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Terça, 18 Mai 2021 11:37

"O imobiliário, a grande lavandaria de dinheiro em Angola, não tem um regulador. É um absurdo"

Angola não vai passar na avaliação do GAFI, porque a lei do branqueamento de capitais não passou do papel, alerta Andrea Moreno, na Grande Entrevista Expansão. O imobiliário está na "sombra", por falta de regulador, e o número de operações suspeitas na banca não assegura confiança.

O GAFI, Grupo de Acção Financeira Internacional, que avalia os mecanismos de combate ao branqueamento de capitais vai avaliar Angola até ao final do ano. Angola vai passar?

Não. Nós estamos com toda a parte legislativa completa, mas não saiu do papel, como sempre. Temos a nova lei do branqueamento de capitais, a 05/20, que vem substituir a 34/11. Temos a lei dos crimes adjacentes ao branqueamento de capitais, a 3/14, criada por recomendação do GAFI, porque o branqueamento só vem quando há um crime antecedente que gera o dinheiro. A própria Francisca de Brito, da UIF [Unidade de Informação Financeira], e o governador do BNA, José Massano, foram ao GAFI em 2014 e levaram a lei dos crimes adjacentes, com o compromisso de que Angola já tinha os seus instrumentos normativos, e que podia sair da lista cinzenta da GAFI e retomar a relação com os correspondentes bancários nos EUA. Além do petróleo, toda a crise que tivemos de 2014 a 2016 foi por falta de correspondentes bancários...

Problema que se mantém quanto aos correspondentes bancários nos EUA.

Sim. O que é que os EUA dizem? Enquanto vocês não tiverem prática não vamos libertar correspondentes. Por isso, temos correspondentes europeus. Note que a Europa já vai na quinta directiva europeia sobre o branqueamento de capitais. Aqui, temos tudo muito bonito, muito bem articulado, mas quando chega à hora da implementação, de aplicar sanções pesadas ou suspender licenças, nada. Mais grave é o sector imobiliário. A grande lavandaria de dinheiro em Angola não tem um regulador, isso é um absurdo!

Nunca teve um regulador?

Não. E tem de ter, como todos os sujeitos obrigados, que são os notários, imobiliárias e os agentes imobiliários, casas de câmbio, seguradoras, quem comercializa carros de luxo, pedras preciosas, advogados, contabilistas, etc. Todos esses sujeitos têm as obrigações que derivam da lei, e que já vêm de 2011. A obrigação de verificação do cliente, verificação da transacção, abster-se de fazer uma transacção que não enquadre deveres de comunicação à UIF.

Na área do imobiliário não há ninguém que controle as vendas e operações suspeitas?

Não, ninguém. E isso é um dos factores que serão observados pelo GAFI.

Portanto, Angola irá chumbar porque até ao final do ano não é possível criar um regulador para o imobiliário e aprovar legislação conexa?

Chumbar não é a palavra adequada. O que vai acontecer é que serão levantadas uma série de questões e será dado um prazo, de um ano ou dois anos, para Angola limpar essas não conformidades. Mas a partir do momento que sai o relatório de avaliação, na página do GAFI, o que é que vai fazer o correspondente bancário? Vai dizer que Angola é um país de alto risco e vai abster-se da correlação, ainda que o GAFI não coloque Angola numa lista cinzenta.

Isso pode afectar a relação com os bancos correspondentes europeus?

Pode, claro. Um dos trabalhos que o [José] Massano está a tentar fazer é implementar aqui as directivas europeias o mais rápido possível. Mas este não é um exercício só do sector bancário. É de todos. O sector bancário não vai frear a entrada de dinheiro de uma sociedade, porque já está inserido dentro do sistema financeiro, de alguma forma. O controlo prévio não vem do banco, vem dessas actividades conexas. Vamos supor que uma pessoa tem 200 mil USD. Vai a uma relojoaria, gosta de um relógio de alto luxo e diz que quer comprar. O senhor da loja diz que tem de preencher uma série de formulários, e a pessoa responde "deixe para lá, eu não vou preencher, e coloca a factura no nome da sociedade". Quando for vender esse relógio, não por 200 mil USD mas por 180, coloca esse dinheiro no seu banco já limpo e já se afastou do delito.

Daí a importância do due diligence?

Sim. Sempre que você for a uma loja comprar um relógio de 200 mil USD o dono da relojoaria tem de fazer um cadastro, fazer uma due diligence, verificar quem é a sociedade, verificar quem é você, ver se já comprou outros relógios ali. Não é normal que alguém chegue com uma mala de dinheiro e compre um relógio de 200 mil USD. É a obrigação de verificação, de know your costumer.

No caso do imobiliário, como é feita a lavagem do dinheiro?

Geralmente, não compro um imóvel fechado. Compro um terreno em dinheiro, ou com uma transferência da conta pessoal, onde já tenho o dinheiro. Quando está a fazer transferências interbancárias, os bancos normalmente não fazem due diligence reforçada. Depende muito do filtro que o banco tenha.

Mas não devia fazer, de acordo com a nova Lei do Branqueamento de capitais?

Devia ser feita em qualquer transferência superior a 15 mil USD. Mas se isso não é feito, ou se eu faço um smurfing de 50 mil USD, passa. Ou seja, ao invés de pagar tudo na mesma transferência, pago em cinco transferências de 10 mil USD e isso não levanta nenhum alarme e como são milhares de transferências ninguém dá conta. É o que se chama smurfing, que é ir ao limite da obrigatoriedade.

E se a compra for a dinheiro?

Faz-se o ingresso do dinheiro com o registo de compra e venda. A obrigatoriedade do due diligence é do banco ao seu cliente, que é a imobiliária, não é do banco a quem ela vendeu. Essa obrigação era da imobiliária. Se a imobiliária não fez, não é o banco que vai fazer. Não existe essa due diligence de segunda linha.

Angola aprovou, em 2020, a nova Lei do Branqueamento de Capitais e, com isso, criou-se a ideia que o problema com o GAFI estava resolvido. O que devia ter sido feito desde que a lei foi aprovada?

Até 2017, o que deveria ter sido feito era aplicar a lei de 2011, que estava na gaveta e que foi substituída pela de 2020. Mas até lá não interessava a ninguém criminalizar ou investigar crimes de peculato, corrupção, fraude fiscal. A Direcção Nacional de Combate à Corrupção renasceu com a tomada de posse de João Lourenço. O IGAE (Inspecção Geral da Administração do Estado), as instituições de controlo do funcionalismo público e da corrupção renasceram, antes havia lei para Inglês ver. O que aconteceu agora? Todos os processos, com a morosidade, foram concluídos ou estão a ser concluídos. Todo esse trâmite demora, porque os processos têm de vir com uma carga probatória muito grande, e depois fica aquela sensação de caça às bruxas, a justiça começa a actuar quando nunca actuou. Por isso é que houve um movimento a dizer que o Presidente estava a fazer uma caça às bruxas.

Não é uma luta direccionada?

São processos que existiam e que entraram no tribunal. Não é que se estivesse à espera que João Lourenço assumisse o poder para ir atrás. Tanto os polícias, como os procuradores e os investigadores são pessoas como nós. Sofrem também as consequências da corrupção, e estavam loucos para trabalhar. Acontece que não tinham ordens para tal, isso mudou. Só que mudou e foi aquela invasão, mesmo porque se criou um canal de denúncias no IGAE, um na PGR e as pessoas vão ligando e fazem as suas denúncias. Então, cada vez vão sair mais, e mais casos.

A luta contra a corrupção é, portanto, efectiva?

Acho que sim, porque o que se criou não é só a luta contra a corrupção, é também a percepção de luta contra a corrupção. Hoje a gente vê os marimbondos a pensar duas vezes antes de corromper ou antes de ser corrompidos. Já não é à descarada como antigamente. Está a caminhar para uma moralização. Eu vejo instituições, como a IGAE, por exemplo, que estão aí a moralizar as instituições públicas. Veja a PGR com toda a parte de recuperação de activos, de prevenção, de luta contra a corrupção, são pessoas que realmente estão preparadas. Agora todo esse combate à corrupção tem de passar para a sociedade civil, porque só vai parar no dia em que as pessoas forem conscientes de que não há luz no seu bairro porque alguém roubou.

Como é que se faz esse trabalho para chegar à base?

Tem de ser nas instituições e nas escolas. Aqui tem de ser o Ministério da Educação. Olha o que aconteceu na Europa! Quando se fez as campanhas de trânsito, para controlo da velocidade, a quem eram dirigidas? Para as crianças. Aqui vai ter de ser a mesma coisa. Campanhas de ética, de prevenção de crimes financeiros têm de ser dirigidas aos jovens que estão a começar a escola e às crianças a partir dos 10 anos, que já têm consciência do valor do dinheiro, já estão num estadio mais crítico e têm capacidade de racionalização.  Expansão

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