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Sábado, 21 Janeiro 2023 20:50

Adalberto Costa Júnior: 'Houve muita pressão para tomar as instituições'

Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA, afirmou que Angola vive em ditadura e que optou por não pedir um levantamento da população a seguir às eleições para evitar um banho de sangue. 

Nasceu em 1962 na localidade de Chinjenje, região de Huambo. Aos 10 anos foi estudar para o Seminário Menor do Quipeio, onde conheceu dois importantes líderes da UNITA, Jonas Savimbi e N´Zau Puna. Estava feita a ligação ao partido do Galo Negro.  É militante da UNITA desde 1975 e, após o final da guerra civil, desempenhou cargos relevantes no partido.

Começou por ser responsável pela área da juventude e mais tarde foi nomeado chefe do escritório internacional da UNITA em Portugal, entre 1991 e 1996, e em Itália e junto do Vaticano, entre 1996 e 2002. Regressou a Angola em 2003. Foi deputado e porta-voz do partido até 2009, tendo sido depois nomeado secretário nacional dos assuntos patrimoniais da UNITA. Sobe na hierarquia do partido e, em 2015, chega a presidente da bancada parlamentar.

Em novembro de 2019, foi eleito o quinto presidente da UNITA, com 53% dos votos e com o apoio de antigos companheiros de luta de Jonas Savimbi. Porém, em 2021, o Tribunal Constitucional angolano declarou nulo o congresso onde tinha sido eleito. Viria a candidatar-se e foi, novamente, eleito presidente de forma quase unânime, uma vez que não houve outros candidatos ao cargo. Adalberto Costa Júnior é o rosto da oposição ao regime do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que perdura no poder desde 1975. «É uma missão exigente, que exige muita inteligência e ponderação», disse ao Nascer do SOL. Até porque, «nos últimos tempos, houve uma regressão da democracia, com restrição às liberdades e ameaças à integridade física de dirigentes do partido e da sociedade civil». Em entrevista ao Nascer do SOL em Lisboa, reafirmou que a UNITA teve mais votos nas eleições de agosto e que vai continuar a demonstrar a evidência que o Tribunal Constitucional não aceitou ver. 

Há cerca de um ano reassumiu o cargo de presidente da UNITA. Foi uma escolha interna previsível. As dificuldades vieram de fora?

Sem dúvida, em dezembro de 2021 tivemos de repetir o congresso por uma deliberação do Tribunal Constitucional a pedido do partido do Governo, o MPLA, que não queria Adalberto Costa Júnior como seu adversário na campanha eleitoral. A decisão de anular o congresso de um partido político legalizado só acontece porque os tribunais em Angola não são independentes – esse é um dos grandes desafios para o futuro. Esta decisão foi também um ataque à democracia e provocou grande impacto na sociedade. Não foi a UNITA que lutou contra a deliberação do Tribunal Constitucional, foi o cidadão comum e toda a intelectualidade angolana. As universidades fizeram declarações públicas contra o tribunal, a Ordem dos Advogados e a Associação de Juizes também se manifestaram contra. 

O facto de ser líder do maior partido da oposião em Angola assusta os poderes instituídos?

Claro que sim, e não é só o tribunal que tenta condicionar a ação da UNITA. Desde 2019 que os serviços de inteligência do Governo travam um combate diário contra o líder do partido. Compraram pessoas por quantias elevadas para fazer conferências e declarações contra o presidente da UNITA, e até faziam diretos nas televisões. Fui alvo de terrorismo de Estado e nunca houve a possibilidade do contraditório. Também não há responsabilização, o partido apresentou várias queixas, mas ficou tudo parado na Procuradoria da República. Quando é o Estado que está em causa, os processos não avançam

Não ter direito ao contraditório significa ausência de liberdade?

Isso é por demais evidente, não existe pluralidade em Angola. Existem cinco televisões, mas são todas controladas pelo Estado. O regime compra muita publicidade e quase todos os meios de comunicação estão ao serviço do Governo. Acontece o mesmo com as centenas de rádios, abrem rádios em todas as regiões, que obedecem a um perfil fechado. Os órgãos oficiais que são o Jornal de Angola e a Rádio Nacional de Angola nunca fizeram uma entrevista ao líder da oposição, embora eu tenha procurado manter o diálogo institucional a todos os níveis. A falta de liberdade da comunicação social é um drama. Felizmente, temos as redes sociais a competir com os órgãos de grande dimensão e a oferecerem alternativas válidas a uma imprensa totalmente controlada pelo Estado.

Esse tipo de ações teve alguma influência nas eleições?

Não tenho dúvidas de que a tentativa de silenciar a oposição teve efeitos negativos para o MPLA. O que aconteceu no ato eleitoral foi a rejeição de um regime fechado, que não aceita fazer reformas. A anulação do congresso acabou por ser um fator de mobilização da sociedade contra o partido do Governo.

Apesar disso, nas eleições de agosto de 2022 o MPLA foi declarado vencedor. Numa primeira fase, afirmou que a UNITA tinha sido o partido mais votado, o que se passou para não exigir o reconhecimento dessa vitória? 

Nem eu, nem o partido reconhecemos a vitória do MPLA, porque sabemos que a UNITA teve mais votos. Escutámos as pessoas em todo o país. A sociedade queria que tomassemos conta das instituições, mas não quisemos o caos. Não é a primeira vez que há situações menos claras nas eleições em Angola, mas o líder da oposição quis dar um tratamento diferente ao caso e optou por não falar em fraude eleitoral. Fui acusado por algumas pessoas de não fazer uma campanha com base nesse tipo de argumentos. O que a UNITA fez foi um acompanhamento completo e cuidadoso de todo o processo, desde a pré-campanha até ao dia das eleições, e apercebemo-nos de que havia incumprimento das leis. Fomos solicitando a intervenção das instituições para corrigir os desvios.

Existem provas de que foram tirados votos à UNITA e acrescentados ao MPLA e de que o seu partido foi o mais votado? 

Temos provas do que afirmámos na altura. Essas provas foram enviadas para o Tribunal Constituicional, que se recusou a aceitá-las. 

Historicamente, a UNITA era muito forte nas zonas rurais, mas agora ganhou nas grandes cidades. Essa evidência reforça a ideia de que ganhou as eleições?

A base de apoio tem crescido bastante em todo o país. Temos um exemplo elucudativo, a UNITA obteve 80% dos votos em Luanda e elegeu quatro dos cinco candidatos, quem ganha na capital nunca perde as eleições nacionais. Vencemos também em Benguela, Lobito, Cabinda e Zaire, isto é uma demonstração mais do que evidente do que se passou. Com o tempo vamos apresentando provas de que a realidade nas eleições em Angola foi diferente da anunciada. 

Que provas são essas?

Entragámos as atas originais com as votações das mesas de voto. O ato eleitoral decorreu naturalmente, o problema foi depois recolher as atas. O regime mobilizou toda a sua estrutura para nos impedir de ter acesso a essa informação. Devo dizer que não foi nenhuma novidade, porque nas eleições anteriores isso já tinha acontecido. Pessoas que tinham as atas foram presas ou raptadas durante uns dias para atrasar o processo de contagem, e tivemos de resgatar alguns documentos que estavam com pessoas que fugiram devido a ameaças. Isso fez com que tivessemos grandes atrasos na recolha da informação, mas posso dizer que, ao dia de hoje, temos 94% das atas nacionais, o que é um número muito significativo para podermos demonstrar resultados de caráter global. Foi um processo lento para ter as provas em mão, por isso não conseguimos fazer determinadas afirmações no timing que desejávamos. Sempre recusei vir a público fazer intervenções sem ter resultados para apresentar. A informação que recolhemos é suficiente para anular a diferença de votos entre os dois partidos mais votados, e colocava a UNITA como vencedora das eleições. 

E o que fez o Tribunal Constituicional com as provas apresentadas?

Nada, recusou comparar as atas que tinhamos entregue com as atas que tinham em seu poder enviadas pela Comissão Nacional Eleitoral. O tribunal não se deu ao trabalho de verificar as provas apresentadas pela UNITA, que tinha resultados diferentes dos anunciados pelo Governo. 

As eleições foram acompanhadas por observadores internacionais, nomeadamente portugueses, isso não o tranquilizou?

Não, os senhores que foram convidados para verificar as eleições vieram, de certa forma, fazer turismo, e serviram para proteger os interesses do regime. Essas pessoas não têm coragem de denunciar certas práticas e deviam ter mais atenção à forma como são usadas em prol de algumas ditaduras.

Como reagiu a estrutura diretiva da UNITA e os seus militantes ao facto de o Tribunal Constitucional ter declarado o MPLA vencedor?

Recordo que havia um aparato militar nunca antes visto nas ruas, eram constantes as ameaças aos membros do partido e a população estava bastante descontente. Não foram dias fáceis para mim e tive de resistir a muitas pressões.

Houve o risco de a situação escalar para um conflito entre os dois maiores partidos. Pairou o cenário da guerra civil?

Houve grande pressão no sentido de declarar levantamentos em todo o país. Naquele momento entendemos que não era a solução desejável, mas se o presidente da UNITA desse voz de levantamento teria sido um desastre muito grande, muito pior do que aconteceu recentemente no Brasil. Mesmo depois de ter declarado vitória, o regime estava assustado e tinha vindo para a rua com o seu aparato bélico para fazer um banho de sangue. Infelizmente, há muita gente em Angola que pensa que este regime só pode ser derrotado pela violência, nós não pensamos assim.

Como é conviver com o partido do Governo no Parlamento?

É necessário muita resiliência para evitar o caos. O exemplo do Brasil veio dar-nos razão. Além disso, avaliámos todos os cenários, fizemos uma programação estratégica tendo em conta todas as dificuldades que sabiamos que iamos encontrar e preparámo-nos para um diálogo nacional. O grupo parlamentar da UNITA tem representantes de outros partidos e estamos preparados para lidar com a diferença de opinião nos debates. Quando damos estes passos estamos também a servir de exemplo para os outros. Quando o Tribunal Constitucional declarou a vitória do MPLA pedimos uma audiência ao chefe de Estado, João Lourenço, para tentar estabelecer uma agenda com projetos comuns, mas encontramos sempre um partido fechado. Este facto reduz a possibilidade de desenvolvimento do país. O meu papel não é dizer aquilo que gostam de ouvir, mas dizer o que é necessário. Estou convencido de que por Angola temos de trabalhar juntos.

E os outros como reagem?

Quando o partido que pretende ser alternativa tem este tipo de práticas, isso coloca pressão sobre o regime. Sabemos que estamos a fazer um papel educativo e reformador, mas o nosso adversário tem dificuldades em nos acompanhar porque está muito fechado sobre os interesses próprios. Não é difícil trabalharmos juntos por Angola, mesmo tendo diferentes ideias políticas. 

Quais as principais diferenças entre o programa de governo da UNITA e do MPLA?

Apesar de termos tido pouco tempo devido à anulação do congresso preparámo-nos bem para a campanha eleitoral e para as eleições. Tivemos um diálogo abrangente e transversal com toda a sociedade. Percorremos o país todo de carro e corremos muitos riscos, mas também sentimos muita solidariedade de todas as áreas da sociedade. Foi com muita satisfação que verificámos que uma grande parte do país manifestou interesse em acompanhar a política depois de muito tempo em cenários de guerras e dramas. Havia muitos voluntários nos nossos comícios, coisa que não acontecia com o partido do Governo, que tinha de requisitar autocarros para levar gente aos comícios. Mais do que isso, tinhamos um programa muito forte que ia ao encontro daquilo que o cidadão queria ver em termos de necessidades básicas e de melhoria da qualidade de vida. O regime atual não tem essa vocação democrática. Os programas que servem de referência à governação têm apenas a garantia da continuidade partidária, quando devia ser exclusivamente de serviço público. A nossa preocupação não é governar para que o partido se mantenha no poder, mas sim para o bem estar da população e para o desenvolvimento do país. Elaborámos um programa que tirasse o medo às pessoas e que fugisse às armadilhas da violência porque sabiamos que havia gente irresponsável que queria que o ambiente durante a campanha eleitoral fosse de violência. Devo salientar que a polícia teve um comportamento muito correto e evitou alguns atos que tinham sido preparados. 

Na sua opinião há quem não esteja totalmente alinhado com o Governo de João Lourenço?

Houve órgãos de defesa e segurança que colaboraram com a UNITA, o que significa que nem toda a gente acompanha a história de que o regime atua todo da mesma maneira. Há pessoas nas forças de segurança que querem a mudança e reformas para o país. A prova disso é o resultado obtido pelo MPLA nas mesas de voto no bairro onde se situa a presidência, não ganhou em nenhuma delas. 

Pelas razões já apontadas, a luta eleitoral foi justa?

Como é que pode ter sido justa? Fazer uma campanha sem debates e com o chefe do Estado, que era candidato, a dizer que não aceitava debates. Não é digno de uma democracia. Houve um desrespeito pela campanha eleitoral e por aquilo que significa umas eleições e o direito de informação do cidadão. Em contrapartida, muito tempo antes do ato eleitoral, todo o país começou a ficar colorido com bandeiras do MPLA e com a imagem do seu líder – isto é proibido por lei. Foram apresentadas queixas nos tribunais, feitas intervenções na Procuradoria e no Supremo Tribunal, e a UNITA enviou imensa informação com provas de violação da lei e, ainda hoje, o processo está na gaveta. Não houve tratamento igual em todo o processo eleitoral.

A UNITA acabou por tirar algum benefício do último ato eleitoral?

As eleições demarcaram uma fronteira: nunca mais os angolanos vão ter um posicionamento de caráter histórico perante as eleições. Tentar desenhar comportamentos públicos em função da história das regiões que lutaram pela independência do país acabou para todos os partidos. Há mutações efetivas na sociedade, as pessoas sabem o que querem e já não vão atrás de qualquer propaganda. As eleições trouxeram outra grande novidade que foi o fim dos dois terços dos deputados do MPLA no Parlamento. O partido do Governo disse que ia ter mais de 80% dos votos e ia resgatar eleitores perdidos, mas ficou muito longe disso. A partir de agora, qualquer revisão da Constituição tem de ser feita com acordos políticos. Essa é a grande diferença entre o antes e o depois das eleições. 

As eleições devem ser algo de perfeitamente normal e desejável, mas em Angola é um problema para quem está na oposição?

Acaba por ser. Cada vez que há um processo eleitoral é uma complicação. O país pára dois anos, muita coisa foi alterada para que o partido do regime mantivesse uma situação privilegiada. Como o MPLA tinha maioria absoluta no Parlamento, a própria Constituição foi alterada antes das eleições, sem qualquer debate, de modo a reforçar os poderes do Presidente e reduzir os aspetos democráticos. Mudou a lei eleitoral, a lei de imprensa e mudaram todas as leis que tivessem incidência no controlo das eleições. Apelámos para o Supremo Tribunal, Procuradoria, Comissão Nacional Eleitoral e Tribunal Constitucional e todos fizeram tábua rasa do nosso pedido.

Nesse quadro ponderou não participar nas eleições?

Chegamos a pensar nisso. Colocámos cinco condições para participar: afixação das listas provisórias do registo eleitoral; auditoria ao ficheiro dos cidadãos votantes; afixação antecipada dos cadernos eleitorais; obrigatoriedade de a UNITA ter fiscais em todas as mesas de voto e afixação dos resultados nas assembleias de voto. Contudo, o regime angolano nunca cumpriu alguns desses requisitos; não fizeram auditoria, nem afixaram os cadernos eleitorais. Tivemos mais de 200 mil pessoas envolvidas nos locais de voto. Tinhamos o programa ‘votou, sentou’ que assustou o regime, o que as pessoas fizeram foi votar, sair e ficar na zona, isso foi um fator para desencorajar quaisquer manobras.

O MPLA fez essa alteração constitucional sozinho ou com conhecimento dos outros partidos?

Não foi o MPLA que propôs as alterações, foi o Presidente da República, João Lourenço. O documento mais importante do país foi alterado sem ouvir os conselheiros de Estado e os outros partidos e sem debate no Parlamento. Quando o documento entrou na Assembleia o país inteiro condenou. Tentámos abrir um debate constitucional, mas sem efeito, há muito tempo que temos preparada uma proposta de revisão da Constituição. 

O Tribunal Constitucional tem sido uma força de bloqueio?

Enquanto órgão que zela pelo respeito da Constituição é de extrema importância, porque nos dá a garantia da defesa dos cidadãos e de quem governa, já a sua constituição diz tudo.

Na sua opinião, os juizes não são isentos?

O Tribunal Constitucional tem um número demasiado elevado de juizes que são designados pelo Presidente da República e pelo Parlamento. Tendo em conta que o mesmo partido governa o país desde 1975, o Parlamento segue o mesmo princípio. O tribunal tem uma maioria absoluta de juízes que respondem ao partido do Governo. 

Do seu conhecimento e experiência política, estamos a falar de um regime autoritário ou autocrático?

Perante tanto sofrimento e desencanto das pessoas devemos sempre dizer as coisas na sua dimensão máxima. Estamos a falar de uma ditadura. As atitudes do Governo nos últimos tempos tornaram-se mais graves. Logo a seguir às eleições vários ativistas cívicos foram presos em todo o país. Tem havido manifestações a pedir a libertação dos ativistas que continuam presos por trabalharem pela cidadania. Afinal, o regime tem medo de quê? Também os dirigentes da UNITA começaram a receber ameaças em casa e nos carros com a palavra ‘está marcado’ e o símbolo de uma caveira. Quando isto ocorre a nível nacional e numa única noite, só há um autor que são os serviços de inteligência. Houve também graves agressões físicas a pessoas da oposição, que tiveram de deixar Angola. Estes casos repetiram-se, foram levados às autoridades e nada aconteceu. Estamos perante um programa ‘não te metas, não te envolvas, não tenhas iniciativas cívicas’. Tudo isto acontece num país que fala em democracia, mas é uma ditadura. Há um conjunto de senhores que se agarraram à governação para manter o poder no seu partido. Tudo isto acontece perante uma sociedade que se manifesta contra.

Na sua opinião, o que deve ser feito para Angola se tornar num país melhor?

A UNITA tem programas a pensar nas reformas de que o país necessita. É necessária uma abertura democrática, espero que algumas das nossas iniciativas sejam aprovadas, nomeadamente a reforma da administração pública, mais transparência nas contas públicas, a diminuição da arrogância do poder e também a realização de eleições autárquicas. 

A paridade de género é uma das suas preocupações para a política angolana?

Sem dúvida, temos desafios enormes para vencer não só no que diz respeiro à paridade, mas também à juventude. Tem havido alguns avanços, mas ainda estamos longe do desejado. Há intenção de quem governa de nomear mais mulheres para cargos de responsabilidade, o que é positivo. Espero que isso corresponda a uma vocação e não a uma instrumentalização do papel da mulher. Na UNITA, temos feito esforços para atingir a paridade, a última atualização da estrutrura diretiva foi nesse sentido e também no do rejuvenescimento do partido com a entrada de quadros mais novos. 

Neste momento, sente que os jovens estão alinhados com as políticas do Governo?

Não é isso que acontece. Os jovens são o setor da sociedade que mais reclama contra o Governo pelo abandono a que são sujeitos e pela falta de acompanhamento e de oportunidades. Tenho uma enorme preocupação com a quantidade de jovens que têm saído de Angola, há um enorme desencanto com a situação do país. Os jovens querem reformas e não podemos conquistar o futuro sem eles.

Em que aspetos Angola deve mudar para ser mais interessante para os seus cidadãos?

Existem problemas complexos que impedem o desenvolvimento do país, nomeadamente a partidarização dos órgãos públicos. É um problema para as empresas e para as pessoas. Estes últimos anos mostram que, afinal, o problema de Angola não era a UNITA, a guerra acabou, mas o país não se desenvolveu, nem se democratizou. Mesmo agora, o Governo foge da realização da eleições para o poder local. Já existe sobre a mesa uma nova proposta de divisão política e administrativa do país de modo a evitar referendo autárquico, é algo que não faz qualquer sentido, é um absurdo. É um regime cego que busca o precipício. Mas vamos lutar ao máximo para tornar essas eleições uma realidade.

Qual o estado da economia angolana aos dias de hoje?

Atualmente, existe uma maior capacidade financeira derivada do petróleo, mas não alcançamos a desejada diversificação económica, que pode garantir o futuro. Depender apenas de um bem como o petróleo é um suicídio, sobretudo quando há outros recursos naturais em grande escala. Contudo, as mais-valias geradas pelo petróleo não têm sido aplicadas no desenvolvimento de infraestruturas e da economia. Há, por isso, um enorme descontentamento dos empresários relativamente ao governo porque não há incentivos e, em alguns casos, têm o Estado contra eles. Por outro lado, a partidarização do sistema bancário não favorece a economia. Há dezenas de programas económicos direcionados para a sustentação do partido e para negação daquilo que deveria ser a diversificação da economia e o desenvolvimento das comunidades. Há regiões onde o administrador local tem programas de apoio para as pessoas que têm o cartão de militante do MPLA, este é o país real.

Estamos a falar de um sistema de um apoio um voto?

Sim, com uma agravante. O programa Kwenda foi financiado pelo Banco Mundial e distribuiu dinheiro por pessoas que são militantes do partido. Oferecer 150 mil kwanzas no meio rural é uma fortuna.

A corrupção da classe dirigente angolana é endémica. Como se pode acabar com essa prática?

A corrupção continua a ter o incentivo do Estado e tem o Presidente da República como o seu principal ator. Quando João Lourenço assina contratos para entrega simplificada de dinheiros públicos às empresas dos amigos não há muito mais a dizer. Há provas do que estou a afirmar. Cerca de 90% dos contratos não tiveram concurso público, são entregas diretas, isto é um incentivo à corrupção. Esta prática penaliza grandemente a economia angolana. É um crime económico e tanto as entidades reguladoras como a Procuradoria nada fazem. Acredito que um dia teremos magistrados corajosos, capazes de tomar iniciativas para defesa do país e não das suas carreiras e interesses privados.

O caso de Isabel dos Santos pela sua grandeza é uma forma de desviar a atenção de outras situações que prejudicam o país em termos económicos?

Todos os analistas sabem que há quatro empresas em Angola que são favorecidas pelo Governo. Não me parece que a criação de monopólios traga novos investimentos ao país. Atirar as culpas para a família dos Santos foi só levantar poeira. Foram presas algumas pessoas e isso serviu para passar a ideia de que havia um programa para acabar com práticas lesivas do Estado. Só que continua a haver os protegidos e os alvos. Se formos avaliar os bens que pertencem à nomenclatura que está no Governo nenhum deles consegue explicar os ganhos que tem. A solução não é prender os inimigos, que é a postura atual, a solução é encontrar uma resposta penal que seja aplicada a todos. A justiça por encomenda não é solução para ninguém, até porque a origem das fortunas de muita gente vem do erário público. 

Angola tem recebido programas de ajuda económica de vários países, moneadamente da Europa, da China e do mundo árabe. Tem sido feito um bom aproveitamento dessa ajuda?

Não me parece. Existem algumas linhas de crédito, nomedamente da China, para financiamento de determinados projetos. Angola é o país africano mais devedor aos fundos chineses. Mas sei também que esse apoio tem vindo a diminuir porque tem havido incumprimento por parte do Governo. Dizem-nos que uma parte dessa dívida é paga em petróleo a preços não atualizados, o que é negativo para as contas nacionais. Aliás, o esquema da dívida externa não é muito transparente. Temos feito grande muita pressão a esse nível e quisemos fazer uma auditoria à dívida externa, mas há uma grande resistência das instituições a que seja feita. Pensamos que uma parte substantiva dessa dívida é falsa e está na origem de muitas fortunas individuais que são criadas à conta do Estado. Nos últimos anos, cerca de 50% da despesa pública é para pagar a dívida externa. A UNITA pediu uma auditoria à Sonangol, ao BESA, ao Fundo Soberano e à Dívida Pública, estou apenas a citar os setores estratégicos, teriamos feito uma arrumação adequada das contas públicas com os resultados dessas auditorias. O MPLA tem um medo enorme, pois é aqui que se encontram as respostas aos roubos descarados. Deviamos debater tudo isto com o objetivo de melhorar o funcionamento da economia. Nos últimos anos, cerca de 50% da despesa pública é para pagar a dívida externa.

A Rússia deixou de ser um aliado económico?

Foi-me dito há pouco tempo por um responsável russo que as missões económicas e técnicas em Angola terminaram há três anos porque o Governo angolano vendeu-se aos americanos. Por vezes, algumas mudanças de estratégia levam a tomadas de decisão pouco debatidas. É uma fuga para a frente no sentido de garantir a sobrevivência.

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Last modified on Domingo, 22 Janeiro 2023 16:24