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Segunda, 21 Junho 2021 14:41

Fraude eleitoral inevitável. Onde está a fúria do povo para travar

As próximas eleições gerais em Angola, estão previstas para 2022. Os angolanos já foram às urnas para escolher os deputados e o presidente da república por quatro vezes: em 1992 (primeiras eleições gerais depois da institucionalização do multipartidarismo), 2008 (apenas legislativas), 2012 e 2017 (eleições gerais).

Todos os processos foram “ganhos” pelo MPLA e contestados pela oposição. Já se discute em Angola qual poderá ser a contribuição do cidadão para evitar a fraude eleitoral no próximo pleito.

O Observatório de Imprensa, conversou com cidadãos e especialistas sobre como o cidadão poderia contribuir para se evitar uma possível fraude no próximo escrutínio de 2022. “Mudar o presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Trocar as empresas que gerem ou controlam os ficheiros informático (INDRA e outra que não me vem à memória”, começa por dizer Graciano Afonso.

Também Gonçalves Pedro, outro cidadão angolano, residente na capital, exige o exercício de pressão por parte dos vários actores da sociedade, com vista à exoneração do presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, para se evitar uma possível fraude, alegada sempre pela oposição angolana em todos os pleitos.

“Para se evitar fraude eleitoral na próximas eleições 2022 é muito simples: alteração da Lei Eleitoral. O partido no poder tem que perder o controlo absoluto da CNE. O Senhor “Manico” tem que sair dai. Caso não aconteça, então será difícil”, prevê Pedro.

Graciano Afonso, vai mais longe e defende o escrutínio dos votos ao nível das circunscrições municipais do país. “Os votos devem ser contados localmente, isto é, no município. Não pode ser enviado logo para nacional”, revela.

Muitos têm defendido o reforço na educação eleitoral dos cidadãos para que se possa fazer esta fiscalização, “Eu acho que o desgaste do poder, acelerou a educação cívica do povo, lá onde nunca pensei que se exerceria cidadania”, conclui Graciano Afonso.

Processos são complexos em Angola?

David Sambongo, analista e politólogo angolano, diz que os processo eleitorais em África são sempre complexos e, em Angola não foge à regra. Por isso, entende que a sua fiscalização é um pouco difícil: “Contudo, não obstante esta situação, sou da opinião que os partidos políticos que tencionam desalojar o MPLA do poder, devem organizar-se. Precisam criar um conjunto de meios técnicos, logísticos e humanos no sentido de estarem à altura dos desafios eleitorais”, disse. Ou seja, “os partidos políticos na oposição devem começar, já, com o processo de recrutamento de delegados de lista, com trabalho de sensibilização para o voto seguro e a indicação ou nomeação dos cabos eleitorais”.

Todas as eleições angolanas, foram sempre observadas pela comunidade internacional que, apesar das reclamações da oposição, consideraram sempre eleições “justas e transparentes”. Sambongo, afirma que estes organismos cumprem apenas com o “papel que lhes convém”. “Até porque, independentemente da lisura e transparências das eleições, os observadores internacionais são limitados pelo princípio do Direito Internacional de não ingerência”.

Em suma, acrescenta: “apesar do importante papel que os observadores internacionais desempenham, a maior responsabilidade da fiscalização dos processos eleitorais é dos partidos, da CNE, do Tribunal Constitucional e dos cidadãos”, finalizou.

O que é fraude eleitoral, afinal?

Em primeiro lugar, coloca-se a questão da percepção das organizações e dos cidadãos sobre fraude eleitoral, como explica Luís Jimbo, do Instituto Angolano para Sistema Eleitoral e Democracia, em declarações ao Observatório de Imprensa: “[…] a forma como os partidos políticos abordam e levam a mensagem pública sobre o debate em torno da fraude, não é verdade na forma como se deve compreender o que é uma fraude eleitoral, porque os partidos político evocam a fraude como qualquer irregularidade”, disse, “a fraude eleitoral é o resultado de um conjunto de irregularidades durante o processo eleitoral e essas irregularidades conduzem a uma alteração deliberada dos resultados eleitorais”, esclareceu.

“Lei proíbe aliciamento financeiro”

Luís Jimbo, entende que para se contribuir na questão é necessário ter-se consciência dos actos eleitorais ilícitos, isto é, de qualquer prática que não deva ser realizada durante o processo eleitoral. “Estes actos ilícitos, estas práticas, têm de ser denunciadas, têm de ser apresentadas às instâncias vocacionadas para esse fim, no caso, o Tribunal Constitucional”, esclareceu.

Luís, aponta um exemplo daquilo que deveria constituir a consciência cívica eleitoral do cidadão comum: “Por exemplo, um membro do partido político, durante a campanha eleitoral, não pode distribuir ou aliciar com bens materiais ou dar dinheiro porque a lei proíbe o aliciamento financeiro durante a campanha eleitoral. E, é nestas ocasiões, que o cidadão pensa que tem de aproveitar e receber gratificações dos partidos políticos e do governo e tem facilidade em realizar certas coisas. Mesmo sabendo que é ilícito, o cidadão prefere isso, do que fazer uma denúncia”, acrescentou.

Desenho da justiça eleitoral

Para este especialista em questões eleitorais, o outro problema está ligado ao acesso À justiça eleitoral. Por um lado, só o Tribunal Constitucional pode resolver os ilícitos eleitorais, por outro, apenas os partidos políticos e a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), podem apresentar queixas àquela instância de justiça. “Um cidadão comum, ao ver uma irregularidade; as organizações da sociedade civil, observando ou constatando um ato eleitoral ilícito, não têm faculdades nem legitimidade para apresentar uma queixa ao tribunal. Nesse caso, esses vários atos ilícitos, que poderiam observar-se e levar a censura da fraude, poderiam alterar o resultado civil a partir da ação da sociedade civil e do cidadão, mas não é possível”.

Ou seja, apenas os partidos políticos podem provar e, com substância de caso a caso, num processo de contencioso eleitoral. Primeiro na Comissão Municipal Eleitoral, depois fazendo um recurso para Comissão Provincial Eleitoral e, finalmente, depois de apreciado na Comissão Nacional Eleitoral, vai ao Tribunal Constitucional angolano. “Considerando que, no nosso sistema, só os partidos têm legitimidade de apresentar reclamações, também é um processo desgastante e exigente do ponto de vista da organização e da celeridade. Leva muito tempo.”

Segundo Luís Jimbo, são estas e outras razões que fazem com que os partidos encontrem outros meios de denunciar a suposta fraude eleitoral. “Para os partidos políticos, mais vale promover uma suspensão de fraude na cabeça dos cidadãos através dos órgãos de comunicação social ou através de várias outras formas de fazer pressão do que, verdadeiramente apresentar os casos e conduzir os casos em tribunal para que se obtenha uma decisão final.”

Possíveis soluções para conflitos eleitorais

O também especialista em resolução de conflitos é de opinião que já é altura de se alterar o sistema de resolução de conflitos eleitorais. “Passando para um sistema em que os tribunais de comarca podem, sim, decidir lá, naquelas circunscrições onde ocorreu a reclamação e depois haver recurso da decisão perante os tribunais, nesse caso, até à última instância.”

Luís Jimbo, não tem dúvidas de que as redes sociais como, por exemplo, Facebook e WhatsApp serão usados, nas próximas eleições, para denunciar irregularidades nas mesas de voto, onde, além de outros observadores, estarão também membros de partidos políticos.

“E essa questão promove e alimenta a suspensão de fraude. Por isso, é que as redes sociais, quando bem utilizadas, têm um grande potencial para a elevação da educação cívica eleitoral. É uma forma de promover a justiça e a credibilidade eleitorais. Quando mal utilizadas, também aumentam os níveis de suspensão da credibilidade eleitoral”, disse.

Estas denúncias, nas redes sociais, deverão ser bem-vindas desde que estejam acompanhadas de uma verdade eleitoral. “É preciso que seja acompanhado com um mecanismo que averigue a informação e lhe dê resposta imediata.”

Manuel Luamba / Jornalista.

Observatorio da Imprensa

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