A sua actuação recente numa entrevista ao presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, foi tudo menos jornalismo. A entrevista transformou-se numa operação de propaganda mal disfarçada. O entrevistado foi desafiado, inclusive, a sustentar acusações e promessas — e até hoje não apresentou qualquer prova do que afirmou. E o jornalista... calou-se. Não questionou. Não equilibrou. Limitou-se a validar. Foi um mau serviço público.
O argumento de que só a TPA é que deve ser imparcial e isenta engana o público. E não pode passar em branco. Aqui falo também, com legitimidade, como ex-Conselheiro da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA).
A ideia segundo a qual programas de opinião em órgãos privados estão isentos de escrutínio público ou das obrigações legais e deontológicas do jornalismo é completamente falsa — e compromete a integridade da profissão.
Em Angola, todos os profissionais da comunicação social, quer exerçam funções em órgãos públicos ou privados, estão sujeitos às mesmas normas legais e princípios deontológicos. A Lei de Imprensa (Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro) — na redacção actualizada pela Lei n.º 17/22, de 6 de Julho — a Lei da Radiodifusão (Lei n.º 2/17), a Lei da Televisão (Lei n.º 3/17) e o Estatuto do Jornalista (Lei n.º 5/17) são claras nesse sentido. A legislação não distingue entre públicos e privados: todos os órgãos de comunicação social estão sujeitos aos mesmos deveres e obrigações.
O artigo 3.º da Lei de Imprensa estabelece que “a liberdade de imprensa compreende o direito de informar, de se informar e de ser informado com rigor, isenção e oportunidade”. E o artigo 18.º do Estatuto do Jornalista define deveres essenciais como a objectividade, a responsabilidade social e o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
É verdade que os órgãos públicos, por serem custeados pelos contribuintes, estão naturalmente mais expostos ao escrutínio da sociedade. Mas isso não significa que os órgãos privados estejam isentos. O dever de isenção, rigor e responsabilidade é transversal. Defender o contrário é falsear o debate e desvalorizar o jornalismo como pilar democrático.
Fora esta gafe de Carlos Rosado de Carvalho, o que se passou ontem na MFM foi ainda mais grave.
O PAPEL DO MODERADOR
Autores de referência descrevem o moderador como um facilitador imparcial cuja função principal é assegurar o fluxo equilibrado e coerente do debate:
Kristin Arnold (Powerful Panels, 2013) define o moderador como quem “ajusta o tempo de cada participante, mantém a discussão informativa e garante que o público saia com uma experiência clara e organizada”.
O Moderator’s Handbook (2011) salienta que ao moderador cabe “preparar o debate, introduzir os participantes de forma equilibrada, seleccionar perguntas relevantes e gerir eventualidades sem se sobrepor à discussão”.
O jornalista Doyle McManus afirma que o moderador “deve manter todos dentro do tempo previsto, garantir o contraditório e impedir que o debate se transforme num monólogo”.
A investigadora portuguesa Anabela Gradim, no Manual de Jornalismo (2000), recorda que, num mundo saturado de informação, “os jornalistas — e, por extensão, os moderadores — tornam-se ainda mais necessários enquanto mediadores credíveis”.
Na obra Framing: O Enquadramento das Notícias (2016), Gradim acrescenta que os frames criados pelo moderador influenciam directamente a forma como o público interpreta o debate. Daí a gravidade da interferência ou manipulação.
O CASO DA MFM
No caso concreto da MFM, ontem, sábado, 2, ficou evidente que o moderador falhou em todos os princípios de base. Em vez de permitir que Carlos Rosado de Carvalho concluísse o seu raciocínio, interrompeu-o de forma hostil e ameaçou expulsá-lo em directo — um acto de autoritarismo que viola a essência do jornalismo e do debate num órgão de comunicação social.
O jornalista José Neto Alves Fernandes, que já antes protagonizara um episódio semelhante com Carlos Rosado e acabara por pedir desculpas públicas, reincidiu. Voltou a agir com impulsividade, confundindo moderação com protagonismo, interrompendo, ameaçando, tentando silenciar — como se a divergência fosse ofensa e o contraditório uma afronta.
Mas a rádio não é propriedade de um ego. É, mesmo sendo privada, um espaço de serviço público. E o microfone não é uma arma contra a opinião — é um instrumento para a fazer ouvir.
Carlos Rosado pode ser polémico, incisivo e desconfortável para quem prefere o debate morninho, com salamaleques e reverências. Mas é esse desconforto que faz falta num país onde o pensamento único ainda impera.
Importa esclarecer que o facto de Joaquim Jaime ser também analista no programa "O Estado da Nação" não o isenta de críticas, caso alguém entenda que não está a ser isento num espaço jornalístico qualquer. Ser criticado com urbanidade faz parte da democracia. E, até onde mostram os vídeos amplamente divulgados, Carlos Rosado em momento algum destratou o seu colega. Nem sequer conseguiu terminar o raciocínio.
Quando o moderador ameaça um comentador com expulsão em directo — e tudo foi gravado em vídeo, amplamente partilhado — deixa de ser um deslize pessoal. É um problema institucional. Porque quem devia manter o nível, garantir o equilíbrio e proteger o espaço de liberdade era o moderador. O moderador não pode ser um censor improvisado.
O que se ouviu ontem não foi um debate. Foi uma tentativa de domesticar o pensamento crítico.
E mais grave do que isso tem sido o silêncio cúmplice da ERCA e da CCE, entidades que têm o dever de intervir. Não se vão pronunciar, mais uma vez? Onde está o escrutínio institucional? Onde está a defesa da ética que juram proteger? São instituições para inglês ver?
Não basta aparecer quando há jornais a incomodar o poder político. Também é preciso aparecer quando a liberdade de expressão está a ser esmagada dentro dos próprios meios de comunicação.
Quem se incomoda com o pensamento livre deve mudar de função — ou aprender a moderar-se.
O público agradece.
E as entidades reguladoras devem falar.
O silêncio delas é também um acto de censura — e de cumplicidade.
Carlos Alberto
Jornalista e Director do Portal "A DENÚNCIA"
Ex-Conselheiro da ERCA
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