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Sexta, 25 Março 2022 16:10

O Tribunal constitucional e a subserviência ao PR

A ciência da comunicação define o vazamento de informação como uma técnica que assenta na divulgação, propositada, de segredos, para provocar a reacção do visado e ou da opinião pública sobre determinada matéria.

Diferente da fuga de informação, que, em geral, é feita com outros propósitos, o vazamento de informação sensível é feito por quem quer perceber o que a sociedade pensa sobre dado assunto.

Geralmente, o vazamento tem origem na fonte primária, ou seja, de quem controla o assunto. É uma técnica de comunicação a que geralmente recorrem Serviços de Inteligência, Forças Armadas e outras instituições governamentais.

Quem quer que tenha vazado o “Projecto de Acórdão do Tribunal Constitucional” sobre o XIII Congresso Ordinário da UNITA alcançou plenamente o seu objectivo: suscitar a reacção do partido do Galo Negro.

E a UNITA não se fez rogada.

Numa vigorosa declaração de segunda-feira, 21, o Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA adverte que “(…) o povo angolano não vai aceitar insultos à sua inteligência, ficando incólume e sereno perante mais um acto que envergonha o seu bom nome e o seu desejo de viver em liberdade e democracia”.

Na mesma declaração, a UNITA conclama os angolanos “a demonstrarem o seu mais vivo repúdio à afirmação da autocracia, exprimindo apoio à defesa da Constituição, da Lei e do funcionamento democrático das instituições. O país dispensa bem esse terrorismo institucional que está a banalizar o poder judicial”.

Na noite da sexta-feira, 18 passada, circulou nas redes sociais um pretenso Acórdão, sem numeração, em que se diz que os Juízes do Tribunal Constitucional “acordaram em Plenário dar provimento ao pedido dos requerentes, por violação da Constituição, da Lei e dos Estatutos do Partido, e declaram sem efeito o XIII Congresso Ordinário de Dezembro de 2021”.

Essa seria a resposta do Tribunal Constitucional à petição de sete membros da UNITA que requereram a impugnação do “acto de deliberação da I Reunião Extraordinária da Comissão Política da UNITA, que aprovou a convocação e a data de realização do XIII Congresso Ordinário do Partido Político para os dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2021”.

No pretenso Acórdão, que não é assinado sequer pela relatora do processo, os 11 Juízes do Tribunal Constitucional alegariam, ainda, que a realização do XIII Congresso da UNITA teria agredido “princípios e direitos protegidos pela Constituição, pela Lei dos Partidos Políticos e pelos Estatutos da UNITA, ferindo de nulidade todos os actos praticados e supervenientes”.

No domingo, 20 de Março, uma alta funcionária do Tribunal Constitucional negou qualquer vínculo da instituição com o documento apócrifo que circula nas redes sociais.

Em declarações ao jornal O PAÍS, Aida Gonçalves, directora do Gabinete de Assessoria Técnica e Jurisprudência do Tribunal Constitucional, disse ser totalmente falso o documento em circulação nas redes sociais.

Nas declarações ao jornal, não ficou claro se a funcionária do Tribunal Constitucional negava o conteúdo do pretenso acórdão ou o vazamento do documento.

Aida Gonçalves remeteu para o dia seguinte, 21, uma posição oficial do Tribunal Constitucional sobre o assunto.

Em todo o dia de segunda-feira, o Tribunal Constitucional não fez nenhum pronunciamento a respeito.

Regressado segunda-feira ao país, depois de uma curta visita privada a Orlando, Florida, Estados Unidos, o Presidente da República marcou para a manhã desta terça-feira, 22, uma reunião com a presidente do Tribunal Constitucional, Laurinda Cardoso.

No final do dia, várias fontes contactadas pelo Correio Angolense não puderam confirmar se o encontro ocorreu mesmo na tarde de terça-feira. Mas todas elas convergiram em que o “Presidente tinha o encontro marcado com a presidente do Tribunal Constitucional. Se não ocorreu hoje, vai ocorrer amanhã”.

Embora não se conheça o objectivo do encontro, é quase impossível dissociá-lo das incidências do pretenso acórdão que circula nas redes sociais e através do qual o Tribunal Constitucional teria, mais uma vez, anulado um congresso da UNITA.

A ausência do prometido pronunciamento público do Tribunal Constitucional sobre o documento que circula nas redes sociais não será alheio à putativa interferência do Presidente da República numa matéria em relação à qual deveria ser totalmente equidistante.

Nos países Democráticos de Direito, onde há clara separação de poderes, os titulares de órgãos de soberania encontram-se, preferencialmente, em cerimónias protocolares para que sejam convidadas. Não é comum que o Presidente da República convoque, com carácter de urgência, o titular do Tribunal Constitucional para reuniões rodeadas de secretismo.

No dia 21 de Agosto passado, o académico português Rui Verde, colaborador regular do site makaangola.org atribuiu a Laurinda Cardoso, acabada de nomear para a presidência do Tribunal Constitucional, o “hábito de obediência ao Presidente da República”.

“Esta nomeação tem aspetos positivos e negativos. É positivo o facto de haver um reforço feminino no TC, mas há um aspeto que preocupa, não exatamente o de pertencer ao BP do MPLA, pois por esta altura já se deve ter demitido, mas o facto de vir diretamente do executivo, tendo, portanto, um hábito de obediência ao Presidente da República”.

Relatos de uma audiência do Presidente da República à juíza Laurinda Cardoso não abonam nada a favor nem de um nem da outra. Aos que duvidam que coisas destas podem acontecer, recordemos o facto de que um outro juiz – o presidente do Tribunal Supremo – é visto com muita frequência a franquear os portões do palácio.

O silêncio do Tribunal Constitucional sobre o documento em circulação e o putativo encontro ocorrido ou que ocorrerá entre João Lourenço e Laurinda Cardoso associa, inevitavelmente, o Presidente da República a qualquer decisão que a Corte vier a tomar sobre o XIII Congresso Ordinário da UNITA.

Além de calcar aos pés a tão cantada separação de poderes, o Presidente João Lourenço pode ter demonstrado o seu empenho pessoal nas “tentativas de judicialização do processo político angolano”.

Na declaração do Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política a UNITA “exige que seja instaurado sem demora um inquérito pela PGR junto do Tribunal Constitucional de modo a se imputarem responsabilidades aos autores desse documento de mau gosto”.

É muito improvável que a solicitada PGR alguma vez chegue aos autores do vazamento do apócrifo documento.

“Em geral, esses vazamentos são feitos por pessoas poderosas e os inquéritos não levam a lado algum”, diz um especialista em Comunicação, que exemplifica com o vazamento de uma carta da ministra das Finanças que não era suposto ser do conhecimento público. “Falou-se num inquérito. Inclusive disse-se que o SINSE já teria identificado a secretária a partir da qual teria sido fotografado o documento vazado. Mas o que aconteceu depois? Nada, pelo menos que eu saiba”.

O “Projecto de Acórdão” coloca o Tribunal Constitucional perante um dilema de difícil solução: se a decisão sobre o XIII Congresso Extraordinário da UNITA coincidir , na letra e no espírito, com o documento apócrifo em circulação nas redes sociais isso exporá as suas impressões digitais no vazamento.

A subserviência do Tribunal Constitucional ao Presidente da República começa, agora, a queimar as mãos dos seus juízes, sendo previsível que o caso da UNITA abra e aprofunde brechas na corte. Correio Angolense

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