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Sábado, 25 Abril 2020 00:02

Mudar é urgente. A bem da nação

Existe uma relação intrínseca entre ler, pensar e escrever. Tudo isso combinado ajuda a melhor viver. Sim, mesmo que alguns duvidem, inclusive leitores ferozes e hábeis escritores, autores e intelectuais, estas actividades são muito importantes para uma vida mais plena e segura.

Mas nem sempre ler faz bem, nem sempre traz segurança. Ou melhor: Há leituras que devemos evitar. Existem escritos que fazem mal, matam aos poucos os leitores: Recentemente os autores deste texto passaram mal após degustarem um artigo de opinião. Além de faltar o sal, a cozedura, estava envenenado.

Decerto que muitos outros leitores tiveram a mesma experiência. Foi preciso tomar Remédios para acabar com o mal estar: Ler trechos de "O Público e o Político" de Paulo C.J Faria, um artigo sobre os Direitos Humanos de Matheus de Carvalho Hernández, a análise sobre o processo de democratização em Angola, em "Transição pela Transação" de Nelson Domingos Antônio e preparar uma dose mais abrangente para eventuais recaídas com os escritos de Sérgio Dundão, Francisco Kapalu Ngongo, Nelson Pestana, Elísio Macamo, Boaventura de Sousa Santos, Achille Mbembe, Jürgen Habermas e Luís Felipe Miguel.

Este acontecimento dramático gerou uma acesa discussão entre os autores que, finalmente, chegaram a uma conclusão: Temos que fazer um apelo aos autores irresponsáveis!

Existem no mundo, particularmente em Angola, autores talentosos. Para eles, escrever “é tão fácil como beber água”. Embora não seja o nosso caso, sabemos qual é o segredo para melhor escrever. Uma insigne, mas discreta personalidade angolana confidenciou-nos: Querem escrever melhor? O segredo é ler e escrever com frequência e intensidade, frisou. Não foi nada de novo. Mas vindo daquela figura o apelo teve mais peso – as nossas subjetividades promovem isso.

Mais do que escrever sobre textos onde respeita-se a gramática portuguesa, importa-nos abordar sobre a estranha e sombria tendência de muitos autores em não serem inovadores ou relativamente originais.

Em Angola, o nível de comunicação académica escrita (livros, artigos científicos) é muito baixo. Em África estamos no rol dos que menos escrevem e publicam. Para piorar, ao nível do Estado, existem poucas iniciativas para reverter este quadro. De acordo com a Ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria Sambo, Angola gasta menos de 1% do PIB na produção científica. Para termos uma noção mais concreta ao nível da região, neste aspecto Angola – muitas vezes concebida como potência regional – está abaixo de países como o Malawi (exemplo referido pela própria Ministra). Em 2015, de acordo com a UNESCO registava apenas dois artigos por um milhão de habitantes. Por sua vez, a África do Sul havia publicado mais de cem artigos em revistas internacionais.

Essa realidade não deve orgulhar a classe académica angolana. E agrava-se, outrossim, pelo facto de se verificar uma extrema pobreza analítica sobre os assuntos mais atuais, consequentemente, Angola perde muitos factos, ocorrências e fenómenos, que deveriam ser teorizados para explicar melhor a realidade angolana, tendo em conta as suas especificidades, ao invés de abordagens inteiramente baseadas em contextos exógenos.

É muito importante que os angolanos escrevam sobre Angola e expandam as suas visões sobre África e o mundo. Contudo, a motivação não deve ser "escrever por escrever" ou para aparecer. Caso contrário, é um acto irresponsável.

Não estamos a falar de deficiência estilística ou gramatical, isto é menos relevante, pois muitos textos analíticos são muito bem escritos, os erros gramáticais são poucos ou inexistentes, mas a sua leitura não é agradável. Entretanto, o grande problema reside na construção de ideias sólidas, com padrões referenciais, análise profunda e que não cai “vala comum das opiniões”. Isso ocorre em jornais impressos, nas plataformas de informação digital e a pobreza das ideias vai mais além.

Existem muitas razões para escrever e publicar um texto ou um trabalho mais denso. Nem todos fazem-no para esclarecer, analisar ou criticar objectivamente um assunto e elevar a qualidade do debate. Existem os“escrevedores”, aqueles que «ESCREVEM POR ESCREVER», porquanto, não tem nenhum compromisso em produzir um conhecimento ou visão sobre a realidade angolana que seja inovadora ou que incita reflexão profunda sobre determinado assunto. Os textos produzidos por tais pessoas não causam nenhum estímulo intelectual. Baseiam-se em argumentos óbvios. Basta conhecer o autor e ver o tema, e já se pressupõe do que o texto retrata e o seu nível de baixaria. Nestes casos a leitura pode ser perigosa. Há uma sensação de desprazer, perca de tempo e arrependimento porque não se reconhece o esforço do autor em acrescentar contribuições positivas para a elevação do debate. Não se nota o amor a actividade intelectual. Como bem expressou Lima Barreto, um clássico da literatura brasileira: "A glória das letras, só a tem quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega".

Todavia, o problema que estamos a levantar não é, necessariamente, a falta de talento ou incapacidade intelectual dos autores. Ninguém é intelectualmente capaz ou incapaz por natureza. A capacidade aprende-se e aprimora-se ao longo do tempo. Para escrever bem e com profundidade é necessário fazermos um compromisso moral com nós próprios e comprometermo-nos com a verdade. Fernando Gomes, um conhecido activista, reitera nas suas intervenções que “Mudar é urgente. A bem da nação”. É necessário uma verdadeira mudança de paradigma ao nível das estruturas do Estado para que se garanta um ambiente mais propício para a ciência e educação ao favor do desenvolvimento de Angola.

Aos autores e autoras, sobretudo os jovens, deixamos o nosso apelo: Não escreva para aparecer na mídia. Seja responsável. CAPACITE-SE, ou melhor,  CCAPACITEMO-NOS.

#KUTALANGOLA

Hotalide Domingos e Edmundo Gunza

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