Ora, tal sucessão de actos, exige que se reflita e se debruce sobre esta matéria, de facto, tendo como de partida a ”Estratégia de Implementação das Autarquias” defendida pelo Ministro MATRE, que passo a citar:
1 ª Fase: “ Reforço da descentralização administrativa”;
2 ª Fase: “ Implementação do I grupo de Autarquias locais ”;
3 ª Fase: “ Aumento Gradual do número de Autarquias ”;
Nestes termos e, na qualidade de humilde cidadão da Província de Luanda e Munícipe Rangelense, certamente se deduz que muito se deve explicar e compreender, pois à partida estratifica-se o País pelo “Município bom e o Município Mau” para as Eleições Autárquicas, contudo, devemos entender que esta caracterização e estratificação apenas para fins partidários e eleitoralistas, e não pelos critérios de níveis de desenvolvimento e de infraestruturas, nem pela capacidade de arrecadação de receita de em média de pelo menos 15% da despesa pública orçamentada nos últimos três anos, como pretende ser “executado” e /ou demonstrado pelo Executivo.
Uma vez mais, continuamos a privilegiar as províncias mais desenvolvidas em detrimento das “esquecidas“, ao longo dos tempos, assoladas pela guerra, secas e epidemias humanas, socias agrícolas e atmosféricas, concorrendo para o aumento das assimetrias regionais, tornando as Províncias ricas em mais ricas e as Províncias pobres em mais pobres.
No entanto, se chega a tal primária conclusão, porque é consensual pelo nosso legislador, bem como pelas doutas opiniões da nossa praça, que:
- Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos “ a soberania popular” “ unidade nacional“ e “ Democracia representativa e participativa”;
- “A soberania, una e indivisível, pertence ao povo, que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico…”, e finalmente que,
- O poder político deve ser exercido por quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, nos termos da Constituição e da Lei.
Assim, as autarquias locais são “pessoas colectivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos de respectivas populações”, sendo que a sua organização e funcionamento bem como a competência são reguladas por lei em harmonia com o princípio da descentralização administrativa, nos termos do art.º 217º da Constituição da República de Angola (CRA) e da Lei n.º 15/16 de 12 de Setembro que veio revogar a Lei n.º 17/10 de 29 de julho, bem como, extensivamente, a Lei n.º 18/16 de 17 de Outubro.
Devemos entender que a Administração Local do Estado como a exercida por órgãos desconcentrados da Administração Central, visando assegurar a nível local a realização das atribuições e dos interesses específicos da administração do Estado na respectiva circunscrição administrativa.
Neste contexto o legislador Constituinte se tem debruçado, de facto, durante todo o nosso constitucionalismo democrático, na preparação das condições político – administrativas para descentralização do poder central com vista a realização de eleições Autárquicas pelo Executivo, cessando a 1ª fase denominada pelo “ Reforço” da descentralização administrativa”, aliás, ajustada com o pacote legislativo autárquico, nomeadamente, leis orgânicas sobre a organização e Funcionamento das Autarquias Locais, das Eleições Autárquicas, sobre a Institucionalização das Autarquias locais, das Finanças locais e sobre a transferência, atribuições e competências, conforme “obriga” a Lei Constitucional.
Porém, o princípio da autonomia local compreende o direito da capacidade efectiva, das actividades autárquicas locais gerirem e regulamentarem, nos termos da constituição e da Lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais, pelo que os seus recursos financeiros deverão ser proporcionais às atribuições previstas pela Constituição ou por Lei, bem como aos programas de desenvolvimento aprovados.
Por outro lado, está e deve ser, legalmente estabelecido que parte dos recursos financeiros das Autarquias Locais devem ser provenientes de rendimentos ou de impostos locais, a parte da dotação orçamental para o poder local, in art.ºs 213º e ss da CRA.
Na realidade o País tem Governos de Província, Administrações Municipais e Comunais, e Direcções Provinciais de cada Ministério que já estão dotadas de infra-estruturas como parte do aparelho descentralizado do Estado, Recursos Humanos que com a sua devida recolocação, engajamento e adaptadas a nova realidade, podem naturalmente abraçar o desafio das Eleições Autárquicas, por excelência, mas que o Executivo, insiste e usa esta fase para “ganhar tempo”, num processo que tende a ser célere.
No que tange, a dita descentralização pretendida, em que as Autarquias Locais apenas se organizarão nos Municípios, me parece curta e ardilosa, porque será uma descentralização “mitigada”, parcialmente eficaz e não desconcentrada, pois irá permanecer a figura do Governador de Província que é o Representante da Administração Central na respectiva Província, a quem incumbe, em geral, conduzir a governação da Província e assegurar o normal funcionamento da administração do Estado.
Este é, por sua vez, nomeado pelo Presidente da República, por quem responde politica e institucionalmente, em detrimento de um Presidente Municipal escolhido pelo Povo daquela área de circunscrição.
Escusado será dizer que sobreviverá o Município “amigo” do Governador.
Pois ao falarmos na desconcentração e decentralização do aparelho do Estado, devemos ser mais ousados Sr. Ministro MATRE, pois Poder Local deve ter autonomia sim, porque o cidadão naquela Província deve ter o direito e liberdade de escolha de quem o vai Governar politicamente, e quem irá resolver os problemas daquela circunscrição, sem estar limitada nos interesses e/ou desinteresses de um Governador da Província.
Por falar em escolhas, como foi dito anteriormente, não devemos coartar este direito do sufrágio, pois também devemos realizar eleições baseadas no método de representação proporcional dos votos obtidos, “método de Hondt”, onde o Presidente /Governador /Administrador do Poder Local é o que obtém mais votos e o seu Executivo Autárquico denominados por Secretários/Vogais/Autarcas devem ser eleitos na proporção do votos obtidos e distribuídos por todos os candidatos/Partidos daquela Província, bem como para os restantes órgãos das Autarquias, numa eleição similar a dos candidatos a Assembleia Nacional do Circulo Provincial e, não nomeados como faz fé a CRA.
Ainda mais arrojado, seria no âmbito de uma eventual Revisão Constitucional e, à título, de experiência piloto, a implementação da ideia de despartidarizar o aparelho de Estado, nos termos art.º 220º da CRA, da qual Cabeça de Lista e a sua Equipa, candidatos as Eleições Autárquicas, se submetam ao sufrágio de forma independente ou Partidarizada, em que serão identificados o Presidente para a Província, os Presidentes para o Município, assumindo as referidas Presidências os Candidatos /Partidos mais votado.
Neste sentido, apresento como proposta o Organigrama Hierárquico Autárquico, onde a desconcentração e descentralização do Poder local é visível, da qual o Poder Executivo e Legislativo Local, democraticamente eleitos, são representativos.
Organigrama Hierárquico Autárquico
Proposta:
(1) Órgão Máximo do Poder Local, actual Governo Provincial - Eleito como cabeça de Lista Única do Partido /Coligação para a Província e seu o elenco do Executivo Autárquico e Consultivo, preenchido pelos Presidentes da Autarquia Municipal eleitos;
(2) Órgão Máximo de Deliberação Legislativa Provincial - Partido mais votado Preside a Mesa e composição do Plenário preenchido em proporção do número de Votos (método de Hondt) para um total de ___ Deputados Provinciais, em razão do número de Municípios;
(3) Órgão Intermédio do Poder Local actual Administração Municipal- Eleitos como integrantes das Listas únicas de Partidos/Coligações, identificados para o efeito em cada Município para o cargo de Presidente da Autarquia Municipal e o elenco do Executivo Autárquico - eleitos em proporção dos votos obtidos – Método de representação proporcional (método de Hondt) para ocupação dos Pelouros/ Matérias/ Departamento de trabalho (220º /3 – alterar – Secretários Nomeados para Eleitos);
(4) Órgão de Deliberação Legislativa Municipal - Partido mais votado no Município Preside a Mesa e Composição do Plenário preenchida em proporção do número de Votos obtidos (método de Hondt) para um total de ___ Deputados Municipais, em razão do número de Comunas;
PROPOSTA PARA 2ª ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS FAZENDO FÉ AO GRADUALISMO (Art.º 242º)
(5) Repartição Comunal ou de Bairro - Administração Local Descentralizada para actuar directamente no Bairro, tendo o Administrador assento no Executivo Administração Municipal e na Assembleia Comunal quando necessário – “Administração do Estado mais próxima do Cidadão”
(*) A designação dos titulares dos cargos autárquicos serão da inteira responsabilidade do Executivo, pois os acima mencionados, são meramente indicativos, servindo apenas para diferencia-los na Estrutura Hierárquica Autárquica.
Neste sentido e consciente da problemática e a complexidade da matéria, emiti o presente texto/opinião sobre a 1ª fase da Estratégia para as Eleições Autárquicas, do Ministro MATRE, que se submete para a discussão pública, uma vez que se pretende e é importante “obter o máximo de contribuições possíveis da generalidade dos cidadãos”, embora entenda que nesta matéria, não passa apenas pela proliferação de legislação avulsa para preencher certas lacunas, mas também por uma Revisão Constitucional, de entre outros artigos, salientamos os Art.º 201º n. 2 e 3, Art.º 218º; 220º e 221º.
Entretanto, face ao exposto, será fácil e dedutível concluir que não corroboro da mesma opinião que a S.E Ministro MATRE, relativamente a sua estratégia de implementação das Autarquias Locais, por ser fastidiosa e não obedecer a nova realidade e os sinais de mudança que operam no Pais, pelo que as restantes fases desta Estratégia, nomeadamente “Implementação do I grupo de Autarquias Locais “ e esta fase de “Aumento Gradual do número de Autarquias”, embora de respaldo constitucional como norma transitória, existem apenas como “válvula de escape” e salvaguarda de eventuais “maus“ resultados eleitorais.
Senão vejamos, a não realização de Eleições Autárquicas em todo o território nacional viola normas fundamentais, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como o Estado se liberta da execução das suas tarefas fundamentais como:
- Garantir a integridade territorial e soberania nacional;
- Assegurar os direitos, liberdades e garantias fundamentais;
- Criação progressiva das condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos, como promover o desenvolvimento harmonioso e sustentado em todo o território nacional e melhoria sustentada dos índices de desenvolvimento humano dos Angolanos;
- Promover o bem – estar e a elevação da qualidade de vida do Povo Angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos, bem como promover igualdade de direitos e de oportunidades dos Angolanos; e finalmente,
- Defender a Democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais.
Por outro lado, tal estratagema viola princípios fundamentais como o da Igualdade, o direito de sufrágio que constitui um dever de cidadania, pois se define quem está apto a participar no pleito eleitoral.
Reafirmo que o cidadão no seu pleno direito cívico, deve, participar na vida Pública e ter acesso a cargos públicos.
Porém, a fase do “Aumento Gradual do número de Autarquias” encontra “supostamente” respaldo na norma transitória da CRA, no seu artigo nrº 242º, da qual defende a institucionalização efectiva das Autarquias Locais, obedecendo ao principio do gradualismo, em que os órgãos competentes do Estado:
- Determinam por lei a oportunidade da sua criação;
- O alargamento gradual das suas atribuições;
- O doseamento da tutela de mérito e a transitoriedade entre a administração local do Estado e Autarquias locais.
“Data Venia” ,
S.E Ministro MATRE e Digníssimos legisladores constituintes, este gradualismo em relação a Organização Administrativa e do Poder Local, têm sido pensados desde que Angola é independente, nomeadamente:
Constituição da República Popular de Angola (CRPA) de 11 de Novembro de 1975 nos art.ºs 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º e 52º;
Constituição da República Popular de Angola (CRPA) de 07 de Fevereiro de 1978 nos art.ºs 53º, 54º, 55º, 56º, 57º e 58º;
Constituição da República Popular de Angola (CRPA) de 23 de Setembro de 1980 nos art.ºs 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º,70º e 71º;
Constituição da República de Angola (CRA) de 06 de Maio de 1991 nos art.ºs 71º, 72º, 73º, 74º, 75º, 76º; 77º, 78º e 79º;
Constituição da República de Angola (CRA) de 16 de Setembro de 1992 nos art.ºs 145º, 146º, 147º e 148º;
E actualmente da CRA 2010 de 05 de Fevereiro nos art.ºs 217º à 222º
Portanto, apenas serve para demonstrar que os Legisladores Constituintes acautelaram o poder local, habilmente e insistentemente nas várias Repúblicas Constitucionais, independentemente das situações de guerra vividas no território nacional, para que o Executivo assumisse as suas tarefas enquanto Estado.
Podemos aceitar algum atraso na execução de tal tarefa, havendo a impossibilidade de circulação em todo território nacional, mas tal cenário tem sido alterado ao longo de uma década, onde já foi possível a realização de três (3) eleições Gerais no País, não podendo esperar outra década para a realização de Eleições Autárquicas a nível nacional.
Ardilosamente o Constituinte de 2010, dita a nova Geração, perante insistência dos “kotas ou Antiga Geração”, criou uma norma transitória que a classificou como “Gradualista”, para uma situação que já remonta desde 1975.
Bem, Digníssimos Constituintes entende-se por disposições transitórias ou também as chamadas normas do direito intemporal ou normas de transição, ao lado dos princípios da irretroatividade e da retroatividade das normas, os critérios para solucionar conflitos de lei no tempo.
Estas são aquelas elaboradas pelo legislador, no próprio texto normativo, para disciplinar, “durante certo tempo”, a transição do sistema antigo para o do futuro. Enfim, são instituídas com o objetivo de evitar e solucionar conflitos que poderão surgir do confronto da nova lei com a lei antiga.
Neste sentido, Dignissimos Constituintes, onde existe o Conflito de Norma? Parece-me mais a existência de omissão de actos do que propriamente confilto de normas .
Por fim, acredito que o Executivo está consciente dos limites constitucionais e legais sobre a matéria, mas insiste em coartar o cidadão, dentro do mesmo território nacional, ao direito de sufrágio, salvo excepções apresentadas por Lei, que serão sempre matéria susceptíveis de debate.
Para o efeito, e na salvaguarda dos interesses nacionais, podemos recorrer:
- Assembleia Nacional para se proceder a Revisão Constitucional de caracter urgente e necessário, in art.º 173º da CRA;
- Provedor de Justiça para a defesa dos direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos, in art.º192º da CRA; ou,
- Solicitar as inconstitucionalidades das Normas, a aprovar, junto dos Órgãos competentes, in art.º 180º e 184º;
- Finalmente, numa acção de recurso, mas pacificamente aceite, exercer o Direito de Acção Popular, in art.º 74º CRA
Como conclusão, para relembrar que o Legislador Constituinte, salvaguardou no preâmbulo da CRA, que os Angolanos:
“Revestidos de uma cultura de tolerância e profundamente comprometidos com a reconciliação, a igualdade, a justiça e o desenvolvimento;
Decididos a construir uma sociedade fundada na equidade de oportunidades, no compromisso, na fraternidade e na unidade na diversidade;
Relembrando que a actual Constituição representa o culminar do processo de transição constitucional iniciado em 1991, com a aprovação, pela Assembleia do Povo, da Lei n.º 12/91, que consagrou a democracia multipartidária, as garantias dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o sistema económico de mercado, mudanças aprofundadas, mais tarde, pela Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92;
Reafirmando o nosso comprometimento com os valores e princípios fundamentais da Independência, Soberania e Unidade do Estado democrático de direito, do pluralismo de expressão e de organização política, da separação e equilíbrio de poderes dos órgãos de soberania, do sistema económico de mercado e do respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano, que constituem as traves mestras que suportam e estruturam a presente Constituição;
Consciente de que uma Constituição como a presente é, pela partilha dos valores, princípios e normas nela plasmados, um importante factor de unidade nacional e uma forte alavanca para o desenvolvimento do Estado e da sociedade;
Bom Debate,
Paulo Negrão Alves | Jurista