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Sábado, 14 Novembro 2015 11:35

Tem indivíduos que querem fazer arruaças, partir coisas e incendiar coisas - Embaixador

O embaixador itinerante de Angola, António Luvualu de Carvalho, fala em entrevista ao DN a propósito dos 40 anos da independência do país.

A queda a pique do preço do petróleo expôs as dificuldades que ainda se vivem em Angola e deu maior visibilidade internacional à luta política interna. O embaixador itinerante António Luvualu de Carvalho veio a Lisboa dar a sua versão sobre os últimos acontecimentos. Falou sobre a detenção do luso-angolano Luaty Beirão e defendeu a sua interpretação dos factos, uma leitura sintonizada com a investigação policial, embora ainda não selada por um tribunal. Enquanto esteve em Portugal, António de Carvalho aceitou também debater o caso na RTP3 com o escritor José Eduardo Agualusa, com quem tirou uma selfie. Antes desse confronto televisivo, o embaixador respondeu às perguntas do 'Diário de Notícias' (que tem como acionista não maioritário o angolano António Mosquito) e falou sobre a situação económica do país, sobre o ambiente político e social em Angola, e procurou demonstrar que há um caminho a fazer e que isso tem de ser mais compreendido fora de Angola. Especialmente em Lisboa.

Com a queda do preço do petróleo ficou muito mais visível a dificuldade dos angolanos no dia a dia.

Se fizermos uma análise puramente económica e olharmos para os efeitos que [a baixa do petróleo] tem na população, veremos que a última proposta do Orçamento Geral do Estado, entregue há duas semanas na Assembleia, implicou um corte de perto de 40% na despesa pública.

Já o orçamento deste ano sofreu um corte idêntico. Este aperto para 2016 acumula ao deste ano, isto, é, qual é o ponto de partida? Há espaço para uma austeridade tão violenta?

É o segundo corte este ano, é verdade, embora neste caso para o exercício fiscal de 2016. É apenas uma previsão, veremos o que acontece ao longo do ano, mas não vale a pena contar com o que não existe neste momento. Se antes tínhamos um barril a rondar os 100 ou os 105 dólares, passámos para uma situação em que o barril chegou aos 45 dólares. Portanto, essa diferença teve de ser acomodada, por mais difícil que tenha sido. Contamos com um preço de 45 dólares, o que nos leva a ter um Orçamento muito mais contido. É um orçamento que obrigará a que se faça mais contenções na despesa, é verdade e é inevitável, porque a nossa economia, como outras parecidas, ainda depende muito desta matéria-prima.

Em que áreas da despesa vão cortar?

Existem setores em que o Estado pode racionalizar e pode gerir melhor os recursos que tem. Não vou especificar, porque não seria rigoroso, mas deixe-me salvaguardar que é natural que as importações que Angola faz hoje sejam mantidas, porque sabemos que a grande parte do que consumimos no país ainda é importado.

Há uma grande dependência das receitas do crude...

O que temos visto nos últimos anos, em particular nos últimos dois, é um crescimento muito forte do setor não petrolífero. É questão que temos de salientar, embora compreenda que ao longe isso não seja tão evidente como é para nós. Se Angola não tomasse medidas preventivas estaria a correr um risco muito grande de adoecer profundamente da doença holandesa, ficando em dependência extrema do petróleo.

Da doença holandesa?

Da doença holandesa, a 'dutch disease', porque a Holanda, durante os anos 70 do século passado, depois de ter descoberto o petróleo, também sofreu muito com a desvalorização, com os choques petrolíferos, e percebeu que não podia depender simplesmente do petróleo. Portanto, esta diversificação da economia que tem sido feita em Angola já tem estado a dar os seus frutos, apesar de ainda não os desejados. Mas existem setores fora do setor petrolífero que podem ser explorados.

Nos anos 70 a economia holandesa não era comparável à de hoje em Angola. Por exemplo, o seu país é muito dependente face ao exterior na área alimentar, nos bens de primeira necessidade. Angola já exportou café, tinha cereais, produzia farinha de peixe, tinha um setor de pescas... e hoje importa 80% dos bens alimentares.

É uma constatação verídica. Mas vemos isso porquê? Porque a guerra destruiu quase todo o nosso tecido industrial. Os ciclos do sisal foram quebrados, o ciclo do café, o ciclo da produção de açúcar... a banana. Os ciclos agrícolas foram quebrados e isso não se recompõe de um ano para o outro. Seria bom, mas não é possível, há um caminho a fazer. Temos um estudo do Banco de Desenvolvimento Africano e outro da União Africana que nos dizem que Angola é dos países com maior potencial agrícola de todo o continente africano. Praticamente 70% do nosso solo é arável, o que para um país africano é extraordinário.

Mas apenas 3% é hoje cultivado.

Por causa da guerra e porque passámos por um grande programa de desminagem. Sabemos que Angola chegou a ter minas quase comparadas com o caso do Camboja e outros países do Extremo Oriente altamente minados. Mas agora o país já está praticamente todo limpo e desminado. Pode ser trabalhado em segurança. Claro, existem áreas, como o Namibe, ou algumas áreas do Kuando Kubango e do Moxico que terão menos potencial agrícola, mas há um trabalho a nível nacional que está a ser feito. O Estado criou vários programas, como créditos de campanha agrícola, créditos de fomento agrícola, criou o Banco de Desenvolvimento de Angola, tudo isto para fomentar o setor agrícola.

Mas a impressão que se tem de fora - da Europa e, em particular, de Portugal - é que os grandes anos do boom do petróleo não foram aproveitados. A corrupção desviou os recursos públicos?

Quanto a essa análise eu digo-lhe que não é totalmente justa ou sequer justa. Eu sou um conhecedor, não digo que profundo, mas sou um conhecedor do mercado petrolífero e tenho de sublinhar que a maioria das pessoas tem uma perceção errada sobre este setor. Quando veem o barril a 100 dólares pensam que o Estado angolano recebe os 100 dólares pela exploração do barril. O Estado angolano há de receber, por cada 100 dólares de barril explorado, 30 ou 40 dólares, no máximo. Temos os custos de produção, temos os custos inerentes às próprias empresas, os 'royalties'... temos, enfim, uma série de questões em volta da indústria petrolífera que nos fazem pensar que não é aquele dinheiro todo que as pessoas pensam e que as leva a tirar muitas conclusões erradas.

Não sendo tudo lucro, há vários relatórios internacionais independentes que denunciam casos de corrupção e desvio de fundos nas áreas mais rentáveis: petróleo e diamantes.

Sinto, principalmente aqui em Portugal, que existem três coisas sempre que se fala deste assunto: existe uma enorme teatralização, existe dramatização e existe um exagero muito grande quando se fala de Angola. Três coisas: teatro, drama, exagero. Teatro porque nós vemos pessoas..., às vezes - posso até citar pessoas aqui, portuguesas, sem, claro, referir nomes -, temos pessoas que saem daqui de Portugal, vão para Angola, solicitam-nos apoio, fazem o seu trabalho de campo, desenvolvem o seu trabalho, está tudo bem. Mas quando voltam a Portugal... de repente já é tudo ao contrário: porque Angola é uma cleptocracia, é isto, é aquilo. Mas quando estão em Angola a conversa não é essa. A conversa é completamente diferente.

Os relatórios internacionais de que lhe falei sobre a falta de transparência e a corrupção... o que pensa deles?

Tudo o que acontece em Angola é porque Angola é um país onde não existe liberdade, não existe liberdade de imprensa, não existe liberdade de opinião... e isso é falso. Falso! Nós somos dos países em África com maior número de jornais privados. Nós, todas as semanas, todos os finais de semana, todas as sextas, sábados e domingos, temos em Luanda perto de 20 jornais privados que passam a vida a atacar o governo, a atacar a figura do sr. Presidente da República... e de forma muitíssimo violenta. Sabia disso?

Deixe-me fazer-lhe a pergunta de outra maneira. Rejeita a existência de um grupo de empresários chegados ao partido do poder ou com ligações a José Eduardo dos Santos, que beneficiam ou beneficiaram desse acesso para fazer negócios?

Isso é mentira. Não se tem de ter cartão do partido do MPLA para se ser empresário bem-sucedido. Isso é falso. Existe uma organização partidária, o partido do MPLA, que é um partido organizado, tal como é o PSD ou como é o CDS ou como é o PS...

Um pouco diferente, não lhe parece?

É um pouco diferente, sim, porque a sua matriz também é diferente, não é? Se calhar estamos a falar de um partido com maior número de militantes, mas também são partidos organizados. Há um caminho a fazer? As nossas instituições têm de fortalecer-se mais? Há desigualdades? Há erros? Há problemas estruturais? Mas quem não os tem? Portugal não os tem? Dizer que é tudo corrupto em Angola não é justo e não é sério, é uma generalização que tenta contaminar as relações entre os nossos países.

De acordo com um estudo do Banco BIC, Angola é tido como um país economicamente muito desigual. A maioria da riqueza do país está concentrada numa pequeníssima parte da população. Como vê isto?

Temos estado numa fase de transição. E eu digo sempre que não podemos ver Angola, um país que tem 13 anos de paz, e compará-la com países que têm 100 ou 50 anos de paz. Seria fantástico que tivéssemos feito em 13 anos o que outros levaram séculos, mas isso não existe, não acontece em lado nenhum. Olhe para a nossa trajetória... Quanto à questão da muita riqueza ou da muita pobreza: isso depende dos níveis de aferição. É um estudo do Banco BIC...

...o BIC é um banco angolano.

Angolano, exatamente. Mas os estudos do governo dizem-nos que a diminuição do fosso entre os muitos ricos e os menos ricos tem estado a acontecer. Podia ser mais rápido? Pode sempre, mas veja como as coisas têm mudado para melhor.

Consegue quantificar isso?

Bom, quantificar, não, não tenho os dados comigo. Mas digo-lhe que à medida que a sociedade se vai desenvolvendo o fosso vai diminuindo. Dou-lhe o exemplo do ensino superior. Nós, a 4 de abril de 2002, quando foi alcançada a paz, tínhamos no país três instituições de ensino privado. Hoje temos mais de 50 instituições de ensino privado.

Há quem considere que precisam de melhorar a qualidade do ensino, que isso é apenas para encher o olho...

Houve, digamos, a preocupação inicial de quantificação de alargar o acesso, mas agora haverá também a requalificação. É o mercado a funcionar. O mercado vai tornar claro quem são os melhores e quem são os menos qualificados. Mas este é um exemplo de que tínhamos um certo número de pessoas com o ensino superior e agora estamos a ter outro número de pessoas com o ensino superior. Cada vez vamos tendo mais pessoas com maiores qualificações... e assim vamos criando uma classe média mais qualificada.

Nos primeiros anos de paz os antigos generais do MPLA acabaram por ocupar lugares de destaque.

Passámos já por essa fase, é verdade. Foi uma fase que aconteceu e, claro, contra factos não há argumentos, não é? Houve uma fase de transição. E, contrariamente àquilo que se pensa, não era um grupo de generais, não eram 50 ou 100 generais que controlavam o país. Era um grupo de quatro, cinco pessoas bem identificadas, estão aí presentes...

Quem são essas pessoas?

Bom, quando entramos para o lado mais pessoal... Mas são pessoas que estão livres, pessoas que fizeram negócios, inclusive aqui em Portugal, são pessoas que conseguiram, durante algum tempo, criar as suas empresas, entraram para o mercado, competiram. Porque não nos podemos esquecer: quem ajudou a introduzir a economia plural, a economia múltipla, foi a comunidade internacional. Com a queda do muro de Berlim e depois em 1991 com os Acordos de Bicesse acabou o monopartidarismo, entrou o multipartidarismo. O multipartidarismo trouxe o mercado aberto. E com este mercado as pessoas que tinham conseguido constituir alguns fundos e tinham criado as suas empresas. É [por isso] natural que tenham aparecido alguns ex-militares. Mas hoje em dia não. Não, não e não. Não existe um grupo de generais que controla o país. Isso é mentira. É completamente falso. Hoje existem bancos comerciais onde as pessoas vão buscar os financiamentos, onde as pessoas vão fazer as suas operações bancárias. Ou seja, Angola é um país que está sincronizado com a comunidade internacional. Tem a Comissão de Mercado de Valores Imobiliários. Enfim, tem esta organização toda, embora a ganhar força.

Mas existem também, como sabe, uma série de relatórios sobre o nível de transparência e da relação entre o setor público e o privado que dizem ou que apontam o contrário.

Sabe que esta questão dos relatórios depende muito de como é que eles são vistos e de como é que eles são feitos. Eu, por acaso, ontem estava a consultar o Reputation Institute, um instituto dinamarquês, que diz que a imagem externa de Angola melhorou mais de 20% desde 2011. É um estudo de um instituto, digamos, renomado, que faz análises sobre vários países e diz que a imagem externa de Angola tem estado a melhorar. Angola passou por processos que muitos países passaram, que Portugal passou depois do 25 de Abril, que o Brasil passou depois dos governos militares, que a Argentina também passou. É um processo...

Nos últimos 10 anos Angola reduziu para metade o número de pessoas que vivem no limiar da pobreza. O país ascendeu à lista de 20 estados africanos classificados pelo Banco Mundial como países de rendimento médio, ao lado da África do Sul, da Nigéria e do Egito. Apesar de uma parte relevante desse rendimento estar concentrada na cúpula. O que acontecerá daqui para a frente com o petróleo tão baixo, quais serão as consequências políticas e sociais?

A questão do combate à pobreza tem sido uma das principais batalhas do Presidente José Eduardo dos Santos e continuará a ser. O país conseguiu isto através de programas diversos como o Água Para Todos, programas de luta contra a fome, programas de alfabetização, programas vários para reduzir a pobreza, mas sabemos que esse é um caminho longo e que hoje é mais difícil porque há menos capacidade orçamental. Mas as políticas mantêm-se. Temos de fazer mais com menos.

Apenas 20% das crianças entre os 12 e os 17 anos vão à escola, apesar de já 76% até aos 12 anos estarem inscritas; apenas 60% da população tem acesso ao saneamento básico e só 42% tem acesso a saneamento potável...

A luta contra a pobreza é uma questão muito sensível. Até os países da União Europeia têm bolsas relevantes de pobreza, embora a um nível diferente, claro. Ainda recentemente, aqui em Portugal, vi um estudo da União Europeia que dizia que um quinto da população portuguesa vivia abaixo do limiar da pobreza... Um quinto, dois milhões de portugueses ainda vivem também nesta linha da pobreza.

Uma coisa é viver com um par de dólares por dia e outra coisa é viver...

...uma coisa é viver na União Europeia e outra coisa é viver em África, mas não deixa de ser uma luta contra a pobreza, embora com pontos de partida diferentes. Portanto, é uma questão muito sensível e, claro, os esforços têm sido esses. Mas, você perguntava-me como é que será Angola com o petróleo a este preço...

Sim, aguentam muitos anos com o preço a este nível?

Aguenta-se. Aguenta-se. Nós já estivemos com o petróleo a seis, dez, 12 dólares e o país resistiu. Embora noutros cenários, noutros contextos, com uma população menor, com um estilo de vida diferente. Mas conseguiremos. Porquê? Porque Angola tem todas as indústrias alternativas para conseguir sobreviver sem ter uma dependência total das receitas do petróleo.

Quais indústrias?

A indústria hoteleira, por exemplo. A indústria...

Pessoas que vão em negócios para Angola, é isso?

Fazer de Angola um país atrativo do ponto de vista turístico, como, por exemplo, a África do Sul, o Botswana, o Zimbabué...

Falemos de política. José Eduardo dos Santos está no poder há 32 anos...

...isso, 32 anos.

Para os parâmetros ocidentais é uma coisa impensável.

A questão da permanência do sr. Presidente na Presidência da República não tem sido uma questão encarada em Angola como vital. Porquê? Porque os angolanos percebem, a maioria percebe, que o país só não esteve dentro do processo das eleições periódicas por causa do sistema político que vivia. Se virmos, de 1975 até 1991, altura dos Acordos de Bicesse... tratava-se de uma circunstância em que vivíamos num regime de partido único. Depois, em 1992, aconteceram eleições que foram qualificadas pela comunidade internacional como sendo livres e justas. Em 1992, as eleições foram ganhas pelo MPLA e pelo seu candidato presidencial. De 1992 até 2002 era impossível realizarem-se eleições em Angola. Realizávamos eleições só em Luanda, em Benguela, na Huíla, no Cunene e em Cabinda, onde há administração do Estado, e noutras partes não? A comunidade internacional o que diria? Depois, de 2002 para 2008, houve uma espécie de consenso nacional de que devia fazer-se a reestruturação do país, repor a administração do Estado em todos os municípios, em todas as cidades capitais e, com isso, criarem-se condições para que houvesse eleições. Foi o que aconteceu em 2008, tivemos eleições legislativas ganhas pelo partido do MPLA com maioria absoluta.

Qual foi a percentagem?

81%

É um número...

... é um número em que não houve contestação. A comunidade internacional ratificou. Nós sabemos que em África sempre que existem eleições os partidos que estão na oposição, mesmo antes do pleito eleitoral, dizem logo que houve fraude. É um exercício sistemático em África. Aconteceu na África do Sul, aconteceu agora com a Guiné-Conacri, acontece em todo o sítio. Portanto, em 2012 houve novamente eleições gerais, ganhas com 71% pelo partido do MPLA. Uma maioria significativa ganha pelo partido do MPLA, que tem a maioria no Parlamento, e pelo seu candidato presidencial. E a nossa Constituição diz que o Presidente da República tem direito a dois mandatos constitucionais. Portanto, constitucionalmente pode concorrer às eleições em 2017.

Eleições tem havido, mas há notícias de manifestantes detidos, de um clima hostil em relação aos partidos da oposição... O que pensa disto?

Essa é uma névoa que tem sido criada muito pelos partidos da oposição e por alguns grupos de pressão da sociedade civil angolana. A nossa é uma sociedade civil como todas as outras.

Que grupos são esses, está a ser vago...

Grupos... algumas organizações não-governamentais como a JPD, a Associação Justiça, Paz e Democracia. Entidades angolanas mesmo, nem sempre internacionais, embora algumas internacionais também, que vão financiando este tipo de organizações. Algumas não abertamente, outras a coberto de outras instituições. Por exemplo, há uns dias o sr. ministro do Interior deu uma conferência de imprensa onde dizia que, no ano passado, houve uma cidadã italiana que foi convidada a abandonar o território angolano porque estava a incitar um grupo de jovens a manifestarem-se e a morrerem, para que houvesse uma comoção internacional. O sr. ministro do Interior, Ângelo Tavares, deu essa entrevista e a cidadã foi convidada a abandonar o país. Mas dizia eu, sobre as manifestações, que em Angola existe liberdade total para haver manifestações. E está garantido por lei. Existe liberdade de manifestação, liberdade de expressão, etc.

Ela existe no papel...

Na prática também existe. Mas vou explicar-lhe o que é que tem acontecido. Este grupo de anarco-sindicalistas, indivíduos que se propõem sair às ruas, partir, quebrar... aqui, na Europa também existem, por exemplo na Grécia. Indivíduos que querem ir para a rua e fazer arruaças, partir coisas e incendiar coisas. Aconteceu em Londres, também. E eu digo sempre: quando estes indivíduos, aqui na Europa, partem, quebram vitrinas são arruaceiros, são anarco-sindicalistas, mas quando são em África ou em Angola, dizem que são indivíduos que lutam pela liberdade, pelos direitos humanos.

Luaty Beirão é um anarco-sindicalista, um revolucionário? Parece-lhe mesmo?

Esta é a grande mentira que tem sido dita aqui em Portugal durante estes últimos 90 dias: desde a detenção desses jovens até agora. É a grande mentira. Ninguém foi detido por estar a ler um livro, como se tem escrito e dito. Aquele grupo foi detido numa biblioteca, na casa de um professor, no Bairro Vila Alice. E nessa biblioteca, durante algum tempo - estamos a falar dos laudos publicados pelo Serviço de Informação Criminal - várias pessoas frequentavam seminários de como alterar a ordem pública. Esta é a verdade.

O que é que significa "seminários para alterar a ordem pública"?

Eram dadas palestras onde o sr. Domingos da Cruz, que é autor de um livro sucedâneo do livro de Gene Sharp, [Da Democracia à Ditadura]. E este Domingos da Cruz, nesse seu sucedâneo, faz um capítulo sobre como retirar o Presidente José Eduardo dos Santos do poder. Portanto, é uma ideologia que ele defendia. E transmitia isto aos seus seguidores, um grupo de jovens onde se encontrava Luaty Beirão...

Já está a dar como provada a acusação?

A liberdade de expressão leva-nos até um certo ponto: desde que não atentemos contra segurança do Estado, muito bem, não há problema nenhum. Mas estas pessoas já estavam a ter esta espécie de formação durante algum tempo. E quando as autoridades que faziam o acompanhamento - porque os serviços de segurança existem em qualquer parte do mundo, aqui em Portugal existe o SIED [Serviços de Informações Estratégicas de Defesa]... -, dizia eu, as autoridades acharam que este grupo de jovens estava muito perto de concretizar uma ação em massa de desestabilização da sociedade. Este grupo quis aproveitar a visita a Angola de um chefe de Estado estrangeiro para provocar...

A visita de quem?

Do presidente francês, François Hollande. Quiseram aproveitar esta ocasião para promover atos de distúrbio público, atos de vandalismo, atos de anarco-sindicalismo puro. Portanto, agora passemos à análise lógica da questão. Será que as autoridades deviam permitir? Teríamos de chegar ao ponto de haver destruição para haver detenção? Eu acho que não. E dou-lhe exemplos das autoridades norte-americanas que fazem o mesmo.

Pode concretizar?

É a justiça preventiva a funcionar. E podemos passar dos Estados Unidos aqui para a Europa. Na semana passada, em Londres, foi condenado um jovem de 15 anos porque enviou meia centena de 'e-mails' a ameaçar decapitar polícias. O nosso sistema judicial julgará o caso. Nós temos grande parte dos nossos magistrados formados aqui, em Portugal, sabia? Portanto, deixemos a justiça funcionar. Será um julgamento completamente imparcial e livre, como sempre, com todas as garantias e recursos.

Vai ter acesso livre, haverá cobertura jornalística?

Eu acredito que sim. A partir do momento em que a sua data é anunciada e etc., acredito que sim.

Como é que viu a greve de fome de Luaty Beirão?

Não é uma questão política, é uma questão mais pessoal. Ele e os outros estão a seguir as instruções que estão no tal livro de Gene Sharp. É um livro que nós conhecemos. Aliás, Gene Sharp é um autor conhecido aqui na Europa e na América e mesmo em África, porque em Angola o livro também existe, contrariamente ao que se diz: "Porque está proibido, porque..." É mentira! O livro existe. Como existe o Diamantes de Sangue. Quem tiver de ler ou quiser ler vai ler e ninguém vai ser detido por isso, porque ninguém prende ninguém em Angola por estar a ler um livro. Haverá outras provas em tribunal e o juiz decidirá se são ou não suficientes, como aconteceria em Portugal.

Diário de Notícia

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