Segunda, 06 de Mai de 2024
Follow Us

Quarta, 27 Abril 2016 14:30

Alves da Rocha: “Acabou o tempo das vacas gordas em Angola”

Angola está num novo caminho. A necessidade do país desenvolver outros setores económicos vai obrigar a que se alterem os seus fluxos comerciais. Alves da Rocha, economista angolano, prevê que Angola reduza as importações de Portugal, por este perder competitividade em relação a paises do sul do continente africano. E aconselha os portugueses a aliviar a dependência do ‘‘fator-Angola’.

Manuel Alves da Rocha é um economista angolano, diretor do CEIC – Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica. Em entrevista à VISÃO, por email, faz o retrato do que pode ser um novo tempo para Angola: reduzir a dependência do petróleo e arranjar novas parcerias comerciais, mais viradas para o sul do continente africano.

Depois do ‘caso BPI’, haverá retaliações de Angola sobre Portugal?

Parece-me que já estão anunciadas as modalidades de resposta a esta situação, manifestamente do domínio dos negócios privados entre agentes e operadores independentes que se devem reger apenas pelas regras comerciais, defendendo, claro, os respetivos interesses. Mas em Angola o Estado está muito presente, mesmo em áreas do estrito domínio privado. Antigamente havia um slogan – que ainda não foi esquecido – segundo o qual “o Povo é o MPLA e o MPLA é o Povo”. Substituamos povo por Estado e fica feito o retrato.

Que consequências para as relações comerciais entre os dois países?

Angola tem um grave problema económico (com severas consequências sociais) relacionado com o seu elevadíssimo grau de concentração das exportações. É o conhecido “fator-petróleo”, cujas consequências internas aparecem, de quando em vez, face às incidências conjunturais do mercado internacional desta commoditie. O que se está a fazer agora em Angola é definir estratégias – globais, setoriais e empresariais para se romper com este círculo vicioso e aumentar a gama de produtos exportáveis com valor agregado. Em Portugal, dada a sua dependência comercial de Angola, existe o “fator-Angola”. Portugal já foi o primeiro exportador para Angola – do nosso lado o primeiro importador – fora da União Europeia e manteve esta posição durante algum tempo. No tempo das vacas gordas em Angola, durante o qual tudo eram facilidades com os pagamentos internacionais, assistiu-se a uma corrida desenfreada dos investidores portugueses, suas famílias, seus técnicos, conselheiros e trabalhadores para aproveitarem as oportunidades oferecidas por um crescimento económico muito elevado. Mas, tal como nós angolanos, fizeram uma leitura demasiado otimista e voluntarista da situação: nunca se pensou que o ciclo do petróleo caro poderia chegar ao fim. Debatemo-nos agora com uma crise financeira e económica da qual o Governo, a sociedade civil e os empresários estão a tentar sair… Portugal deveria também pensar em estratégias alternativas de diversificação urgente dos seus clientes, de modo a aliviar a incidência do ‘fator-Angola’. Devo acrescentar que, em Angola, estamos também a considerar as hipóteses de reduzir os fluxos das importações provenientes de Portugal, por razões relacionadas com os preços. Na SADC [Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral] existem países (África do Sul, Maurícias) com uma capacidade competitiva semelhante à de Portugal, donde os produtos e mesmo serviços podem sair mais baratos. Portanto, pode estar a acontecer, por razões puramente de mercado e de integração económica regional, uma alteração estrutural da origem dos fluxos comerciais de Angola.

O que se poderá /deverá fazer do ponto de vista diplomático?

Não sou diplomata e sou conhecido pela minha frontalidade que já me valeu, em Angola, muitos amargos de boca. Mas se os portugueses costumam afirmar que conhecem bem Angola, onde estiveram quase cinco séculos, que existem laços culturais fortes (eu penso que os laços culturais com o Brasil são muito mais fortes e as identidades mais claras), que conhecem a maneira de ser dos angolanos, então devem ter a resposta diplomática para este imbróglio. No entanto, acho que se chegou a esta situação por manifesto défice de entendimento das reações de Angola, em particular do Governo e do seu Presidente. Não é a primeira vez que incidentes destes acontecem. Porém parece que os portugueses não aprenderam a lição.

A economia portuguesa está em condições de prescindir do que Angola pode oferecer?

Portugal está na União Europeia, um mercado com mais de 500 milhões de habitantes, com um poder de compra médio elevado, com liberdade de comércio (valendo apenas a capacidade competitiva de cada país), tem já um acervo científico e tecnológico razoável, pelo que deve aproveitar ao máximo estas oportunidades. Em economia e negócios nunca se pode colocar a questão desta maneira: se Portugal pode ou não prescindir de realizar negócios com Angola. A economia hoje é global e funciona na base da competitividade e do livre comércio. Portanto, haverá sempre fluxos comerciais entre os dois países. Angola tem de seguir o seu caminho, com novas alianças económicas (SADC e China), novos mercados fornecedores e de exportação, novos produtos, novas parcerias, etc. Ou seja, cabe a Portugal encontrar também um novo caminho onde o peso do fator-Angola se reduza.

Quem pode sair mais a perder? Portugal ou Angola?

Angola está a encetar um novo caminho da diversificação das suas exportações e importações e Portugal terá a quota que o mercado determinar, por razões de competitividade. Não se deve continuar a misturar negócios com questões culturais ou políticas, cada uma tem o seu domínio de afirmação. Não se devem fazer negócios na base do “nacional-porreirismo” com considerações tais como os “angolanos são uns tipos porreiros, nós conhecemo-los bem”. São afirmações e atitudes que nos irritam e que levam muitas pessoas a afirmar que nestas relações Angola-Portugal ainda permanecem atitudes coloniais. Existem empresários/empresárias angolanas com muitos interesses em Portugal. Mas são interesses privados e pessoais. Não me parece que a economia e a sociedade angolanas tenham beneficiado dos resultados desses investimentos feitos em Portugal. Os beneficiários têm sido os seus proprietários. E é assim que deve ser. Infelizmente, em Angola confundem-se interesses privados da elite política com os do Estado e da Nação, sendo essa uma das razões dos receios de Portugal neste imbróglio mais político do que económico.

Angola tem ainda as condições de há um ano atrás de fazer pressão e ser uma alternativa importante para Portugal?

Conforme referi, estamos a procurar novas vias e alternativas de fazer negócios com o mundo, novos modelos de crescimento económico (mais inclusivos e redistributivos), novas parcerias (que realmente agreguem valor para a nossa economia) e novos desafios. Estivemos durante muito tempo a dormir à sombra dos muitos bananais que temos por todo o território e fomos surpreendidos pelo mau comportamento do petróleo. Significa então que essas é que devem ser as matérias de reflexão prioritária.

Na sua opinião o que pode vir a acontecer?

Há um ditado que diz “depois da tempestade a bonança”. Este não é o primeiro episódio político-diplomático-económico entre os dois países. Os anteriores foram resolvidos e o tempo ajudou a serenar os espíritos. Mas repito, Angola está num novo caminho, novos horizontes, mais Sul-Sul do que Norte-Sul e, consequentemente, outros parceiros e outros desafios.

VISÃO

 

Rate this item
(0 votes)