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Domingo, 31 Julho 2016 10:59

Dívida e transparência

Nos últimos tempos, fruto da crise que nos assola, o tema económico e financeiro tornou-se o mote de todas as conversas.

Por Eugénio Guerreiro

Algumas coerentes outras mais demagógicas e num tom que nos parece perigoso e preocupante. Perigoso porque denota laivos de política. Preocupante porque abunda alguma desonestidade intelectual em alguns círculos académicos e da imprensa que nos parecem estar satisfeitos com a inversão do quadro de progresso que vínhamos assistindo.

É muito preocupante que estes mesmos analistas manipulem a opinião pública ignorando a vital interconexão de Angola com a economia global. A crise do petróleo trouxe repercussões sérias no plano interno. Mas também é importante que se diga que Angola não é o único país a sofrer os efeitos da crise. A Arábia Saudita, que é o maior produtor mundial de petróleo, já foi obrigada a mexer nas suas reservas líquidas, para além de um conjunto de outras medidas, onde se destaca uma emissão de títulos de dívida soberana nos mercados financeiros internacionais.

Se não quiserem que nos desloquemos tanto então olhemos para realidades que nos são mais próximas. A Nigéria tem vindo a enfrentar problemas na sua produção interna e a sua economia, que tinha já uma maior diversificação, não conseguiu suster o embate e as novas projecções indicam que o país entrará em recessão.

Vem tudo isto a propósito do falso debate que algumas pessoas pretendem levantar à volta do tema da dívida, ignorando todo o contexto actual e as novas dinâmicas de reforma que vamos assistindo. É óbvio que os reflexos serão de médio e longo prazos e não imediatamente aferíveis. Num contexto de crise, os instrumentos de política passam pelos impostos e pelo endividamento. O Executivo tem tido um equilíbrio, havendo uma inflexão clara para a segunda opção.

A questão da sustentabilidade não se esgota no rácio da dívida. A dívida não é sustentável porque o rácio é de 60 por cento ou de 30 por cento. Se assim for, o Japão, que está acima dos 100 por cento do PIB, seria uma economia com uma dívida insustentável, mas não é. Não é esta a racionalidade subjacente à sustentabilidade da dívida. Existe um conjunto de critérios que têm de ser analisados de forma coordenada para avaliar a sustentabilidade da dívida. Da última avaliação do FMI, em Junho passado, por uma equipa chefiada pelo economista sénior Ricardo Veloso, o FMI não só concordou com a sustentabilidade da dívida como acredita que esta irá decrescer tão logo a situação se inverta.

Por outro lado, se é verdade que a lei estabelece para a dívida o limite de 60 por cento, também é real que ainda não o furámos. No entanto, é extremamente importante notar que, num ambiente de depreciação da moeda nacional, mesmo que tentemos endividar-nos um cêntimo, o rácio degrada-se, porque o PIB desce; mesmo que o valor nominal do PIB em kwanzas esteja a subir, quando ele é expresso em dólares degrada-se automaticamente o rácio, corroído pela depreciação.

Partindo deste princípio e neste cenário de valorização deslizante do kwanza, existem poucos instrumentos de política. O melhor é fazer o que é feito na maioria dos países, que é ausência de uma definição expressa dos limites de dívida comparativamente ao PIB.

Por outro lado, é importante rebater também a ideia de que a ausência de acordo com o FMI traduz-se nalguma falta de transparência.

É o contrário, e a emissão em Novembro passado de Eurobonds traduz exactamente esta percepção de transparência do Executivo angolano junto dos mercados financeiros. Porquê? Porque o escrutínio para o finding comercial é muito mais afinado, a avaliação do risco é muito mais apertada e os investidores não o fariam se o cenário fosse tão catastrófico como se aponta. Este processo de transparência, na nossa economia, foi evoluindo, passando do finding bilateral aos findings multilaterais (como o do FMI), que é um outro finding que passa por um elevado escrutínio. Foi feita uma operação de crédito, que não é um crédito de exportação, mas foi feita uma operação de crédito que é um “play in vanilla bullet”, que não é amortizado ao longo dos 10 anos.

Finalmente, não podemos ignorar a avaliação das agências de rating que confirmam também o exercício de transparência nas contas públicas ou, finalmente, a avaliação da Conta Geral do Estado pelos deputados, no plano interno. Por isso, a alusão à falta de transparência é uma falácia perigosa que importa combater.

 

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