Nas eleições legislativas de 29 de maio, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla inglesa), obteve apenas 40% dos votos, o seu resultado mais baixo em eleições legislativas em 30 anos, com menos 17 pontos percentuais do que há cinco anos, e, pela primeira vez na sua história, precisa do apoio de outros grupos para governar.
“Claramente, há um declínio da popularidade do ANC, devido ao desgaste natural provocado pela longevidade no poder, mas também pelo falhanço nas respostas aos problemas essenciais da sociedade sul-africana”, considerou, em declarações à Lusa, Gil Lauriciano, analista e antropólogo moçambicano.
Lauriciano defendeu que o partido no poder na África do Sul está a ser castigado pela incapacidade de satisfazer as expetativas da maioria da população sul-africana com o fim da política de segregação racial, conhecida por 'apartheid', em 1992.
O país tem sido assolado por elevados índices de desemprego e criminalidade, por falta de habitação e deficientes serviços básicos como energia e saúde, assinalou Gil Lauriciano, que é também docente na Universidade Joaquim Chissano.
“Estar no poder há 30 ou 40 anos expõe qualquer partido a um juízo de culpa por parte de um eleitorado cansado de falta de soluções”, enfatizou.
O antropólogo assinalou que os resultados nas eleições gerais sul-africanas de 29 de maio mostram que a “invencibilidade dos partidos libertadores é um mito, que pode ser desconstruído, e partidos como a Frelimo devem tirar lições”.
Dércio Alfazema, analista e diretor de programas do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD, na sigla em inglês), organização não-governamental (ONG), concorda que a perda de maioria absoluta pelo ANC traduz a frustração da população do país com a falta de respostas às carências sociais que o país enfrenta.
“O ANC passa por um desgaste causado pela revolta da população sul-africana, principalmente do eleitorado jovem, que enfrenta a falta de emprego e de soluções, também causada pela má liderança do partido no poder”, disse à Lusa Dércio Alfazema.
A governação do ANC, tal como de outros partidos libertadores da África Austral, tem sido minada por uma acentuada corrupção, desviando recursos que seriam destinados a políticas públicas, prosseguiu.
“A disputa no acesso aos recursos públicos dentro do ANC tem levado à fragmentação do partido e ao surgimento de forças políticas dissidentes, que arrastam consigo franjas do eleitorado que antes votavam no partido no poder”, observou o diretor de programas do IMD.
A diferença com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder há mais de 48 anos), continuou, é que se tem mantido coeso, apesar de “fraturas internas informais”.
“Paradoxalmente, em Moçambique, as dissidências ocorrem na oposição e não na Frelimo”, enfatizou Dércio Alfazema.
Outro sinal nos movimentos que participaram na libertação dos seus países e que se converteram em forças dirigentes é “a maioria absoluta à tangente” com que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) governa o país desde as últimas eleições legislativas, em 2022, salientou.
Tal como na África do Sul, Moçambique realiza este ano, em outubro, eleições, que incluem legislativas e presidenciais, às quais já não pode concorrer o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, por ter atingido o limite constitucional de dois mandatos.