«Todos os dias acordo antes das cinco horas da manhã. Antes de sair de casa tenho que preparar algumas coisas para os mais pequenos comerem. Preparo também a comida das minhas netas que vivem comigo porque elas não gostam de ir à escola sem comer nada», conta ao SOL dona Antónia, moradora do bairro do Capalanca, arredores de Viana.
Zungar para sustentar os filhos
Chega sempre ao mercado dos ex-congoleses pouco depois das seis horas, para enfrentar mais um dia «muito difícil, porque zungar bebida faz com que esteja muito tempo debaixo do sol, correndo o risco de ser atropelada pelos carros ou motas». Mas é assim que consegue sustentar a família.
A morte do marido na guerra, em meados dos anos 90, trouxe muitos desafios à sua vida. Deslocada de guerra, tem encontrado grandes dificuldades na capital - «nunca deixei de ser mãe e pai dos meus filhos e todos os dias luto para garantir o sustento deles».
Tal como dona Antónia, a empregada doméstica Verónica - apesar de viver nos arredores de Cacuaco - todos os dias dirige-se ao centro de Luanda para trabalhar. Aufere cerca de 35 mil kwanzas: «Ser mãe é difícil. Se não tivesse meus filhos para sustentar já teria desistido de trabalhar porque, fazendo bem as contas, no final do mês, com o transporte, fico apenas com 25 mil kwanzas. Mas esse pouco dinheiro é que paga a escola, o sustento e a saúde dos meus filhos».
Mais nova do que dona Antónia, Verónica revela-se grande mulher pela coragem diante dos desafios que enfrenta no dia-a-dia com dois filhos a seu cargo.
«Tenho um casal. No primeiro filho, meu namorado abandonou-me quando soube que estava grávida. Pensei em interromper, mas decidi dar à luz e hoje ele tem 12 anos. Na segunda gravidez, meu companheiro chegou a fazer os deveres, mas com o tempo arranjou mais uma mulher e aí os problemas aumentaram porque na altura ele já não trabalhava», revela.
Verónica, mãe solteira, mostra força de vontade em proporcionar «um futuro diferente» aos filhos. «Por isso luto e exijo que eles estudem e sejam alguém na vida. E os frutos já são visíveis: meu filho de 12 anos parece ser uma pessoa adulta e nas questões da casa já ajuda muito, chegando a cuidar da sua irmã mais nova», relata.
Mulheres alfabetizam maridos no Kwanza Sul
Uma mulher alfabetizar o marido afigura-se pouco provável na sociedade angolana, devido às relações de poder historicamente instituídas, em que a mulher se subordina ao homem. «Quando minha mulher convidou-me para aprender a ler e escrever, primeiramente fiquei revoltado, senti que era uma falta de respeito», confessa Abrantes José, de 54 anos, morador da Gabela.
«Eu já frequentava os programas de alfabetização mas meu marido nunca tinha mostrado interesse em aprender. Um dia convidei-o. Primeiro ele não aceitou mas não desisti e fui conversando com ele até que aceitou», lembra Delfina José, de 49 anos.A decisão de o marido aceitar ser alfabetizado pela mulher «teve grande influência» na família e «melhorou a relação» do casal. Também com os filhos houve muitas mudanças: «Hoje conversamos mais e acompanhamos com mais empenho a educação dos nossos filhos», explica Delfina.
També Lentina Francisco e Adriano Januário passam por situação idêntica. «Antes de saber ler, sentia-me inferior aos outros, mas minha mulher ajudou-me a ultrapassar essa fase da minha vida», elogia Adriano. «Nunca passou pela minha cabeça que minha mulher é que fosse me ensinar a ler e escrever», revela.
É por isto que, conforme aponta o sociólogo António Padiki, as mulheres angolanas «carregam em si uma enorme coragem» que obriga qualquer homem a respeitá-las, amá-las e valorizá-las todos os dias. «Se não for como irmã, seja como mãe, amiga ou mesmo unicamente pelo facto de ser mulher», remata.
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