A moeda nacional depreciou 2%, entre 20 e 27 de Maio, elevando assim o custo da moeda norte-americana, no mercado oficial, para os 584,667 Kz, ou seja, mais 12,1 Kz do que na semana anterior.
No mesmo período, o Kwanza também caiu 2,2% face ao euro, já que comprar a moeda da União Europeia custava, há uma semana, 626,51 Kz e esta quarta-feira, dia 27, cada euro passou a valer mais 15 Kz do que no período anterior, ou seja, 641,20 Kz.
Já na rua, o preço médio para a compra do dólar esteve fixado nos 725 Kz, originando um gap de 24% face ao preço praticado pelo mercado formal de moeda estrangeira.
Por sua vez, um euro foi vendido na quarta-feira, no informal, a 772,5 Kz. Face à taxa praticada pelo mercado formal, o diferencial fixou-se 20,3%.
Entre as principais justificações da subida sucessiva das taxas de câmbio, analistas e técnicos de bancos consultados pelo Expansão apontam a crise do sector petrolífero, que reduziu as receitas em moeda estrangeira ao país.
Aliás, o próprio o Banco Nacional de Angola (BNA) reconheceu, em resposta a questões do Expansão, que a redução das receitas da exportação petrolífera, cujo preço tem vindo a diminuir, tem afectado a disponibilidade de moeda estrangeira que tende a ser menor. "É também muito importante lembrar que o país não controla o preço nem a produção deste produto sobre o qual depende quase unicamente para as suas receitas de moeda estrangeira", apontou o BNA. (...)
Depreciação do Kwanza atira salário mínimo para a cauda da SADC
O mínimo dos salários mínimos em Angola é de 21.454 Kz, equivalente a 37 USD. Para comprar uma cesta básica para uma família de até 6 pessoas são precisos quatro salários mínimos do sector da agricultura. Desde o início da crise, há uma quebra de quase 41% no poder de compra dos trabalhadores com salários mínimos.
Um trabalhador do sector da agricultura que receba o salário mínimo nacional garantido único de 21.454 Kz, equivalente hoje a 37 USD, está em situação de pobreza extrema, já que, a preços de mercado, tem um rendimento abaixo dos 1,9 USD por dia definidos pelo Banco Mundial como linha que separa a pobreza.
Com a desvalorização cambial do Kwanza iniciada em 2018, equivalente a 71% face ao dólar, os mínimos do salário mínimo angolano caíram para a cauda dos salários mínimos da SADC e juntaram-se ao grupo de (agora) quatro países em que esta remuneração mantém os trabalhadores em pobreza extrema.
Em Angola estão definidos salários mínimos dos privados por sector de actividade. O mínimo na agricultura é de 21.454,1 Kz, nos transportes, serviços e indústria transformadora é de 26.817,6 Kz e no comércio e indústria extractiva é de 32.181,2 Kz. Estes valores foram actualizados em Março de 2018, tratando- se do segundo aumento desde o início da crise. Só que os aumentos nunca chegaram para compensar a queda no poder de compra provocada pela alta inflação.
Entre Julho de 2014 e Maio de 2020, o custo de vida em Angola medido pelo Índice de Preços no Consumidor aumentou 142,2%. Já os salários aumentaram 10% (em 2017) e 30% (em 2018), o que dá um aumento global de 43%. Feitas as contas, chega-se a uma quebra de quase 41% no poder de compra dos trabalhadores com salários mínimos. Se os preços dos produtos sobem e os salários não aumentam em proporção, o efeito directo é uma quebra no consumo. Ou seja, admitindo que com o salário mínimo de Julho de 2014 um trabalhador conseguia comprar 100 pães, com o actual salário mínimo só conseguirá comprar 59 pães.
Na prática, a inflação é um imposto escondido porque os aumentos dos salários não acompanham o ritmo de crescimento dos preços, corroendo o poder de compra dos trabalhadores. Tal como o imposto sobre os rendimentos do trabalho, a inflação acaba por reduzir o rendimento real de quem vive do salário. Assim, para repor o poder de compra terão que ser feitos aumentos salariais com base na inflação o que não deverá acontecer em breve, até porque, de acordo com o programa de assistência financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Governo está obrigado a "manter os aumentos salariais abaixo da inflação e concentrando as novas contratações em áreas prioritárias".
Angola passa actualmente pela quarta recessão económica consecutiva, com aumento da inflação e do desemprego o que provoca, necessariamente, uma quebra no consumo. Na prática, menor consumo representa menos crescimento e menos criação de emprego e, por sua vez, aumento da pobreza.
Tudo isto num quadro em que o País não avançou com o processo de diversificação económica, em que depende em demasia das receitas petrolíferas (que têm vindo a cair), bem como das importações de bens alimentares, e em que a moeda nacional depreciou 71% face ao dólar desde 2018. É neste sentido em que ao não serem actualizados os salários nesta fase, coloca Angola muito longe da média de salários mínimos dos países da SADC, que é equivalente a 86 USD.
Segundo Manuel Viage, secretário- geral da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos-Confederação Sindical (UNTA-CS), a cesta básica para uma família de 5 a 6 pessoas custa cerca de 84 mil Kz, equivalente a 146 USD.
Contas feitas, os bens essenciais custam quase quatro vezes mais que o salário mínimo da agricultura, o que significa um quadro de pobreza extrema para muitas famílias angolanas. Isto, numa fase em que as empresas passam por grandes dificuldades e que estão praticamente impedidas de avançar com aumentos salariais. (...) Expansão