acesso à terra, à saúde, à educação e à justiça depende do sobrenome ou da ligação partidária, então já não falamos de democracia, mas de um sistema de exclusão institucionalizada.
A justiça social em Angola tornou-se refém da política e da corrupção. A redistribuição da riqueza nunca chegou. O petróleo serviu para enriquecer uma elite, e não para construir hospitais, escolas ou habitação condigna. O Estado, em vez de protetor, age como predador: despeja famílias sem alternativa, prende manifestantes, ignora os bairros sem água nem luz, e cala-se diante da violência contra os mais pobres.
Há um silêncio que grita em cada esquina. Um silêncio que diz: “Aqui ninguém está por nós.” As instituições que deveriam defender os vulneráveis perderam o sentido. Os tribunais são templos da lentidão e do favoritismo. O Ministério Público, tantas vezes, parece mais defensor do poder do que da justiça. E o Parlamento... bem, o Parlamento é muitas vezes um eco do Executivo, não a voz da nação.
Mas não se constrói uma nação pisando nos ombros dos fracos. Um país onde a justiça social não é realidade está condenado à instabilidade, ao ressentimento, à revolta surda que cresce nos becos e nas praças.
Ainda é possível resgatar o Estado de Direito em Angola mas não com promessas vazias. É preciso vontade política, reformas profundas, coragem institucional e pressão cidadã. Justiça social não é favor. É direito. E enquanto for privilégio, continuaremos a viver sob um sistema que finge legalidade, mas pratica injustiça com naturalidade.
Por Rafael Morais