“Angola é um Estado à procura de si mesmo, que está à beira de ser um estado falhado”, lamenta à agência Lusa o investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
No país de língua portuguesa da África Austral, que se tornou independente em 1975 e onde esteve sempre no poder o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), “o desaparecimento de pessoas que são contra o regime está a voltar a acontecer”, acusa.
Natural de Uíge, cidade do norte de Angola que no passado se chamava Carmona, Celso Rosa veio ainda criança para Portugal com a família, em 1976, tendo revisitado o território em trabalho por três vezes, já adulto, uma em 2007 e duas em 2010.
Angola, na sua opinião, “continua uma quimera”, longe de ser um estado de direito, meio século depois da emancipação política em resultado das lutas de libertação e da revolução do 25 de Abril de 1974.
É atualmente governada “com os mesmos vícios” do período da administração colonial, considera o especialista em estudos africanos.
Ressalvando que não visita Angola há 15 anos, critica a “descolonização atabalhoada e rápida” do país, “que passou a replicar o mesmo sistema que o colono punha em prática”.
“Há uns a quererem novamente aquilo que os outros não podem ter.
Foram estados que não tiveram tempo de se preparar”, diz à Lusa, abrangendo na sua opinião as restantes ex-colónias de Portugal em África: Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Nesses territórios, “durante centenas de anos de colonização”, os nativos “foram levados a acreditar que não eram pessoas”.
“A colonização é o ato mais violento que podemos ter. É muito diferente de esses povos terem uma democracia sã”, observa o investigador do CES. Os novos estados nasceram “dentro de fronteiras que foram herdadas [do colonialismo] e que cortaram a meio povos e nações”.
“Não é fácil pensar o futuro. Passaram 50 anos, mas eu diria: passaram apenas 50 anos, não é fácil”, conclui o antropólogo.
Celso Braga Rosa é autor da obra “Sobretudo a agonia. Angola, memórias de uma guerra íntima”, que apresentou em junho, na Feira do Livro de Lisboa.
Editado pela Afrontamento, o livro do doutorando da Universidade de Coimbra foi concebido a partir das memórias da família, que vivia na antiga Carmona antes da independência de Angola, bem como dos respetivos arquivos de fotografias.
O pai, com o qual teve escassas oportunidades de contacto, estudou para ser padre católico, num seminário em Portugal, do qual se evadiu para se juntar à família em Angola e onde veio a ingressar como voluntário no Exército português, tendo cumprido três comissões como operador de transmissões.
Depois da Revolução dos Cravos, a região de Carmona, atual Uíge, era dominada pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada por Holden Roberto.
Nessa época, todos os familiares de Celso Rosa, segundo o próprio, traziam sempre consigo o cartão de membro da FNLA, sob o lema “Liberdade e terra”.