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Segunda, 17 Março 2014 08:05

A ilusão dos números da riqueza e o bolso (estômago) do cidadão

Angola pode estar incluída entre os agora chamados leões africanos, com taxas de crescimento médio do PIB acima dos 5,5%.

A holding estatal do petróleo (Sonangol) - apesar de ter registado uma quebra das vendas em 2013 não muito distante dos 4 mil milhões USD, 11% menos do que em 2012 - pode anunciar, segundo o PCA, Francisco de Lemos Maria, um lucro próximo dos 3 mil milhões USD. Mas, esta mágica dos números do crescimento não possui o mesmo reflexo no bolso do cidadão e no desenvolvimento real.

Entretanto, ficámos a saber, também na semana passada, que Angola tem um défice de cereais de 3 milhões de toneladas. Notícias contraditórias, mas que reflectem sobre a realidade de um país onde a ilusão dos números do crescimento económico escondem debilidades estruturantes que irão condicionar o desenvolvimento sustentável do país, exibindo modelos que a experiência doméstica e alheia já não aconselha.

Segundo o director-geral do Instituto Nacional de Cereais (Incer), o défice de cereais no país está estimado em 3 milhões de toneladas, sendo a produção actual de 1,5 milhões, conforme rezam as revelações feitas pela Angop. Ficámos, igualmente, a saber que a actual produção não atinge os 40% das necessidades de consumo, percentagem que poderá chegar a 90% dentro de três anos, se forem considerar os números relativos a cereais inscritos no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017, segundo o qual "Angola deverá estar a produzir 3,52 milhões de toneladas de cereais em 2017", acrescentou Benjamim Castello.

O busílis da questão, segundo Castello, é que, mesmo importando os três milhões de toneladas de cereais em falta, Angola não ficará suficientemente abastecida, considerando os constrangimentos inerentes ao processo de importação e de distribuição do produto. Este problema afecta ainda a produção de ovos e de carnes, como explica o director-geral do Incer: "Se quisermos ser auto-suficientes na produção de ovos e de carnes, temos de investir na produção de cereais, pois a alimentação de aves e gados é 80% composta por cereais".

Aqui chegados, podemos avaliar o problema de outro ângulo. Segundo o último relatório do OPSA e da ADRA sobre o OGE 2014, rubrica da " agricultura, silvicultura, pesca e caça" sofre um corte de 20,7% para Kzs. 59,2mil milhões, equivalentes a 0,8% dos gastos totais do Estado " - contrariando as anunciadas intenções de fortalecer as políticas de desenvolvimento agrícola no âmbito da diversificação económica.

O que, como se explica no documento supracitado estaria defendido, em tese, na denominada " Estratégia de Longo Prazo 2025, hoje considerada a linha fundamental do rumo do País, é clara relativamente à importância da agricultura e da segurança alimentar para a sustentabilidade do país" Uma estratégia que sugere que "a resposta à rede de problemas e dificuldades por que passa Angola não pode deixar de estar centrada na agricultura familiar-camponesa e no desenvolvimento das comunidades rurais".

Não deixando de reconhecer a necessidade de se admitir que tem de haver lugar para a empresa agrícola, a Estratégia salienta que a agricultura familiar "é essencial para assegurar o abastecimento, em larga escala, de alimentos ao mercado interno, nomeadamente em carne, leite e cereais", e que "a prioridade na afectação de recursos, nomeadamente públicos, não pode deixar de estar concentrada na economia familiar-camponesa, factor determinante da coesão social e nacional".

Ora, o que assistimos, como igualmente se afirma no relatório do OPSA e da ADRA, é que "a prática tem sido muito pouco coerente com estas decisões e opções". Vale a pena reter-nos no OGE de 2014, no qual a rubrica "Agricultura, Silvicultura, Pesca e Caça" sofre um corte de 20,7% para Kzs59,2 mil milhões, equivalentes a 0,8% dos gastos totais do Estado.

A redução em relação a 2013 não é coerente com as sucessivas declarações das lideranças que não se cansam de afirmar que a agricultura constitui uma prioridade central face ao seu potencial em termos de criação de emprego e, consequentemente, no combate à pobreza. Mas, o que se passa em 2014 é apenas a continuação de uma prática anterior, como se pode ver pelos dados desde 2008 e indicia que não há aposta séria na agricultura".

E o documento continua enumerando, em seguida, a preterição da agricultura familiar em detrimento de uma agricultura dita empresarial baseada em projectos megalómanos duvidosos estimados no valor aproximado de cem mil milhões de Kwanzas que consomem mais de 80% das verbas alocadas à produção agrícola, mas com resultados geralmente medíocres.

É hora de repensar o nosso modelo de desenvolvimento. Amanhã pode ser tarde!

Por Mário Paiva

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