A Presidência da República não adiantou pormenores sobre as razões que estiveram na base da demissão de Manuel Aragão. Mas analistas e políticos não têm dúvidas de que ela resulta de um clima de crispação e até de interferências do poder político na Justiça.
O juiz demissionário manifestou-se contra a "maioria das decisões" no acórdão que aprovou a Lei de Revisão Constitucional, proposta pelo Presidente João Lourenço. Na sua declaração de voto, Aragão alertou para o "suicídio do Estado democrático e de Direito", considerando mesmo que a revisão constitucional, ora aprovada, põe em causa a "separação de poderes".
Serra Bango, presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, aplaude a "verticalidade" de Aragão face a um "um clima político e técnico-jurídico menos bom, que fere alguma ética".
"Ancião como ele é, experiente como é, preferiu pôr-se à margem e demarcar-se desta posição", comenta o responsável.
Carlos Maria Feijó, professor catedrático da Universidade Agostinho Neto e considerado o pai da Constituição angolana, diz que, se estivesse no lugar de Aragão, já teria deixado o cargo há muito tempo.
"Sendo presidente [com] sucessivos votos de vencidos, a impressão com que se fica é de uma certa instabilidade no Tribunal Constitucional. Se estivesse na posição dele já não estaria lá há um ano, no mínimo", afirmou o jurista em entrevista à estatal TV Zimbo.
"Regresso à ditadura"
A União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido na oposição no país, diz que, a cerca de um ano das eleições gerais, a saída do juiz presidente do Tribunal Constitucional é preocupante.
"Essa demissão é mais uma prova de que há pessoas com responsabilidades que acham que há um retrocesso na consolidação do Estado democrático e de Direito, algo que nós, UNITA, temos dito vezes sem conta", refere o porta-voz do partido, Marcial Dachala.
O analista político Olívio Kilumbo entende que a saída de Manuel Aragão é um sinal de alarme, que espelha o "recuar significativo na separação de poderes".
A conclusão que Kilumbo tira é simples: "Há naturalmente um regresso visível à ditadura. Ou seja, o Presidente João Lourenço quer blindar-se com a Constituição, mas os tribunais, o Tribunal Constitucional em particular, não têm esse entendimento". DW Africa