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Domingo, 02 Julho 2023 00:03

“MPLA quer evitar escrutínio e é alérgico à fiscalização parlamentar”, acusa vice-presidente da bancada da UNITA

O partido no poder impediu um inquérito parlamentar à violência policial nas mais recentes manifestações em Angola. Em conversa com o Expresso, Olívio Nkilumbo, deputado da UNITA e quarto vice-presidente da bancada do partido, faz um retrato demolidor da situação económica e social no país.

“Está um caos”, diz o parlamentar eleito nas listas do maior partido da oposição, no âmbito da Frente Patriótica Unida, a convite do Bloco Democrático vindo da sociedade civil

O MPLA travou na semana passada uma proposta da UNITA de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) à violência policial nos protestos. Como reage a este chumbo?

O MPLA não só quer evitar o escrutínio como é alérgico à fiscalização por parte da Assembleia Nacional (AN). É estranho que o Presidente da República eleito na lista da AN – a sua legitimidade vem da lista da AN – seja averso à fiscalização da mesma. Costuraram uma Constituição que confere ao Presidente da República um poder absoluto e em que todos os órgãos se subordinam a ele. Ninguém o contraria e nem se lhe pedem contas. Aliás, há mesmo um acórdão (319/13) que retira à AN essa ação fiscalizadora. Uma CPI é um imperativo do regimento da AN e esta propunha pôr a nu os factos, no caso os excessos e as mortes provocadas pela polícia. O problema não é a polícia, mas as famosas ‘ordens superiores’. Nos vídeos que nos chegaram sobre as mortes no Huambo veem-se homens fardados com armas de fogo do tipo AKM a dispararem contra civis numa clara repressão desproporcional de força sobre os manifestantes. O menino de 12 anos morto a tiro é filho e neto de polícias...

Em Luanda, na manifestação de 17 de junho, estava a polícia de ordem pública a garantir a proteção dos manifestantes, depois surge outra polícia, a de intervenção rápida, que dispersou a manifestação com gás lacrimogéneo e balas de borrachas, que colocaram em debandada inclusive os colegas polícias de ordem pública. Uma polícia e duas ordens. É preciso que, por via de uma CPI, se esclareçam as circunstâncias das mortes destes cidadãos que estavam a exercer direitos civis e políticos. O regime não presta contas e nunca quer ser questionado. Quando assim acontece, age com força, envolvendo excesso de violência ou mortes para desestimular ações do género.

Que comparação faz entre as presidências de José Eduardo dos Santos e de João Lourenço na resposta aos protestos?

É preciso dizer que José Eduardo dos Santos também foi um ditador, mas as técnicas eram outras. É por isso que o grupo parlamentar da UNITA reaparece com a proposta de lei sobre reunião e manifestação, visando contextualizar a vigente, a Lei 16/91, que está a leste da Constituição da República de Angola, com realce para a evolução de ‘direito à manifestação’ para ‘liberdade de manifestação’, por exemplo, com o intuito de reforçar que os angolanos possuem mais direitos, liberdades e garantias. Entre as nossas propostas, que tiveram a participação da sociedade civil, constam as seguintes: a dispersão de manifestantes deve ser proporcional ao número e força de manifestantes para acautelar o direito à vida que o Estado protege, pois é um direito inviolável; a revisão do papel das forças de segurança e defesa durante as reuniões e manifestações, pautando-se pela utilização de meios de dispersão não letais, assim como evitar-se o uso e exibição de material bélico pesado; a avaliação mental e periódica dos efetivos e o controlo periódico do uso de álcool e de substâncias proibidas por lei; a inserção na futura lei do direito à desobediência e resistência pacífica. Os líderes autocráticos têm na violência uma forma de afirmação política. A vida deixou de ter valor diante de um regime que viola sistematicamente a Constituição que aprovou sozinho em 2010. Um verdadeiro incidente democrático.

Em entrevista ao Expresso e à Lusa no início do mês, João Lourenço disse que, no seu ponto de vista, “até há excessos no exercício da liberdade de manifestação” em Angola e que “a polícia reage quando tem de reagir”. Que comentário lhe merecem estas declarações?

O Presidente da República foi infeliz na sua abordagem. É um desconhecedor da realidade objetiva do país que governa. Lembra-me José Eduardo dos Santos nos seus últimos tempos, que não sabia de nada e estava completamente manipulado. Depois do jovem universitário Inocêncio Matos ter sido morto a tiro pela polícia durante uma manifestação a 11 de novembro de 2020, o Governo tudo fez para esvaziar o poder crescente do ativismo em particular e da sociedade civil no geral. Quase todas, se não mesmo todas, as manifestações realizadas pela sociedade civil foram reprimidas. Houve e ainda há uma agenda de esvaziamento da sociedade civil: aliciando, cooptando e coagindo ativistas e visando dividir a sociedade civil, sobretudo as vozes mais sonantes e credíveis. Associado a isso está o silenciar da imprensa pública e o encerramento da privada e a proposta de lei de João Lourenço que visa controlar as organizações não-governamentais.

E, mais grave, temos uma justiça que vive em crise existencial. Este é realmente um ambiente de crise, crise da democracia. É o problema de Angola. Para o MPLA, os bens valem mais do que a vida humana, que a Constituição considera inviolável nos artigos 30.º e 31.º. A mesma Constituição, no seu artigo 80.º, fala dos direitos da criança. Na era de João Lourenço, registam-se mais mortes de manifestantes e não há responsabilização penal ou qualquer custo político sobre quem governa. As mortes em manifestações têm voz de mando do novo ente jurídico invisível, o das ‘ordens superiores’, que me parece ser o Presidente da República, titular do poder executivo, ou então é alguma coisa superior a ele.

Na economia, tem-se registado uma queda histórica do kwanza, a moeda nacional, e um aumento da inflação para 10,62% em maio, depois de o Governo ter cortado os subsídios aos combustíveis. Como avalia a situação económica e social em Angola?

Está um caos. O atual Executivo, desde que assumiu as rédeas de Angola em 2017, já infligiu os seguintes danos à economia: desvalorizou o kwanza face ao dólar em 320%, reduziu significativamente o poder de compra dos angolanos, reduziu o PIB em 50% até 2021, reduziu a produção petrolífera: pela primeira vez em 15 anos, Angola produz abaixo de um milhão de barris por dia e teremos atingido o ‘peak oil’ [pico do petróleo ou pico de Hubbert, o ponto em que a produção máxima global de petróleo é atingida, seguindo-se um declínio irreversível]; a dívida pública aumentou; os índices de corrupção também, assim como os ajustes diretos na contratação pública, as despesas extra-orçamentais e a indisciplina orçamental; e há sucessivos défices orçamentais.

Como se chegou até aqui? A situação atual é demonstrativa do falhanço do PRODESI – Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações, aprovado pelo decreto presidencial nº 169/18 de 20 de julho. Os produtores locais organizaram-se e fizeram alguns investimentos para produzir em Angola. O Governo usou a Reserva Estratégica Alimentar para importar produtos alimentares e mantê-los artificialmente baixos no período eleitoral. O banco central, o Banco Nacional de Angola, usou as RIL [Reservas Internacionais Líquidas] e manipulou o mercado via massa monetária. Não se deram passos expressivos na diversificação da economia. E a falta de transparência e a corrupção na economia cresceram. Estes foram alguns dos fatores que concorreram para o agravamento e a pressão sobre o kwanza. É de recordar também que os mercados, quando descobrem que foram manipulados, tendem a penalizar o manipulador. EXPRESSO

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