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Sábado, 11 Dezembro 2021 12:36

O Mirex: diplomacia cultural e científica

Diplomaticamente falando o «sistema internacional» cada dia que passa se está tornando duas vezes mais exigente, de um lado assistimos o domínio da Economia, do outro lado assiste-se o crescimento da indústria bélica, e hoje verifica-se também a ascensão do poder cultural (soft power), onde as grandes Nações tentam directa ou indirectamente influenciar outros povos com o seu estilo de vida, tradição, costumes, danças, ritmo musical, roupas típicas culturais, modo de pensar e de agir.

                Tudo isso leva-nos a reflectir e a perguntar o seguinte: em que ponto Angola está em termos de diplomacia cultural? Será que as nossas tradicionais locais já são bem conhecidas pelo Mundo fora? Ou temos ainda grandes problemas de identidade cultural? Essas questões devem ser feitas, ao mesmo tempo devemos parar pra pensar e traçar novas estratégias eficientes para darmos solução à complexidades desta natureza.

                Dizia Milton Cummings: “A diplomacia cultural é a troca de ideias, informações, valores, sistemas, tradições, crenças e outros aspectos da cultura, com a intenção de promover o entendimento mútuo, tendo como objectivo construir uma confiança sólida entre os Estados e manter um relacionamento de longo prazo”. 

                Se olharmos pra países africanos como: República Democrática do Congo, Ghana, Senegal, África do Sul, Nigéria, Tanzânia, Costa do Marfim, Quénia, mesmo o Burundi, Malí, Etiópia, Ruanda, Togo, e tantos outros países africanos, é fácil perceber que esses países têm uma sólida identidade cultural, e estão mais avançados do que nós em termos de Diplomacia cultural. Os ocidentais conhecem bem esses países, apreciam as suas danças, vestimentas e o seu modo de se comunicar.

                Só pra dar mais um exemplo, a língua Amárica (lingua tradicional da Etiópia); a língua Suaíli uma língua cultural falada em países como: Tanzânia, Quénia, Burundi, Ruanda, Moçambique, Somália, Zâmbia, Congo e Comores; a língua Mandinga denominada também por Mandinka, uma língua falada no Senegal, Guiné Bissau e Gâmbia. Essas línguas tradicionais africanas são ensinadas em muitos países europeus, os ocidentais interessam-se por essas línguas, pra não citarmos outras línguais culturais africanas como: Kinyarwanda, Badjara, Kirundi, Balanta, Kasanga, Manjaco, Mancanha, são línguas faladas por milhares de africanos dentro e fora de África.

                A língua é parte de uma cultura, enquando vários países africanos em termos de diplomacia cultural deram passos gigantescos e continuam dando, Angola continua regredindo cada vez mais, em parte por causa da incompetência dos nossos diplomatas.  

                O MIREX precisa redobrar os seus esforços, os departamentos de imprensa e departamentos culturais das nossas Embaixadas, devem empregar novas dinâmicas para mudar esse quadro da nossa diplomacia cultural, por exemplo uma das formas para esse fim seria expandir significativamente e amplamente a nossa música como o Semba, a kizomba e o kuduro, temos que ir além dos palops.

Sempre na mesma direcção é necessário que as nossas instituições diplomáticas sob a coordenação do MIREX e do Ministério da cultura, registrassem de uma vez para sempre a autoria dos nossos géneros musicais e danças nas instituições culturais nacionais lá onde somos acreditados, isso evitará que percamos a autoria de País criador desses estilos, é necessário que a opinião pública estrangeira saiba que Angola culturamente tem um grande potencial e que é um País que valha pena investir.

                Noto que o MIREX pouco se preocupa com essas coisas acima descritas, em particular os nossos Adidos da cultura de regra geral preocupam-se muito mais em organizar festas (os reis das maratonas), não é completamente errado organizar festas, não há mal nisso, até porque as festas de qualquer forma ajudam também na promoção da cultura, através da música em si, das danças e dos pratos típicos nacionais.

O grande problema nisso tudo é que os nossos diplomatas exageram nas festas (hoje não tanto por causa da covid-19), amam mais maratonas e convívios do que leituras. O objectivo principal da diplomacia cultural tem mais haver com a interação e intercâmbio cultural com outras nações e povos em quase todos os aspectos nas áreas da educação, da política, da cooperação ao desenvolvimento, etc, é alí onde o MIREX devia focalizar-se e empenhar-se duas vezes mais.

Angolanos têm a fama de não gostarem de estudar (dentro e fora do País), culturamente falando isso é muito grave e vergonhoso. Felizmente não faço parte dessa lista, passei o tempo todo no topo do quadro dos melhores estudantes nas Universidades de Roma, dava e dou aulas e explicacões aos ocidentais, fui melhor do ano em várias ocasiões com médias acima do normal, tudo isso pra dizer que precisamos desfazer essa má fama e fraqueza ligados aos estudos porque isso também tem haver com cultura.

Os nossos Adidos culturais precisam incentivar às nossas comunidades da diáspora a terem mais amor à leitura, à entregarem-se mais ao mundo académico-científico, ao mundo das pesquisas em vários ramos do saber tais como: Economia, Direito, Diplomacia, Ciências Militares, Sociologia, Comunicação e Marketing, Política Internacional, Psicologia das Organizações, Relações Públicas, Engenharias, etc.

Mas em parte o grande problema está no facto que as nossas Embaixadas não têm grandes bibliotecas, têm bibliotecas de fachada, podemos chamá-las de bibliotecas decorativas. Não quero parecer arrogante nem politicamente incorrecto, mas Eu sozinho tenho mais conteúdos científicos em relação às bibliotecas das nossas Embaixadas, se alguém tiver dúvidas que prove o contrário (direito de resposta), podemos tranquilamente de forma aberta e diplomática debater sobre isso, porque na visão de muitos universitários (angolanos e estrangeiros) é mais fácil procurar o PhD Leonardo Quarenta do que irem às bibliotecas das nossas Embaixadas, porque por lá de regra geral não encontram exactamente aquilo que procuram, ou seja não encontram nada.

As bibliotecas das nossas Embaixadas são limitadas em termos de materiais didáticos e de pesquisas científicas ligadas à várias áreas do saber, podes encontrar uma e outra coisa, um e outro livro razoável, mas é tudo de forma muito genérica e limitada. Passei toda a minha vida a estudar, passei o tempo todo defendendo teses atrás de teses, sei o quanto é importante termos bibliotecas de qualidades com materiais que satisfaçam o interesse de pesquisadores de várias áreas e direcção universitárias e científicas.

Cultura é tudo isso: a cientificidade é cultura, estudar é cultura, ler é cultura, música é cultura, respeitar os outros é cultura, mas o grande fracasso da nossa diplomacia cultural não é apenas culpa da incompetência dos nossos Adidos culturais e Embaixadores, a raíz do problema é conjuntural, começando pela Administração central do MIREX por não terem um projecto político-diplomático sólido em prol do bom funcionamento do Ministério e das suas instituições diplomáticas; por outra até o momento não existe no MIREX uma liderança estratégica que seja em grado de catapultar a nossa diplomacia; enfim ninguém tem coragem suficiente para pôr ordem no Ministério, sendo assim, a nossa diplomacia cultural e científica em parte só será possível com novas lideranças no MIREX, nas nossas Embaixadas e Consulados.

De qualquer forma uma das minhas outras sugestões, é que as nossas Embaixadas deviam procurar colaborar com as nossas comunidades, pedindo à comunidade que doassem livros didáticos e científicos, livros de diferentes conteúdos, matérias ou cursos, esses livros seriam colocados nas bibliotecas das nossas Embaixadas. Por outra que se organizasse vários seminários e convénios com várias comunidades ocidentais com temais diversos, onde possam debater sobre cultura, sobre educação, sobre economia internacional, segurança global, cooperação estratégico-militar, cooperação político-jurídica, sobre globalização e Finanças, etc.

O MIREX só dará passos significativos se houver trabalho árduo por parte de todos os funcionários do Ministério, a liderança da instituição deve ser forte e capaz de tomar grandes decisões em prol da nossa diplomacia. Uma grande liderança não deve nunca ter medo de tomar decisões difícies, o que está em jogo são os resultados, em política tal igual em diplomacia os resultados são a única coisa que importa, mas os resultados não aparecerão se não forem aplicadas estratégias eficientes e racionalizadas.

Enfim, temos muitos estrangeiros nas nossas Embaixadas e Consulados (já falei disso várias vezes em outros artigos), isso além de representar um perigo para o nosso Estado (por causa da espionagem e fugas de informações), isso nos torna também inatos mentais, porque devíamos valorizar primiro os nossos cidadãos, a nossa própria cultura, dar emprego aos filhos da Nação só depois o resto. Não fica bem um cidadão angolano ligar pra sua prórpia Embaixada mas quem te atende o telefone é um estrangeiro. Não estou a dizer que não se pode empregar um e outro estrangeiro, mas se deve dar prioridade ao Nacional, chega de sermos inatos mentais (ignorantes, ingénuos, assustados), Angola não precisa disso, se não nos valorizarmos quem vai nos valorizar?

Tudo isso tem haver com cultura, não façam como o Embaixador Paulino Domingos Baptista (Embaixador de Angola junto à Santa Sé-Vaticano), que na sequência da visita do Presidente da república João Lourenço à Roma em 2019, o Embaixador em vez de chamar um angolano ou angolana para traduzir ou explicar em português os factos históricos durante os passeios do Presidente aos museus e basílicas, preferiu contratar uma brasileira em vez de angolana. Infelizmente ainda somos inatos mentais, nunca um Embaixador brasileiro ou de qualquer outro País teria a coragem de fazer isso, sabem porquê? Porque valorizam e respeitam o seu próprio povo.

Fica evidente o quanto somos atrapalhados e ignorantes, ainda temos problemas de inferioridade cultural, não respeitamos aquilo que é a nossa cultura, não valorizamos aquilo que é nosso, desse jeito quando é que teremos identidade cultural? Seremos inatos mentais até quando? É por causa disso e de outras situações que a nossa diplomacia não dá passos, além da incompetência e da pouca formação político-diplomática, temos ainda graves problemas de identidade cultural. Inatos mentais!  

N.T: O Projecto do MIREX em inserir quadros angolanos nas organizações internacionais foi um fracasso total.

Eu e a Diplomacia, a Diplomacia e Eu

Elite Intelectual Diplomática

Por Leonardo Quarenta – O Diplomata

PhD em Direito Constitucional e Internacional

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