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Domingo, 18 Julho 2021 14:39

Coisas da Vida em Angola, a banca, o Metro e a miséria

Alimentei as dúvidas que há muito me preocupavam a respeito do futuro do nosso país, numa altura em que fui forçado a abrir uma conta no BESA, Banco Espírito Santo Angola.

Por Arlindo dos Santos

Passei a movimentá-la com as verbas vindas do fundo de pensões contratado entre a minha entidade patronal e aquele banco. Todos os meses caíam na dita conta, uns míseros dólares que me ajudavam a viver razoavelmente.

Nunca fui de grandes exigências. Era um privilegiado, porque trabalhei para uma empresa estatal que tinha como divisa proporcionar mais-valias para o Estado. Foi uma unidade lucrativa desde os seus primórdios que, orgulhosamente ajudei a fundar e cuja gestão, naquele tempo difícil, teve algum cuidado com o futuro dos seus trabalhadores, estivessem eles no activo ou em situação de reforma. Actualmente encontra-se a um passo da privatização. Não seria este o momento certo para o fazer, é o meu pensamento a respeito.

Mas, voltando ao que importa para hoje, direi que a determinado momento, começaram a acontecer coisas anormais na prestação do serviço do BESA. Por exemplo, pretender o levantamento de mil dólares do saldo da minha conta que era sempre exíguo e dizerem-me descaradamente que só me podiam dar quinhentos. Esquisito! Para onde iam os dólares?

As cenas repetiram-se e cansei-me. Forcei a saída desse banco, depois de enérgica discussão com uma funcionária de topo daquele banco.

Desmascarava ali uma das várias e estranhas formas de actuação das instituições bancárias nacionais, na relação com os clientes que se deseja decente e, sobretudo, clara. Como se consolidariam os seus grandes negócios, com a adopção dessas esquisitas operações que desencorajavam os depositantes? Perguntei-me muitas vezes. A resposta veio límpida uns anos depois, quando rebentou o escândalo que todos conhecemos, e se mostrou à sociedade que o BESA não era banco para gente pequena. Foi o princípio do fim. Ficaram, o banco e seus accionistas, embrulhados num pacote de assuntos cabeludos (o caso BPC incluso) que ainda precisam de ser esclarecidos e resolvidos no quadro do combate à corrupção.

Entretanto a vida continuou com o país a cavalgar sobre a costumeira dependência das importações que gerava e ainda é geradora de uma inflação galopante, por via da queda das taxas de juro e de câmbio, ou seja, da desvalorização da moeda nacional. Tudo isto acontecia e acontece sob o olhar silencioso de quem domina a área, a despeito de economistas angolanos de renome afirmarem e mostrarem com dados, a possibilidade de serem alteradas as regras que, com a complacência do banco central, ainda vigoram. Estabelecem-se taxas, encargos e comissões, práticas que juntadas às demais exigências se tornam impossíveis de serem suportadas pelo cidadão comum e se abatem sem piedade sobre a moeda nacional, depreciada diariamente, diminuindo o poder de compra do comum cidadão.

Esta prática faz imaginar uma autêntica barreira impeditiva do surgimento na instituição bancária, de produtos que facilitem a vida dos angolanos. Refiro-me àquela camada de gente nova ou mesmo mais velha que pretende constituir pequenas empresas e tocar a sua vida para a frente e ajudar o país a crescer. Enquanto isso, propagandeiam-se uns projectos destinados a alavancar pequenos negócios que não passam de insultos à população operário-camponesa. Dito isto, mantém-se a obsessão dos responsáveis pelo sector bancário do país, que se afadiga em contactos e reuniões, mas que apenas mostram estar virados para os grandes empreendimentos, onde, no seu ponto de vista, se concentra o grande capital que faz o verdadeiro desenvolvimento económico do país.

Falar de um subsídio de desemprego para a malta que anda na rua, aliviar a miséria dos cidadãos, não passa pela cabeça de nenhum dirigente que trabalhe com dinheiro. É impossível vingarem projectos dessa natureza, isso não gera lucro. Não há condições, dizem os governantes, há condições, sim senhor, diz o povo. Onde anda a coragem política de quem governa para tornar possível esta pretensão? Como fazer numa situação dessas?

Que se baixe drasticamente a despesa do Estado no tocante a salários reais e mordomias complementares (apertar de verdade o cinto aos governantes e parlamentares, que também são angolanos como os demais que o apertam a largo tempo), que se verifique com olhos de ver e se cortem as gorduras nos salários e subsídios dos deputados, das chefias nas empresas estatais e suas benesses suplementares, que se parem as obras que não sejam essenciais e se diminua a importação de viaturas de luxo. Que se aproveite a enorme frota indevidamente em mão desses responsáveis e funcionários públicos, de ministros a directores e chefes de serviço, uma imagem de pouco cuidado da nossa governação.

O governo que não acompanha o povo no sofrimento não é, não pode ser bem quisto. Isto é dos livros. Tenham esse cuidado, que deve ser agregado a uma verificação do serviço do INSS, e veremos que o dinheiro vai chegar. E chegará, quanto a mim, com maior certeza, se não nos metermos em altas cavalarias como o projecto do tal Metro de Superfície. Essa despesa de valor elevadíssimo, pode ser melhor aplicada na criação do Fundo de Desemprego para acudir a miséria que ataca a nossa população e acalmá-la para melhor entenderem as dificuldades do país. O Metro, um meio de transporte cuja necessidade defendo, não tem condições de servir no imediato uma população miserável. Haverá tempo para ele, e não é este o melhor momento. Melhoremos apenas os meios de que já dispomos.

É muito triste ouvir-se falar da nossa Angola como uma Nação Hipócrita, e por essa razão que nos diminui aos olhos do mundo, não pode haver Metro imediatamente. A miséria é um estado de pobreza tal, tão extrema que as suas vítimas não dispõem de dinheiro sequer para adquirir uma quantidade mínima de alimentos e outras coisas essenciais à mera sobrevivência. Que se tenha consciência disso.Miséria significa também, lástima, vergonha, quando faz referência à qualidade do serviço público de um qualquer país, e o nosso, infelizmente, é mesmo uma miséria.

Com o meu pensamento voltado para a tragédia da Covid-19 que continua imparável, e para a erradicação da miséria no nosso país, cumprimento os meus estimados leitores. Até domingo à hora do matabicho. JA

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