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Terça, 01 Abril 2014 21:45

O povo continua a passar mal nos nossos hospitais

Apesar dos grandes investimentos feitos, não há ainda resultados que permitam dizer que o nosso sector da Saúde já não está doente.

Com a realização de grandes investimentos na Saúde, com particular incidência na primeira década de paz, uns da inteira responsabilidade do Governo (antes e depois das eleições), outros com parceria externa, não há como ficar sem admitir que ocorreram melhorias e progressos no nível de prestação do serviço.

Contudo, também não há como contestar os argumentos de que tudo quanto se fez ou se faz ainda, e que até temos reportado, salvo nalguns domínios de especialidade que contam com a parceria público-privada, existe um longo caminho por percorrer, particularmente no que toca à formação e à admissão de quadros, aquisição, domínio e manutenção de meios de diagnóstico. Mas, como em tudo, esse percurso também começa por um passo. E, se já foi dado com a construção e apetrechamento de várias unidades, algumas das quais para tornar os serviços mais acessíveis à população, é necessário complementá-lo com outras acções, para que esse investimento represente, efectivamente, evolução e melhorias.

Porém, o que se pode constatar em vários domínios é que, acima de tudo, a falta de autoridade da parte dos gestores dos nossos hospitais acaba por minar esse esforço. A recorrente falta de humanização nos serviços, os maus-tratos infligidos aos doentes, a degradação das instalações e dos meios resultam, em parte, do fechar de olhos de quem tem responsabilidades de gerir. Não é do ministro! E nessa cadeia de atropelos, principalmente à ética médica, os médicos e enfermeiros- chefes acabam como cúmplices da anarquia, silenciando desobediências e falta de profissionalismo. Recentemente, em Benguela, ficámos horrorizados com narrativas sobre o funcionamento do Hospital Geral.

A qualidade do atendimento (e das instalações) decaiu e o sector de traumatologia (ortopedia) é dos que, segundo informações recebidas, prestam piores serviços. A enfermaria, como confirmámos na tarde de um domingo, parecia o mercado da Caponte. Um doente, vítima de atropelamento por um kupapata, a quem já foi dada alta, arrastase há um ano de casa para o hospital com a perna no gesso e uma ferida. Como relatou, ninguém diz nada, porque a médica foi a Cuba em gozo de férias. Esse homem, que tem necessidade de voltar a trabalhar, não sabe sequer a que pessoa deve recorrer. E isso é mau!

As portas das direcções dos hospitais devem estar abertas a cidadãos com necessidade de reclamar para se perceber e se resolver tudo. Essa deve ser a postura responsável de um gestor público. Mas, este é só um caso que atesta a falta de qualidade dos nossos serviços médico-hospitalares, quer nas unidades públicas, quer nas privadas. Tornam-se indiferentes entre salvar uma vida ou deixar morrer o paciente. A saúde transformou- se num dos negócios mais rentáveis dessa nossa nova era de comércio e impunidade (salvo para jornalistas).

Por isso, indefesos, impotentes, amordaçados, extorquidos, estrangulados pela dor da perda de um familiar, os cidadãos continuam a não saber a quem recorrer, à busca de auxílio ou de justiça. Também é verdade que o sector da Saúde acaba por ser o tanque para onde se descarregam os problemas ou o resultado do mau desempenho de outras instituições. Entretanto, pela carga de sensibilidade que envolve esse exercício, deve existir, da parte de quem funciona nos hospitais e nas clínicas, o perfeito domínio da diferença que há entre tratar de um ser humano, salvar uma vida e reparar uma máquina ou fazer negócio.

E, na generalidade, há quem pareça não saber que existe e é enorme. Que o digam as dezenas de parturientes que passam pelas nossas maternidades e clínicas. Infelizmente, ainda ocorre muita insensibilidade.

Ramiro Aleixo

Agora

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