O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, em visita de Estado a Angola, retomar os financiamentos brasileiros no país africano. Casos de corrupção desvendados pela Lava Jato paralisaram as operações de crédito oito anos atrás. Dezoito empresas, entre as quais algumas das principais construtoras do País investigadas na operação, aproveitaram a presença do presidente em Luanda para pedir a reabertura dos financiamentos no país. O valor pode chegar a U$ 100 milhões.
Na sexta-feira, 25, um grupo de executivos que incluía os CEOs da Novonor (antiga Odebrecht), Hector Nunez, da Andrade Gutierrez, Carlos Souza, e da Queiroz Galvão, Gustavo Guerra, conseguiu uma reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no hotel Intercontinental, o mais moderno e luxuoso de Luanda, capital do país.
Base da comitiva presidencial, o hotel inaugurado em 2020 sob a bandeira de um grupo global fica num prédio tomado recentemente pelo Estado angolano de Isabel Santos, a bilionária filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Ela é acusada de crimes em Angola e entrou na lista vermelha da Interpol, com ordem de captura.
“Vamos voltar a fazer financiamento para os países africanos. Vamos voltar a fazer investimento para Angola, que é um bom pagador das coisas que o Brasil investiu aqui. Angola sempre foi um país que nos deu certeza que cada dólar investido aqui seria ressarcido e assim o fez. Angola é importante porque Angola dá estabilidade. Eu vou repetir: Angola paga. Angola não vive devendo”, afirmou Lula, em discurso no Foro Empresarial Brasil-Angola.
“Temos orgulho de ter contribuído, no passado, com o financiamento de projetos de rodovias, saneamento, abastecimento de água e geração e distribuição de energia elétrica”, disse Lula na Assembleia Nacional.
Apesar de Lula ter tomado a decisão política e dito que retomará os financiamentos, integrantes do governo veem potencial de embates e desgaste político, sobretudo no Congresso, dado o histórico da Lava Jato.
Em acordo de leniência nos Estados Unidos, a Odebrecht confessou o pagamento de propinas estimadas em U$ 788 milhões a políticos e servidores em 12 países, inclusive Brasil e Angola.
O próprio presidente Lula virou réu numa ação penal, acusado de corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e tráfico de influência internacional, em decorrência de delações dos executivos da construtora. O caso ficou conhecido como “esquema Angola” e foi apurado na Operação Janus. Havia suspeita sobre a atuação dele entre 2008 e 2015, no cargo de presidente e fora dele.
Os ex-executivos da Odebrecht chegaram a relatar conversas com pedido de ajuda a Lula. Havia suspeita de repasses de R$ 30 milhões à empresa de um sobrinho de Lula e pagamentos por palestras do petista, como contrapartida, além de despesas de familiares. Depois, Marcelo Odebrecht voltou atrás, e os depoimentos se chocaram. O Ministério Público chegou a pedir a absolvição do petista, em parte dos crimes. Lula negou irregularidades, e sua defesa conseguiu encerrar o processo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ciente da sensibilidade do assunto, Haddad orientou que os empresários tomem a dianteira e manifestem seus interesses e necessidades por meio de uma carta à sociedade, ao Executivo e ao Congresso. Para o ministro, cabe a eles pedir os recursos e indicar como vão fazer para adotar mecanismos de transparência e controle, a fim de evitar novos escândalos de suborno e pagamento de propina, seja no Brasil ou em Angola. Haddad disse que, do contrário, a liberação de dinheiro a Angola pode “cair na vala do Fla-Flu” e acabar barrada pela disputa política.
“Eles precisam explicar ao País o que está afetando a vida das empresas, para que o debate seja aberto, feito à luz do dia, com tranquilidade”, afirmou Haddad ao Estadão, após o encontro. “O ambiente no Brasil sobre isso é delicado. O ambiente no Congresso é muito desfavorável a esse tipo de ação. O argumento deles é que todos os países fazem e se beneficiam desse tipo de linha, porque acabam exportando equipamentos para as obras. A pior coisa que pode acontecer é isso cair no debate ideológico, quando é algo pragmático.”
O ministro da Fazenda disse que não discutiu valores com os empresários. O Estadão apurou, no entanto, que os executivos fizeram chegar a diplomatas o desejo de obter uma linha de crédito de ao menos U$ 100 milhões. O valor ainda é considerado baixo se comparado ao tamanho da presença das construtoras brasileiras no país africano, antes da Lava Jato.
O Estadão entrou em contato com as assessorias da Novonor, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão sobre a reunião com o ministro e aguarda um posicionamento.
A Odebrecht era a principal beneficiária dos financiamentos em Angola. O país foi o principal destino dos recursos, que chegaram a U$ 3,3 bilhões, em 20 anos. Há dez, a empresa era considerada a maior empregadora privada no país, com mais de 20 mil funcionários.
A razão para a redução de valores na nova linha de crédito estaria no fato de que atualmente as construtoras têm uma capacidade menor e precisam avaliar a demanda. Elas continuam a funcionar em Angola, e começam a conquistar novos contratos, segundo diplomatas. Mas operam somente com recursos estrangeiros. Atrás de recursos, algumas construtoras passaram a abrir filiais na Alemanha, segundo integrantes do governo, para conseguir obter crédito no país. Mas, dessa forma, os contratos embutem condicionantes como o uso de equipamentos fabricados na Alemanha, o que aumenta a exportação de equipamentos com valor agregado.
Segundo diplomatas e consultores, os financiamentos públicos e garantias são essenciais para esse tipo de operação, por causa dos riscos envolvidos de atravessar o oceano e trabalhar na África, e os principais países do mundo continuam a operar dessa forma.
“Empresas tradicionais são as que mais fazem isso ainda, por causa da carteira de crédito. Para as pequenas não vale a pena vir. As médias e grandes, sim, porque crédito precisa de relacionamento com os bancos, e faz tempo que não tem dinheiro disponível. O dinheiro público ajuda, mas não pode ser o fator decisivo, porque é finito”, diz João Bosco Monte, do Instituto Brasil África.
O governo já trabalha de fato na retomada, que pode estar mais próxima do que parece. Uma fonte que participa das discussões disse que, das seis etapas necessárias para estruturar a linha de crédito, cinco foram cumpridas. Resta a sexta e mais complexa, e definição das garantias pelo governo angolano. Isso porque, em acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o governo angolano se comprometeu a não mais usar suas reservas de petróleo, como antes.
Autoridades do governo conversaram sobre alternativas com o governo angolano e o Banco Africano de Desenvolvimento.
Os desembolsos da principal linha de crédito usada pelas construtoras, via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), foram suspensos em 2015. Os casos de corrupção apurados pela Lava Jato provocaram o cancelamento de desembolsos. Angola perdeu quatro contratos que estavam assinados e somavam U$ 809 milhões. Esses contratos de empréstimo para exportação de bens e serviços de engenharia eram o Polo Industrial de Capanda (U$ 35 milhões), O Aproveitamento Hidrelétrico Laúca (U$ 500 milhões), o Alteamento Cambambe (U$ 132 milhões) e a Central 2 de Cambambe (US 142 milhões).
Apelo do presidente
No mesmo dia da reunião entre Haddad e os 18 empresários, Lula ouviu um apelo público do presidente angolano, João Lourenço, para criar uma nova linha de crédito destinada a empresas que desejem realizar grandes obras de infraestrutura no país, além de um fundo de apoio aos investimentos privados.
“Gostaríamos de negociar uma nova linha, com outros termos e condições, para financiar outras infraestruturas por construir, por serem importantes para o desenvolvimento do país”, afirmou o presidente Lourenço, no Palácio Presidencial. “Temos hoje um ambiente de negócios saudável, por isso gostaríamos de ver o Brasil tomar a iniciativa da criação de um fundo de apoio ao investimento privado, a ser usado por empresários interessados em realizar negócios em Angola.”
Os governantes discutiram a retomada das operações de crédito durante uma reunião ampliada na visita de Estado, na presença de comitivas de ministros. Segundo João Lourenço, a nova linha de crédito serviria à construção de escolas, hospitais, estradas, aeroportos, redes de transmissão de energia em alta tensão e subestações, sistemas de produção, adução e distribuição de água potável.
Segundo diplomatas e consultores, os financiamentos públicos e garantias são essenciais para esse tipo de operação, por causa dos riscos envolvidos, e os principais países do mundo continuam a operar dessa forma.
O presidente de Angola usa a credencial de ter sido considerado um bom pagador, por ter quitado todos os débitos dos financiamentos antecipadamente. Não é o caso de outros países com os quais o governo cultiva proximidade, como Moçambique, Cuba e Venezuela. Esses três países são responsáveis por parcelas em atraso que somam U$ 1,1 bilhão.
“Angola agradece o fato de o Brasil ter disponibilizado no passado uma linha de financiamento que contribuiu bastante na construção de infraestruturas de energia elétrica, como os aproveitamentos hidrelétricos de Capanda e de Laúca, a recuperação de estradas e outros projetos não menos importantes, como valor da dívida foi completamente liquidado dentro dos prazos acordados”, disse João Lourenço.
A nova linha de crédito deve ser exclusiva de Angola, justamente devido ao calote dos demais.
A política é chamada por alguns embaixadores de “Virada de Página” e consiste no restabelecimento de laços com políticos e em nova estratégia para inserção das empresas brasileiras, que perderam terreno para chineses, indianos e europeus.
Em países com Estado centralizador, como é o caso de Angola, onde o partido socialista MPLA governo há 49 anos, visitas de Estado e relacionamento político impulsionam negócios de fato. Em Angola, o presidente João Lourenço tem a prerrogativa de interferir e decidir por despacho algumas contratações públicas, sem concorrência, em projetos considerados estratégicos.
Sem crédito nacional, segundo Haddad, as construtoras passaram a abrir filiais em capitais europeias, para, com dinheiro de bancos europeus, participarem de contratações públicas angolanas. O problema, explicou o ministro, é que com isso os europeus exigem que bens sejam exportados para as obras, uma política de conteúdo nacional.
“Precisamos buscar fazer as coisas com mais segurança”, disse Haddad, referindo-se às garantias exigidas pelas instituições financeiras. “Queremos sair de uma discussão que vai polarizar em torno de uma coisa abstrata. Quero dizer sim ou não a um pedido concreto: é Angola, x milhões, com quais garantias. Do que estamos falando?”. ESTADÂO