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Quinta, 14 Agosto 2014 14:13

Vou lutar pela honra e dignidade, minha e da minha família - Ricardo Salgado

Num encontro com o Diário Económico, o antigo líder do BES fala da vontade de limpar o seu nome, mas deixa por responder, por motivos legais, as questões mais quentes sobre o banco.

Um mês depois de ter deixado a presidência do Banco Espírito Santo, no dia 13 de Julho, Ricardo Salgado, fala pela primeira vez com um jornalista. É um homem sereno que surge no hall do Hotel Palácio do Estoril. Avisa que só pode falar de si próprio e, mesmo assim, pouco.

Este é o homem que liderou a mais prestigiada dinastia financeira em Portugal. O homem que estava ao leme do banco que, com estrondo, faliu. O homem que é suspeito de ter sido responsável por práticas ilegais que ocultaram perdas, perdas que cresceram quase dois mil milhões de euros quando já estava de saída da administração. O homem que foi detido em público, e sobre cuja cabeça pende a responsabilidade - a apurar nos tribunais - de ter gerado milhões de euros de perdas aos accionistas e outros investidores. O homem que, bajulado e temido durante décadas, é agora apontado como um criminoso.

Sobre tudo isto, Ricardo Salgado remete quaisquer declarações para depois de serem conhecidas as conclusões do relatório da auditoria forense às contas do BES, que está a ser feita pela PwC e pelo Banco de Portugal. Mas é visível uma determinação que se traduz na frase: "Vou lutar pela honra e dignidade, minha e da minha família".

A família que, salvo os choques conhecidos com José Maria Ricciardi, sempre o apoiou mas que agora deve nutrir sentimentos bem díspares pelo antigo líder do banco e do grupo Espírito Santo, por força da perda de valor dos activos e do congelamento das contas bancárias. O que, em sua opinião, provocou esta crise e a liquidação do banco é algo de que promete falar no momento em que for possível fazer uma análise serena e objectiva.

Os accionistas que acreditaram em Ricardo Salgado e no Grupo Espírito Santo são, naturalmente, um dos temas abordados, até porque perderam tudo, especialmente os que acorreram ao recente aumento de capital. A resposta fica-lhe atravessada na garganta, fruto de uma prudência também jurídica. Por razões legais, não pode falar, mas dá a entender que essa é uma das principais preocupações que o acompanha. É um homem de compromissos, defende, e, se puder, vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para recuperar essa confiança e esses investimentos. E não se considera responsável pela queda do banco.

Questionado sobre como se sente depois de passar de um dos homens mais poderosos do País a uma situação em que é estigmatizado como um bandido, responde com uma citação do Papa Francisco, uma de várias que utiliza durante o encontro: "Não chores pelo teu sofrimento, luta pela tua felicidade". Ricardo Salgado é hoje um homem que parece não ter percebido ainda bem o que lhe aconteceu. Foram demasiadas as emoções que viveu nos últimos tempos, em particular, no último mês, desde o desmoronar do grupo que liderava, à detenção para averiguações e à liquidação e divisão do Banco Espírito Santo.

Tem planos para o futuro, admite, mas tem também a lucidez de pensar que os 70 anos que já conta são um travão a grandes projectos. Não acredita que a sua geração possa recuperar o prestígio perdido do nome Espírito Santo, mas dá a entender que as gerações mais jovens poderão reconstruir a aura que era comparável à dos Rockefeller nos Estados Unidos e dos Rothschild na Europa. Questionado sobre os activos e o dinheiro que terá no estrangeiro, dá a entender que não tem mais nada para além do que é conhecido e está registado. E desmente a existência de depósitos de milhões na Ásia, como chegou a ser noticiado. O facto de ter apostado muito no grupo e no banco, onde era o administrador com maior número de acções, fizeram-no perder grande parte dos activos que adquiriu. Mas ao falar disso, cita uma vez mais o Papa Francisco: "Não chores pelo que perdeste, luta pelo que tens". É o que tenciona fazer.

Já no escritório improvisado em duas salas do Hotel Palácio do Estoril vêem-se, ao fundo, os caixotes com o logotipo do Banco Espírito Santo onde transportou os documentos pessoais que tinha no gabinete do banco e que, por força da necessidade de o desocupar rapidamente, acabaram por ser amontoados nas caixas. O mobiliário é constituído por uma mesa de reunião e duas secretárias, não se vislumbrando qualquer máquina de destruição de documentos, como chegou a ser aventado. Se existe, ficou escondida.

Os boatos à volta de Ricardo Salgado têm-se multiplicado. Um deles diz respeito à fuga para o estrangeiro. O passaporte foi-lhe retirado quando foi detido para averiguações. Depois disso começou a correr que tinha dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, e que poderia viajar com passaporte brasileiro. Passaporte que, afinal, não existe, tal como não existe a dupla nacionalidade. Mais, o único passaporte que tem continua nas mãos das autoridades, apesar de o poder ter recuperado quando pagou a caução que lhe foi imposta. Caução que, salienta, não foi a compra da liberdade, como acontece nos EUA e noutros países, mas a medida de coacção que lhe foi imposta para além do termo de identidade e residência.

Para alguém que foi, durante 22 anos o líder de um dos maiores bancos nacionais, cuja gestão era considerada a nível internacional e habituado a ter sempre um séquito a procurar dar-lhe uma palavra, bem como alguns dos principais empresários e políticos nacionais a tentar contactá-lo, a calma de hoje é, com certeza, estranha. Acompanha-o no dia-a-dia a secretária de toda a vida e mais duas ou três pessoas, mas o telefone está, na maior parte do tempo, calado. Ricardo Salgado não se mostra preocupado e faz mais uma citação do Papa Francisco: "Não chores pelos que te abandonaram e luta pelos que estão contigo". Luta essa que promete só estar a começar.

Diário Económico

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