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Segunda, 04 Setembro 2023 16:00

O porquê da atual crise económica em Angola

Em 2010, a simples menção de Angola em certos meios financeiros e diplomáticos ao redor do mundo era motivo de comentários surpresos, impressionados e perplexos.

O país era considerado um milagre macro-económico por ter uma economia que crescia a dois dígitos, isto há menos de uma década desde o fim de uma guerra civil fratricida, duradoura e totalmente destruidora.

Angola embarcava então num enorme e ambicioso processo de reconstrução, mas demonstrava também uma vontade expressa de caminhar pelo seu próprio caminho: virou as costas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Clube de Paris e ao Banco Mundial e decidiu aliar-se com a China, que, por motivos próprios da igualmente emergente e crescente economia chinesa, rapidamente tornou-se no seu maior e mais importante parceiro comercial na terra.

Eram mesmo tempos áureos. Os dólares trocavam-se na rua com imensa facilidade, e até eram aceites como modo de pagamento nos estabelecimentos comerciais do país; 1 USD era equivalente a 100 kwanzas e com 100.000 kwanzas as pessoas compravam 1.000 USD e usufruíam de férias confortáveis em Portugal, Brasil ou África do Sul, destinos preferidos da emergente classe média local.

Foi em 2010 que o país aprovou a sua nova Constituição, que cimentou a hegemonia do MPLA em todas as instituições angolanas e aboliu eleições presidenciais diretas; foi também neste ano que o governo do MPLA decidiu gastar cerca de mil milhões de dólares americanos na realização do Campeonato Africano das Nações (CAN).

Cinco anos antes, em 2005, o governo anunciara o início das obras do Novo Aeroporto Internacional de Luanda, que pretendia ser o maior do continente com capacidade para 15 milhões de passageiros por ano e com pistas que poderiam receber o Airbus A380, o maior avião comercial do mundo.

Como as coisas mudam

Quase todos os estádios construídos para o CAN estão dilapidados e alguns viraram escombros; o país não tem uma indústria desportiva ou de entretenimento que consiga suportar os custos de manutenção destas mega-estruturas, construídas com mão-de-obra chinesa. Dezoito anos depois de ser anunciado à população, o Novo Aeroporto Internacional de Luanda ainda não foi concluído e já sugou mais de 9 mil milhões USD dos cofres do estado; o conhecido jornalista e e activista Rafael Marques o apelida como “O maior elefante branco de África”.

Neste preciso momento, 1 USD vale 824 kwanzas no mercado e Angola está metida numa profunda crise cambial e económica.

O kwanza é a moeda com o mais fraco rendimento no continente africano e a inflação continua a aumentar a um ritmo alucinante. A Conta Única do Tesouro está em mínimos históricos e dizia-se que só tem dinheiro para pagar apenas um mês de salários, mas recentemente o governo anunciou que teria dinheiro para pagar até ao fim do ano.

As empresas mais produtivas do país afirmam que a desvalorização do kwanza vai obrigá-las abrandar ou parar com investimentos, rever estratégias e até mesmo despedir trabalhadores.

Enquanto isso, a consultora BMI Research reviu em baixa as previsões que tinha para o crescimento económico do país: ao invés de uma expansão de 1,8%, prevê uma recessão na ordem dos 0,7%.

O efeito Fundo Soberano

Os biliões de dólares postos de lado no Fundo Soberano de Angola foram gastos de forma supérflua - salários muito acima da média para os funcionários do FSDEA; honorários e comissões milionárias para a entidade gestora do fundo, que pertencia a um amigo pessoal de Zenu (“Mais de metade destes cinco mil milhões de dólares foram investidos em esquemas e empresas destinadas ao enriquecimento pessoal de Jean-Claude Bastos de Morais”).

Estes gastos não cumpriram com os objetivos de alavancar a economia em momentos de crise, conforme o que se prometia com o FSDEA.

Por outra, os biliões de dólares recuperados na luta contra corrupção desencadeada pelo Presidente João Lourenço (ninguém sabe, ao certo, o montante exato) não têm tido o desejado efeito nas contas públicas e na economia.

Carlos Rosado de Carvalho, um dos mais respeitados economistas e jornalistas do país, sempre foi muito realista sobre a grande verdade da economia angolana, mesmo durante a euforia de outros tempos: “A grande verdade do crescimento da economia angolana é que ela está totalmente dependente do preço do petróleo. Quando o preço sobe, a nossa economia também. Quando desce, entramos em crises,” explica.

O crescimento económico de dois dígitos mencionado no início deste artigo coincidiu com os preços mais altos do barril ide petróleo jamais vistos na história recente, enquanto as mais graves crises – em 2008 e 2014 – aconteceram em alturas em que o preço do barril de petróleo afundou.

Em ambos os casos, o preço do barril de petróleo foi influenciado por várias razões geopolíticas que nada têm a ver com Angola - em 2008, foi devido à crise financeira mundial despontada pela crise imobiliária nos EUA. Depois do pico do preço do petróleo, veio a precipitosa queda. A crise de 2014 foi devido à acentuada produção de shale oil nos EUA, pouca demanda a nível global por causa de um significante aumento na oferta de petróleo, e desaceleração da produção dos países OPEC.

O verdadeiro valor do kwanza

Outro ponto importante que Rosado de Carvalho menciona é a constante interferência do Banco Nacional de Angola, e, por conseguinte, do poder político, na taxa de câmbio: “Não é que o kwanza esteja necessariamente a desvalorizar. É que o kwanza está a ajustar-se ao seu valor real porque durante meses, por uma questão puramente eleitoralista, foi mantido a níveis artificiais.”

Despesismo na origem da crise económica

Contudo, um dos principais problemas de base da economia angolana não é o facto de depender apenas de um produto, mas também pela política de despesas.

“Acontece, entretanto, que, na sequência da recuperação dos preços do petróleo bruto no mercado internacional após o choque registado em 2008, assistiu-se, a partir do ano de 2012 - numa altura em que o Tesouro Nacional havia acumulado perto de 8 mil milhões de dólares americanos para capitalizar o Fundo Soberano e um pouco mais de 7 mil milhões de dólares americanos do diferencial entre o preço efetivo e o preço orçamental do preço do petróleo -, a um despesismo que só veio a ser travado, de maneira forçada, por causa de um novo choque negativo do preço ocorrido em 2014 e que originou a crise que agora nos vem à memória” escreveu Manuel Neto Costa, economista e ex-Ministro da Economia e Planeamento, num artigo no Novo Jornal.

Já João Armando, editor do Jornal Expansão, vai um pouco mais longe: "o problema do País não são as receitas, são as despesas. A forma como gastamos o dinheiro…das frotas de automóveis que compramos compulsivamente, dos imensos subsídios que todos os anos acrescentamos aos titulares de cargos públicos, dos ordenados faraónicos de algumas empresas e instituições públicas, aos milhares de consultores que importamos sem saber bem para quê, à compra recorrente de equipamentos e serviços com contratos sobre-valorizados, às centenas de viagens em executiva ou primeira classe que pagamos aos familiares e amigos dos titulares de cargos públicos, à falta de rigor e transparência em muitas empreitadas, a este desejo de comprar, comprar, comprar, sempre mais e mais caro.”

O analista de mercado Deslandes Monteiro é mais profundo na sua análise: “O nosso problema não é simplesmente a diversificação da economia. Porque a diversificação da economia é o ponto final,” começa por explicar.

“O nosso grande problema aqui em Angola é que nós só vamos conseguir diversificar a economia se tivermos investimento privado suficiente, principalmente o investimento privado externo.” E continua: “A nossa economia só não diversificou porque nós não conseguimos diversificar nem intensificar o investimento privado, quer nacional como estrangeiro.”

Monteiro conclui o raciocínio com um exemplo: “No ano passado, Angola só atraiu 197 milhões USD em investimento privado no sector não-petrolífero. Apenas 197 milhões USD. Isto não é nada…!”

E qual a razão de, apesar do mesmo discurso oficial durante décadas, Angola não conseguir nem diversificar a sua economia, nem atrair o tão desejado e necessário investimento privado interno ou externo?

Carlos Rosado de Carvalho é peremptório: “Uma das razões é o pânico. Muitos dos nossos governantes têm pânico de ter de ‘abrir o país’ e concorrer com o know-how de fora, têm pânico de não serem os guardiões da economia nacional, dos investidores poderem passar por eles e ter acesso a um mercado livre local.”

Deslandes Monteiro enumera uma série de razões que, como diz, “são do conhecimento de todos”: “o excessivo peso do estado na economia, a falta de infraestrutura adequada – apesar dos biliões já gastos, o nosso problema nunca foi o investimento feito, mas sim a qualidade de investimento público” –, entre estradas, telecomunicações, e sistemas de distribuição de energia, a falta de legislação clara que proteja a propriedade privada, a falta de capital humano, a falta de um sistema de justiça credível e confiável, e a falta de um sistema financeiro sólido.

"Após 20 anos de paz e crises cíclicas diretamente relacionadas com a baixa do preço do petróleo, a crise actual denota uma realidade mais clara: existe, em Angola, uma forte crise de liderança e uma falta de competência estrutural que contribui para a incapacidade de utilizar os recursos do estado para melhorar a vida da população e levar o país ao desenvolvimento", diz Deslandes Monteiro. VOA

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