Sábado, 10 de Agosto de 2024
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Sábado, 10 Agosto 2024 15:48

O governo do combate aos pobres

Vamos ler e interpretar outra vez o país com dados. Desta vez com os números da Afrobarómetro, uma Organização Não Governamental que colecta informação sobre diversas matérias que interferem na vida dos africanos.

Comecemos pela questão social. Quase cinco em cada 10 angolanos experimentaram a pobreza extrema em 2024, concluiu o inquérito que começou a ser divulgado desde a semana passada. Atenção! É importante que se repita isso. Trata-se de pobreza extrema. Aquela que as Nações Unidas definem como a dificuldade grave de acesso a serviços e bens de suprimento de necessidades básicas.

Isto significa praticamente não ter acesso ao que comer. Que o acesso à saúde e à educação quase não existe e que a água para beber, quando há, não é tratada. Há qualquer coisa de surpreende nisso? Certamente que não. Então por quer razão fazemos questão de mais uma vez escrever sobre isso? Porque, como sentenciou o génio Milan Kundera, “a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”.

Porque, quando o Estado é transformado num delinquente impune e a barbárie vai além de todos os limites, os seus efeito perniciosos têm de ser catalogados e registados. Para que a História faça justiça e o tempo se encarregue do devido julgamento aos algozes do povo. É tão simples quanto isto. Colocar metade dos angolanos na pobreza extrema, sem guerra civil, sem desastres naturais repetidos e persistentes, não é penas de elevada insensibilidade. É a outra forma não declarada de tentativa de extermínio em massa. É o combate descarado aos pobres. Porque a fome derivada da privação severa de alimentos não é relativa. Este tipo de fome mata, assim como mata o descontrolo dos preços sem fim à vista.

Diz a Afrobarómetro que, entre 100 angolanos, apenas sete se mostraram indiferentes com a escalada generalizada dos custos dos produtos. Pelo menos 93 afirmam de forma categórica que os preços estão incomportáveis. Destes números retiram-se necessariamente outras leituras. É possível pensar, por exemplo, que, se cinco em cada 10 angolanos experimentaram a pobreza extrema, dos restantes cinco provavelmente apenas um não se sentiu aflito. Não é por mero acaso que também sete em cada 10 angolanos consideram que a situação económica do país é "muito má".

E porque tudo está interligado, a política não poderia ser menos desastrosa. Quase oito angolanos, em cada 10, não têm dúvidas de que João Lourenço é a pessoa errada no lugar certo. Trata-se da média geral da país. Em termos parciais, há resultados que roçam o escândalo. No Norte, em cada 10 angolanos, quase nove teriam preferido ver João Lourenço a fazer outra coisa qualquer. Talvez a produzir comida, a partir das suas fazendas. A tal comida que, como o próprio declarou certa vez, chega à mesa de muitos que vivem em Angola.

Os números da Afrobarómetro dizem, no entanto, que, com João Lourenço, nada é suficiente- mente grave que não possa piorar. Em Luanda, como diria o povo, a coisa está ainda mais preta. Em cada 100 moradores da província- -capital, 84 pensam que João Lourenço não sabe o que anda a fazer na Cidade Alta. É mais um provável alerta de que a forçada divisão de Luanda, com o propósito único de hipotéticos ganhos eleitorais, até pode fazer o tiro sair pela culatra. Os deputados do MPLA que têm de aprovar esta trapaça que pensem nisso mais a sério. E porque "quem pergunta não ofende", como faz questão de no-lo lembrar todas as semanas a jornalista Geralda Embaló, aí vai: por que raio um Presidente tão contestado, e que está à frente de um Governo tão desgovernado, teria o direito de julgar que pode aspirar a um terceiro mandado, violando descaradamente todas as regras? Valor Económico

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