Os governos de Angola e da China estão a trabalhar na deslocação do Presidente João Lourenço ao ‘gigante asiático’, viagem que, segundo apurou o Valor Económico, acontece já no próximo mês de Março.
João Lourenço desloca-se assim pela terceira vez a Beijing desde que assumiu o poder em 2017, sendo que esta última é vista como a mais desafiante de um Presidente angolano à China desde a primeira década dos anos 2000 quando Angola foi solicitar o primeiro financiamento e, posteriormente, o reforço dos créditos.
No contexto actual, o desafio passa por dois dos grandes temas que disputam a liderança entre as prioridades do que será negociado entre os dois governos. A dívida de Angola à China e o refortalecimento das relações depois de um certo esfriamento.
No que a dívida diz respeito, a actual situação económica de Angola impõe buscas junto dos credores no sentido de encontrar alguma flexibilidade e não existe cenário melhor do que alcançar um acordo com os chineses.
Com um stock avaliado em 18.410,2 milhões de dólares, cor- respondente a 37,27% do total da dívida pública externa de Angola (avaliada em cerca de 49.387,7 milhões de dólares até ao terceiro trimestre de 2023), a China segue como maior credor de Angola, apesar dos esforços do Governo para reduzir a dívida com o 'gigante asiático.Nos últimos anos, o Governo recorreu a outros credores em detrimento da China e, sequencialmente, o stock dos chineses caiu cerca de 20,6% desde 2017, quando estava fixada em cerca de 23.204,9 milhões de dólares.
No sentido inverso, a divida com a Gra-Bretanha foi a que mais cresceu, ao sair de 3.491,8 para 13.777,2 milhões de dólares, ou seja uma variação de 316%, consolidando a condição de segundo maior credor, seguindo-se as organizações internacionais com uma carteira de 5.369,1 milhões de dólares, resultante de um crescimento de 153,6% desde 2017. Esta tendência de crescimento do stock de outros credores e de redução da carteira da China pode, entretanto, ser um aspecto explorado pela parte chinesa para 'dificultar' as negociações para a moratória da dívida. Pelo menos é o que se pode depreender das palavras do antigo embaixador da China em Angola, Gong Tao, que cessou funções em Agosto do ano passado.
"Nos últimos anos, o crédito, vindo de outras partes, aumentou significativamente. Por isso, não compreendo muito bem por- que dirigir esta pergunta à China e não aos outros credores", respondeu, em entrevista ao Valor Económico, em Fevereiro de 2023, quando questionado sobre a disponibilidade da China em conceder moratória à divida angolana. Gong Tao lembrou ainda que, no âmbito das iniciativas do G20, apenas a China aceitou "fazer moratória de maneira bilateral" entre os vários credores de Angola.
O QUE JLO PODE OFERECER NO LUGAR DO PETRÓLEO
Desde que chegou ao poder, João Lourenço manifesta-se bastante crítico contra a modalidade de financiamento chinês por ter o petróleo como contraparte. Na entrevista a este jornal, o então embaixador respondeu às criticas ao modelo de financiamento, rejeitando que a referida modalidade isenta os credores chineses de riscos. Na altura, defendeu que o discurso segundo o qual os chineses não correm qualquer risco é "uma linguagem usada pelos ocidentais" que "estiveram de braços cruzados perante as dificuldades angolanas" e a "parte chinesa soube assumir riscos e ninguém fala do risco que a China assumiu".
"No ano passado (2022), as receitas de Angola com o petróleo foram de cerca de 40 mil milhões de dólares. O preço do petróleo era de aproximadamente 101 dólares (o barril). Angola beneficiou do aumento do preço no mercado internacional. Mas não podemos deixar de lembrar que, nos últimos anos, houve um período de dois a cinco anos de uma recessão na conjuntura internacional, afectando, inclusive, o mercado do petróleo. Angola teve uma recessão económica. O preço do petróleo baixou, as receitas diminuíram e Angola não podia honrar as suas dividas. As duas partes fizeram moratórias. Assim, como souberam fazer arranjos de créditos, também souberam assumir riscos. Quando os ris- cos realmente chegaram tiveram soluções. Não foi fácil da parte chinesa, porque os órgãos financeiros da China assumiram os prejuízos, mas observamos esta questão sempre com uma visão longinqua e estratégica de longo prazo", defendeu.
Além da negociação da dívida em vigor, a possibilidades de novos empréstimos poderão estar sobre a mesa durante a visita de João Lourenço, considerando que o Governo pretende ir aos mercados internacionais buscar o corresponde a 6,171 biliões de kwanzas, equivalente a 24,97% da receita prevista do OGE. No ano passado, a taxa de execução das receitas do financia- mento externo ficou muito abaixo das previsões. Até ao terceiro tri- mestre de 2023, estava fixada em menos de 8% pelo que é expectável que o Governo tente novos financiamentos e nada melhor do que junto do maior credor do país que, segundo o histórico, é a China. No entanto, tudo indica que o petróleo não entraria nas contas dos possíveis financia- mentos. Não apenas por opção de Angola que pretende afastar- -se ao máximo de financiamento com colaterais, dando prioridade para os créditos concessionais, como também pela conjuntura internacional que coloca o fornecimento do petróleo russo como as prioridades da China. Face a este cenário, a questão que se coloca é o que Angola poderia oferecer em caso dos créditos concessionais não garantirem os valores desejados.
AGRICULTURA
O Valor Económico sabe que, entre os sectores que assinarão acordos, estão os da agricultura e floresta, bem como dos recursos minerais, petróleo e gás. Desconhece-se, no entanto, o conteúdo dos acordos a serem assinados, mas a presença da agricultura lembra rumores levantados em 2015, por ocasião da última visita do então Presidente da República, José Eduardo, à China. Na altura, falou-se que os chineses exigiam concessão de terra para a exploração agrícola em troca de novos empréstimos. Versão, entretanto, nunca desmentida nem confirmada. Na ocasião, José Eduardo dos Santos solicitou à China a renegociação dos actuais termos da dívida, pedindo uma moratória de pelo menos dois anos no pagamento, além de novos financiamentos (entretanto nunca confirmados pelo Governo).
Apesar de as relações esta- rem mais estáveis do que agora, o balanço da visita de José Eduardo dos Santos foi considerado negativo na altura, o que leva algumas vozes considerarem "desafiante" a deslocação do Presidente João Lourenço à China.
CHINA COM NOVO EMBAIXADOR
Depois de quase seis meses sem representante diplomático, Angola conta com embaixador da China que chegou ao país no último final de semana. Trata-se de Zhang Bin que já foi conselheiro administrativo da embaixada chinesa em Angola. A falta de embaixador, depois de Gon Tao cessar funções em Agosto de 2023, motivou inúmeros questionamentos sobre o estado das relações entre os dois países.
Valor Económico