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Sexta, 12 Agosto 2016 21:33

Continuidade eterna?

Num exercício que, bem vistas as coisas, nada tem de surpreendente, o MPLA realiza o seu congresso sem conseguir criar praticamente nenhuma expectativa.

Desde a manutenção da quase generalidade da geração que "já tinha cumprido o seu papel" há uma dezena de anos até a uma renovação vazia de conteúdo político, ideológico e cultural, cada vez mais o antigo "amplo movimento popular de libertação de Angola" se assemelha a uma organização cujas estruturas, assentes numa base populista e acompanhadas de um discurso vazio e sem objectivos programáticos claros, se pode definir como as dos velhos partidos cuja ideologia dominante se transforma na obrigatoriedade de manter o poder pelo poder.

Das muitas qualidades que alimentavam o MPLA e a sua popularidade durante décadas, encontrávamos, por exemplo, com relativa facilidade, gente pensante, uma intelectualidade absolutamente necessária ao acompanhamento inteligente e sério das transformações sociais, bem como militantes de origem profundamente popular, de pés bem fincados na terra e que, de forma simples, sabiam ler os passos a dar nos processos sucessivos e acidentados por que foi passando.

Muitos deles - como é de esperar num partido que se proclama de socialista democrático (definição para nós até hoje desconhecida por pressupor que o exercício real de uma prática socialista pode alguma vez recusar a democracia...) - sabiam retirar dos erros cometidos em vários momentos do processo histórico que fomos atravessando, lições práticas e teóricas em doses mais do que suficientes para entender como recuar e/ou avançar, consoante a realidade objectiva à sua volta.

No decorrer da sua já longa história, foi sistemática a presença na direcção e nos seus órgãos executivos de gente de grande prestígio, independentemente dos estratos sociais de origem. Não apenas do ponto de vista técnico-profissional, mas acima de tudo militantes que eram referências do ponto de vista moral e ético e na perspectiva da profunda ligação que nunca deixaram de ter com as suas principais bases de apoio.

Percorrendo a longa lista dos candidatos, ainda maior do que a anterior, o que deixa aparentar um aumento quantitativo de vozes para um debate interno absolutamente indispensável, ao qual não corresponde, como já sabemos desde há muito, nenhuma melhoria qualitativa e obviamente com a entrada garantida de todos já que a sua votação acaba sempre por se tratar de um acto meramente formal, tornam-se notórias:

- A repetida manutenção de uma geração que, por várias vezes, afirmou já ter cumprido o seu papel histórico e que, aparentemente, não vê com bons olhos a sua retirada para a reforma. (E que deveria ser amável e educadamente convidada a retirar-se, esgotadas que estão as suas capacidades de interpretação e adaptação ao momento que vivemos).

- A continuidade dos responsáveis pela política económica desastrosa que nos conduziu à grave crise generalizada que vivemos.

- A selecção de elementos de gerações mais novas, de quem não se conhece nem curriculum, nem consciência política ou cívica, nem sequer que representem um acréscimo à já de si frágil autoridade moral dos que por lá vão continuando.

- O recurso aos "mesmos" de sempre, eventualmente tão cansados como nós, o que seguramente contribuiu para que muitos militantes, também provenientes de várias gerações e alguns deles verdadeiramente exemplares no seu histórico de acção no partido, se recusassem a integrar esta nova/velha direcção, a mesma de sempre.

Os movimentos sociais que surgem aqui e ali, a aceleração da consciência crítica da população, a excessiva concentração de riqueza num número reduzido de cidadãos, os graves erros cometidos ao longo destes últimos anos, os sucessivos tiros nos próprios pés que vários dirigentes foram dando, a imposição dos pressupostos económico-financeiros sobre os políticos e o retorno à obediência constitucionalmente determinada de todo o aparelho militar perante o poder político deviam exigir uma redefinição das opções do MPLA, um aprofundar das suas propostas reformistas, realmente preocupadas e viradas para os anseios dos mais pobres e explorados de Angola.

Não mais do mesmo.

Não recorrendo aos mesmos actores de sempre que já não ajudam em nada o partido. Pelo contrário. São-lhe profundamente prejudiciais.

NJ

 

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