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Sexta, 18 Outubro 2024 08:03

No Estado da Nação, tudo vai nu

Não há nada de novo. Assim como em quase tudo neste país, as atrocidades na justiça não fazem questão de esconder-se do manto da indecência. No estado da Nação, o rei vai literalmente nu. Nem um extraterrestre humanoide o negaria.

Por Evaristo Mulaza

Ainda não se passaram duas semanas desde que o advogado João Gourgel esteve na ‘Rádio Essencial’ a despejar verdadeiros explosivos sobre o disfuncional Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA). Eduarda Rodrigues, a então toda poderosa e agora defenestrada directora, foi acusada de tudo e mais alguma coisa.

Da chantagem a alegadas tentativas de extorsão. As denúncias foram públicas. Estão publicadas. São graves. Gravíssimas. Quem a denunciou fê-lo em directo. Não se trata de fonte coberta pelo anonimato. Deu o rosto. Todavia, da Procuradoria-Geral da República nem um mugido nem um tugido. Não há conhecimento de processo ou, no mínimo, de algum inquérito promovido a propósito dessas denúncias específicas.

Pelo contrário. Eduarda Rodrigues foi exonerada e nomeada para estar formalmente ao lado do Procurador-Geral da República. Para continuar a ter contacto com processos. É um insulto. É um escândalo. É uma vergonha! Nenhum país precisaria de ser minimamente sério para sentir-se tão embaraçado e desmoralizado. Angola é definitivamente um caso à parte. Porque no estado da Nação de João Lourenço, o estado da justiça está mais sereno. Fala num combate à corrupção e numa recuperação de activos, apresentados em mal amanhadas folhas de excel, indignas de um trabalho de casa da quarta classe. Muitos dados e dados que só são números. Sem origens. Sem nomes e sem rosto. É o trabalho de excelência do SENRA! O povo diria “brincadeira tem hora!”, como poderia dizer “brincadeira de péssimo gosto!”.

Tão grave ou pior do que isso talvez só a novela esquizofrénica entre o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional. É uma ‘guerra’ que desafia todos os limites do racional e da decência. Pelas novas informações estampadas na edição deste jornal, a luta entre Joel Leonardo e Laurinda Cardoso inclui agora o capítulo da mentira descarada. Assim mesmo. Nem mais, nem menos. Documentos da defesa e dos Tribunais citados por fontes do jornal atestam que a equipa de Joel Leonardo enganou propositadamente a presidente do Tribunal de Constitucional.

Em causa, o conhecido caso 500 milhões. Depois de ver a decisão da sua corte de anulação do Acórdão do Supremo desrespeitada, Laurinda Cardoso aguardou para, ao que se percebe, respeitar procedimentos. A defesa recorreu da determinação do Supremo em ignorar a sentença do Constitucional e este ficou à espera que o Tribunal de Joel Leonardo lhe enviasse os autos. Os dias transformaram-se em semanas, as semanas em meses... E nada.

Laurinda Cardoso viu-se obrigada a escrever a Joel Leonardo, exigindo que lhe enviasse os autos, face ao novo recurso. Mas o processo não subiu com a justificação de que os advo- gados estavam a consultá-lo. Tudo mentira. São os documentos que o dizem. Quando Laurinda Cardoso deu ordens ao Supremo para que lhe entregassem os autos, a defesa já havia prescindido formalmente da consulta. É como fazem questão de ilustrar as fontes citadas na peça do jornal: Laurinda Cardoso foi "deliberadamente enganada".

Mas, não. Na verdade, não é o caso. É o Tribunal Constitucional que, mais uma vez, foi propositada e escandalosamente desrespeitado. No estado da Nação de João Lourenço, a justiça é, entretanto, outra coisa. Não é a mesma que é contestada contundentemente por Serra Bango, da AJPD, que deplora as denúncias dos pactos de silêncio que o regime apresenta aos presos de consciência como condição para merecerem a liberdade condicional.

Não é a justiça que vai levar a AJPD a pronunciar-se sobre o caso do empresário São Vicente que, sem nenhuma justificação fundada, lhe é recusado o direito à liberdade condicional. A justiça do estado da Nação de João Lourenço não é a tal que Serra Bango diz estar gangrenada. Uma gangrena na perna e que deixa os médicos com dúvidas sobre onde cortá-la de modo a salvar, pelo menos, parte dela. Se não fosse trágico, diríamos que era cómico. No mínimo. Valor Económico

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